Violência oculta: sociedade não enxerga idoso como pessoa, diz Calligaris
A terceira idade é apelidada de “melhor idade” e todos parecem apoiar a ideia de que idosos merecem os melhores tratamentos para aproveitar essa fase da vida.
Mesmo com tamanho zelo, é comum que os mais velhos sofram rotineiramente violências ocultas, agressões silenciosas que demoram a ser detectadas e machucam tanto quanto a violência física.
“É uma violência que não é reconhecida nem por suas vítimas nem por seus agressores. São pequenos gestos que passam desapercebidos como reflexos da convivência”, explica o psicanalista Contardo Calligaris.
O que é violência oculta?
Calma, parece difícil de entender, mas vamos dar um exemplo simples. No Brasil, as famílias tendem a aceitar quando os filhos jovens levam o namorado para dormir em casa. Pode ser em camas separadas no início, mas depois as normas podem se afrouxar e a figura do parceiro em casa se torna comum.
Agora, caso sua mãe (na terceira idade) more na sua casa por estar mais debilitada ou por questões financeiras e resolva levar um homem para dormir com ela. Seria aceito sem problemas?
“Ia ser proibido, o que é bem engraçado. A mulher de 60 anos não pode transar no lugar em que vive e a neta de 17 pode”, comenta Calligaris.
O idoso tem seu desejo negado e fica explícita uma violência oculta. O filho não assimila que quem está na terceira idade continua ativo. E a senhora, por sua vez, não desafia a família e passa a acreditar que não pode mais ter pretensão sexual.
Idosos têm direitos e desejos
Segundo o psicanalista, a sociedade tende a colocar o idoso como alguém com menos direitos, que não consegue tomar decisões e é até infantilizado. “A pessoa perde autonomia. Tratar um idoso como bebê faz com que ele responda como tal, renunciando cada vez mais sua individualidade”.
É preciso que o idoso consiga buscar autonomia para lutar contra esse movimento que os anula como cidadãos. “Homossexuais e mulheres, por exemplo, também sofrem violências pontuais, mas têm a vantagem de já estarem na luta, terem consciência de que são um grupo discriminado e conseguirem respostas políticas. Os idosos precisam conquistar esse poder de luta”, diz Calligaris.
E o contexto pode estar perto de uma reviravolta. O psicanalista explica que uma nova geração de idosos mais inquietos está se formando e pode dar voz aos problemas da idade.
“Vejo que quem tinha cerca de 20 anos em 1968 está chegando na terceira idade e é um grupo acostumado a pensar a política de uma maneira diferente, quer ter voz, quer direito individual e pode incomodar para conseguir”.
Como frear a violência?
A dica para não praticar nenhuma violência oculta ao se dirigir a um idoso é autoconhecimento, e terapia vai bem.
“Costumamos cuidar de idosos que tenham relação muito próxima, como pais ou sogros. Isso faz com que muitas vezes a gente, mesmo sem querer, desconte neles traumas antigos”, afirma. É aquela história de ter ficado no seu inconsciente um ressentimento por algo que seus pais fizeram durante a sua infância e de alguma forma na velhice, quando chega sua vez de cuidar, existir espaço para a revanche.
“Temos que trabalhar no autoconhecimento para não levarmos neuroses antigas para o presente. Temos que pensar, debater e ver o idoso como um igual, para darmos seu devido espaço social”.
Contardo Calligaris vai palestrar nesta terça-feira (13), às 19h30, no Centro de Formação e Pesquisa do Sesc, em São Paulo, abordando o tema de Violências Ocultas no projeto de Conscientização da Violência Contra a Pessoa Idosa.
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