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Como é a mastectomia, cirurgia que a personagem Ivana pretende fazer

Ivana (Carol Duarte) corta os cabelos e adota um visual mais masculina em cena emocionante de "A Forēa do Querer" - TV Globo
Ivana (Carol Duarte) corta os cabelos e adota um visual mais masculina em cena emocionante de "A Forēa do Querer" Imagem: TV Globo

Bárbara Therrie

Do UOL

31/08/2017 04h20

Numa das cenas mais dramáticas da novela "A Força do Querer", exibida na última terça (29), a personagem Ivana (Carol Duarte) revelou aos pais que nasceu um menino. Ao desabafar que passou a vida toda não aceitando o seu corpo, a jovem chocou a família ao afirmar que deseja retirar os seios. Questionada pela mãe se vai se mutilar, a jovem responde que já nasceu mutilada.

Quem acompanha a trama sabe que essa não é a primeira vez que Ivana expressa sua vontade de ter nascido sem as mamas. Em outro momento marcante, a jogadora de vôlei se desespera e esmurra os peitos ao observá-los esmagados com uma faixa na frente do espelho.

Assim como a personagem da novela, na vida real, muitos homens transgêneros buscam adequar o corpo à forma com o qual se reconhecem e recorrem à cirurgia de retirada das mamas para conquistar esse objetivo. A mastectomia --também chamada entre médicos de toracoplastia ou mamoplastia masculinizante-- consiste na retirada da glândula mamária e o reposicionamento dos mamilos, explica Rodrigo Itocazo Rocha, cirurgião plástico do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e membro do ProSex.

Cirurgia pode ser feita pelo SUS

Na novela, Ivana pedirá ao pai para custear o procedimento. Fora da ficção, esse tipo de cirurgia particular varia de R$ 8 mil a R$ 20 mil, informa Rodrigo. Os homens transgêneros também podem ter acesso à mastectomia pelo SUS (Sistema Único de Saúde) através do “Processo Transexualizador”, instituído pela Portaria nº 2.803, de novembro de 2013.

Para ser encaminhado à mastectomia, o paciente transexual precisa atender a uma série de requisitos estabelecidos pelo Conselho Federal de Medicina e pelo Ministério da Saúde. A pessoa deve ter idade mínima de 21 anos e passar por acompanhamento multiprofissional, com psicólogo, psiquiatra, endocrinologista, assistente social e cirurgião por no mínimo dois anos.

Esse período é muito importante para o paciente se certificar da transformação que pretende fazer em seu corpo. “A cirurgia é irreversível quanto à perda da capacidade de amamentação, já que a retirada do tecido mamário representa retirar as células que produzem leite. A possibilidade de reversão cirúrgica fica limitada a devolver o volume mamário através de implantes de silicone”, alerta Rodrigo.

Uma vez confirmada a decisão, o próximo passo é o pré-operatório. O paciente deve apresentar boas condições de saúde, estar com o peso adequado, realizar exames de sangue, cardiológicos, mamografia e ultrassom, além de portar laudo que comprove o acompanhamento psicológico pelo tempo determinado. A cirurgia demora cerca de 10 anos para ser autorizada.

Como funciona o procedimento

As técnicas utilizadas na cirurgia de mastectomia podem variar de acordo com o tamanho e a forma das mamas. Beatriz Lassance, cirurgiã plástica e membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, explica que, no caso de mamas pequenas, a retirada da glândula mamária pode ser feita diretamente pela aréola, deixando a cicatriz ao redor dela. O tecido mamário também é retirado e uma lipoaspiração para ajustar a área do tórax pode ser necessária.

Em mamas maiores, uma das opções é fazer a incisão pelo sulco inframamário, com a cicatriz ficando abaixo do músculo peitoral. O excedente de pele é corrigido e a aréola e o mamilo são reposicionados, comenta Adriano Brasolin, cirurgião plástico e coordenador da Cirurgia Plástica do Ambulatório do Núcleo de Assistência Multiprofissional à Pessoa Trans da Unifesp.

Com duração de 1h a 4 horas, a mastectomia oferece os mesmos riscos que qualquer outro procedimento cirúrgico, como sangramentos, hematomas e infecção. Dependendo da complexidade do quadro, a cirurgia pode ser feita sob anestesia local, geral ou bloqueio peridural.

Ivana (Carol Duarte) se incomoda com a própria imagem refletida no espelho em "A Força do Querer" - João Miguel Júnior/TV Globo - João Miguel Júnior/TV Globo
A personagem trans Ivana decide fazer cirurgia para retirar os seios
Imagem: João Miguel Júnior/TV Globo

Pós-operatório e recuperação

A alta hospitalar ocorre no mesmo dia ou no dia seguinte à operação. “A pessoa sai do centro cirúrgico com curativo fechado e uma malha compressiva, uma espécie de colete que deve ser usado por um mês e ajudará na acomodação da pele, diminuirá o inchaço e evitará a formação de secreções”, explica o cirurgião plástico Adriano. Há casos em que o paciente precisa ficar com dreno para evitar o acúmulo de líquidos nas mamas e o mesmo é retirado após alguns dias.

Os médicos alertam que seguir as recomendações do pós-operatório são fundamentais para ter uma boa recuperação. O paciente não deve fazer exercícios físicos e movimentos bruscos com os braços por 30 dias. Antibióticos e analgésicos são prescritos para o alívio da dor e os curativos devem ser feitos no consultório do cirurgião dois dias após o procedimento. Posteriormente, o retorno ocorrerá uma vez por semana por três semanas e depois a cada 15 dias por três meses para o controle da cicatrização.

De acordo com Beatriz, a cicatrização pode levar de um a dois anos e algumas técnicas e instrumentos, como lasers, fitas de silicone e medicamentos podem ajudar no processo. “Enquanto a cicatriz está se formando, podemos intervir com pomadas e hidratação. É comum a marca ficar mais avermelhada nos primeiros dois meses e com o tempo clarear. Uma dieta rica em frutas, verduras e proteínas também auxilia nessa fase.”

Após a cirurgia, o paciente deve continuar o acompanhamento clínico, cirúrgico e psicológico, que pode durar de três meses a um ano. De acordo com Alexandre Saadeh, psiquiatra e coordenador do Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, “o acompanhamento psiquiátrico contribui para o bem-estar, o entendimento, a diminuição do autopreconceito, a melhoria dos relacionamentos e a estabilização afetiva”.

O rastreamento anual por câncer de mama após os 40 anos deve ser mantido pelo homem trans, mesmo com a retirada total da mama, pois há chances de ter a presença de células mamárias remanescentes, finaliza o dr. Adriano Brasolin.