Topo

Saúde

Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


'Colocar minha filha em uma moradia assistida foi estranho e libertador'

Patrícia com a filha Larissa - Arquivo Pessoal
Patrícia com a filha Larissa Imagem: Arquivo Pessoal

Manuela Aquino

Colaboração para VivaBem

11/07/2023 04h00

A pesquisadora e consultora de diversidade Patrícia Salvatori, de 52 anos, planejava viver na Itália para dar prosseguimento na vida acadêmica e também proporcionar um futuro melhor para Larissa, sua filha de 18 anos. Por ser uma pessoa com deficiência intelectual devido à Síndrome de Prader-Willi, a jovem teria acesso a políticas públicas inexistentes no Brasil.

Patrícia e seu marido, Fábio Fernandes, professor universitário e escritor, de 57 anos, pensaram que a pandemia seria o momento ideal para viver essa mudança tão esperada. Venderam tudo e foram, mas Larissa passou a ter crises muito fortes e a família precisou desistir de tudo e retornar ao Brasil.

Aqui, ela conta como a volta foi decisiva para que o plano de Larissa de viver em um lar para pessoas com deficiência, como uma moradia assistida, fosse encarado como uma possibilidade de felicidade e tranquilidade para a família naquele momento.

Ao VivaBem, Patrícia conta a sua história.

O começo

"Minha filha tem uma síndrome genética que afeta o cromossomo 15, a Síndrome de Prader-Willi, que causa uma série de características. A criança tem muita hipotonia, que é uma diminuição do tônus muscular, tanto que a Larissa, hoje com 18, só foi andar por volta dos 4 anos.

Além disso, há um quadro de deficiência intelectual e uma disfunção no hipotálamo em que a pessoa não tem saciedade. Esse é um grande problema porque não há controle do tipo: 'Terminei de comer, estou satisfeito', é preciso ter um controle externo muito grande para não haver compulsão. E pessoas com esta síndrome têm mais propensão a ter algum tipo de doença mental.

A gente seguiu a vida, ela fez fisioterapia por muito tempo, acompanhamento com psicólogo e foi à escola regularmente. Dizer que ela era superincluída é um pouco forte, mas ela sempre frequentou escola regular. Em 2019, a escola que ela frequentava fechou e, no ano seguinte, veio a pandemia com as aulas online. Ela não acompanhava muito, mas gostava de ver os colegas na tela.

Eu já tinha um planejamento de me mudar para a Itália, pois sou neta de italianos e teria a chance de tirar cidadania. Eu dava aula de relações públicas e poderia continuar minha vida acadêmica em outro país. Era um projeto de vida e que tinha a ver também com a Lari, pois sempre me preocupei com o futuro dela quando não estivesse mais aqui.

Na Europa, há políticas públicas e residência assistida para pessoas com deficiência, inclusive para quando envelhecerem há como viver sem os pais, o que já era minha preocupação.

Meu marido, que não é o pai da Lari, também poderia trabalhar lá, por ser escritor e professor universitário. Passamos a planejar a viagem, vendi tudo que tinha. Conversei muito com minha filha, ela estava animada, mas não parecia uma coisa muito concreta para ela e teria a questão de que só veria o pai uma vez ao ano.

A gente tinha a programação de ir no primeiro trimestre de 2021. Mas, quando as fronteiras fecharam, estávamos sem nada. Tinha conseguido minha demissão e não tinha mais carro, então fomos para o único país que aceitava brasileiros, a Sérvia. Passamos um mês lá e depois seguimos, finalmente, para a Itália.

A Lari começou na escola no dia 22 de dezembro, quase acabando o ano. Passou pelo visto e pelo processo de validação de que ela tinha deficiência. Os primeiros dias foram incríveis, ela estava feliz da vida, tinha uma professora de apoio. Mas por conta da nova vida e da distância com o pai, ela começou a ter crises muito fortes que a tiravam da realidade.

Ela ficou muito focada no padrasto, com uma obsessão. Na mesma época, a psiquiatra que a atendia na Itália resolveu mudar o medicamento que ela usava há anos no Brasil. As crises não pararam e foram tomando uma proporção gigante e chegando num ponto em que eu não podia ficar no mesmo ambiente que ele. Ela chorava, gritava e se tremia toda.

Ela queria que eu dormisse com ela e, qualquer aproximação que eu tivesse com meu marido, era motivo de gritos e choros homéricos. Teve episódios em que batia em tudo, nas paredes, acordava vizinhos de madrugada. E, por duas vezes, quando as crises foram mais fortes, eu precisei chamar o socorro para que ela fosse ao hospital.

Isso durou muito tempo e começou a afetar nossa saúde física e mental. Com a ajuda da médica que a acompanhava aqui, foi diagnosticado que ela tinha surtos psicóticos, que a tiravam totalmente da realidade. Conversando com esta profissional, percebi que só a nossa volta para o Brasil resolveria, pois minha filha estava completamente infeliz, longe do pai e em contato com um idioma desconhecido.

A difícil decisão

Eu estava exausta e apesar de ter queimado todas minhas fichas para mudar de vida, precisei retornar. Voltei para cá sem nada. Mas decidimos que não poderia ser no mesmo esquema de antes. Já havíamos conversado, inclusive com ela, de ir morar numa moradia assistida (residencial onde moram pessoas com deficiência assistidas por cuidadores e médicos). Como ela estava com 17 para 18, já não haveria mais possibilidade de frequentar uma escola.

Estamos envelhecendo e isso já era uma preocupação para quando não estivéssemos mais aqui. Eu pensava na moradia como uma solução muito bacana, porque ela é filha única, eu não acho que ninguém da minha família tem de ter essa responsabilidade de cuidar diariamente dela.

Eu resolvi voltar e colocar minha filha numa residência assistida, pois era isso, ou a gente ia morrer. Eu estava há meses sem respirar, só que em função dos surtos dela, eu tinha a sensação de que a qualquer momento minha cabeça iria explodir. E eu precisava retomar minha vida, estava completamente destruída emocionalmente.

Quando estávamos voltando, ela me perguntou: 'mãe, onde vou morar?' e eu expliquei que era numa moradia assistida e que a gente ia conhecer, que parecia uma colônia de férias. Eu havia conhecido esta, em Itapecerica da Serra, ao lado de São Paulo e gostei bastante da proposta. Ela ficaria num quarto sozinha, conviveria com várias pessoas com deficiência e faria atividades ao longo do dia. Na primeira visita, ela gostou e topou ficar.

Cada moradia tem uma proposta diferente e as decisões são tomadas com a família. Várias pessoas moram num mesmo local, neste caso é uma casa que se parece um sítio, com muito verde. Algumas pessoas dividem o quarto, outras não e todas as refeições são feitas lá.

A regra que eu coloquei foi de eu ir visitá-la, pois lá é a casa dela e ela precisa ter essa noção de que será assim daqui em diante. A gente sai, passeia e volta. Ficar indo para minha casa também pode servir de gatilho para as crises. Ela continua em tratamento, regulando a medicação e com eventuais crises, mas nada que se compare ao que vivemos.

Colocar minha filha lá foi muito estranho e, ao mesmo tempo, libertador, pois consegui respirar, estou conseguindo dormir e retomar minha vida profissional. Tive de fazer terapia já que passei por uma espécie de luto, pois não deixa de ser uma decisão muito difícil, tem muita mistura de sentimentos. Tem a questão financeira também, pois a mensalidade de lá se compara a uma mensalidade de um colégio top de elite de São Paulo. Preciso me programar para ter condições de pagar de maneira vitalícia.

A saudade da minha filha é imensa. Quantas vezes penso que ela gostaria de tal coisa, que iria fazer tal comentário, coisas que toda mãe cujo filho vai morar fora passa, seja uma pessoa com deficiência ou não. E claro que teve gente que achou que eu estava abandonando, né? Mas ninguém paga minhas contas.

Ela está extremamente feliz, se você vir uma foto dela agora, é impressionante como está com cara de uma adolescente e não de criança como era antes — e aí coloco uma parcela de culpa em mim. Ela tem autonomia e é incentivada a fazer coisas de maneira independente em sua casa. É muito importante dizer que, ao contrário de antes, hoje a Lari tem amigos."

Entenda a síndrome de Prader-Willi

A síndrome de Prader-Willi é uma doença genética causada geralmente por uma alteração do cromossomo 15. Os sintomas mais comuns são: deficiência intelectual, atraso global de desenvolvimento, alterações de hormônios da tireoide e uma acentuada hipotonia (fraqueza muscular).

"É uma síndrome rara. A incidência é de um a cada 15 a 30 mil nascidos vivos. O diagnóstico pode ser feito nos bebês, pela observação das características, e com o teste genético de metilação", diz Ruth Rocha Franco, endocrinologista pediátrica, médica assistente da Unidade de Endocrinologia do Instituto da Criança-FMUSP.

De acordo com Ruth, é possível perceber a hipotonia na maternidade, pois o corpo é mais mole do que o habitual e o recém-nascido não consegue sugar o leite e alguns precisam usar sonda. Há outras características físicas a se notar, como olhos amendoados, pés e mãos pequenos e genitália pouco desenvolvida.

Ainda conforme a endocrinologista pediátrica, os pacientes com síndrome de Prader-Willi sofrem de compulsão alimentar severa devido à desregulação hormonal, pois não há saciedade.

Há mais prazer em comer. É como se o cérebro ficasse focado 24 horas em comida. Como ainda não existe um medicamento específico para a condição, é preciso haver um controle na quantidade de comida, no acesso aos alimentos e uma rotina bem regrada. É uma questão bem difícil para as famílias, pois, pela falta de controle, o paciente pode comer comida congelada, por exemplo.

Ela explica que geralmente o hormônio do crescimento somatropina é indicado aos pacientes, pois melhora a hipotonia, aumenta o músculo e diminui a gordura corporal, e tem benefícios para a cognição se tomado nos dois primeiros anos.

O tratamento e acompanhamento de uma pessoa com síndrome de Prader-Willi é feito, de maneira constante, por uma equipe multidisciplinar, composta por neurologista, psiquiatra, endocrinologista, nutricionista, assim como fonoaudiólogo e terapeuta ocupacional, de acordo avaliação.