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Americanos apostam em pulseira que dá choque para eliminar hábitos ruins

Pavlok, espécie de relógio que dá pequenos choques, é usado para acabar com compulsão alimentar e vício em cigarro - Kim Murto­n/The New York Times
Pavlok, espécie de relógio que dá pequenos choques, é usado para acabar com compulsão alimentar e vício em cigarro Imagem: Kim Murto­n/The New York Times

Jennifer Jolly

Do New York Times

07/05/2016 07h02

Durante a última década, sempre que o ano novo começava Jessica Irish, de Saline, Michigan, fazia a mesma promessa: “parar de fazer lanchinhos à noite e perder 15 quilos”. Como milhões de americanos, Jessica, de 31 anos, geralmente resiste por duas semanas.

Mas este ano foi diferente.
 
“Eu já perdi nove quilos, e minha dieta está mais regular do que nunca. E o mais impressionante é que quase nunca sinto vontade de lanchar à noite.”
 
Jessica afirma que um aparelho chamado Pavlok foi capaz de realizar o que anos de dietas, programas de emagrecimento, academias de ginástica caras e sua própria força de vontade não foram capazes de fazer. Sempre que ela come uma das coisas que está evitando, como chocolate e salgadinhos industrializados, ela usa o Pavlok para tomar um choquezinho.
 
“Sempre que colocava a comida na boca, me dava um choque. Fiz isso cinco vezes na primeira noite, duas vezes na segunda, e na terceira noite já não tinha mais fome.”
 
Como o nome sugere, Pavlok --que custa US$ 199 (R$ 700,88) e é colocado no pulso como um relógio-- utiliza a clássica teoria do condicionamento pavloviano para criar uma associação negativa com uma determinada ação. Da próxima vez que você fumar, roer a unha ou comer porcaria, basta dar um toque no aparelho ou em um aplicativo para o smartphone a receber um choque. O choque dura uma pequena fração de segundo e é o usuário que escolhe a intensidade. A força varia de 50 volts, que parece uma vibração forte, a 450 volts, que parece com a picada de uma abelha gigante --como base de comparação, o taser [arma de eletrochoque] da polícia geralmente libera uma carga de cerca de 50 mil volts.
 
Outros aparelhos e aplicativos apostam na mudança comportamental por meio de terapias de aversão, tais como o MotivAider, de US$ 49 (R$ 172,58), que funciona como um pager, ou a pulseira RE-vibe, de US$ 99 (R$ 348,68). Ambos podem ser programados para vibrar a intervalos específicos como forma de lembrar de um hábito que deve ser interrompido, ou de um objetivo a ser alcançado.
 
O assistente de postura Lumo Lift, de US$ 80 (R$ 281,76), é um disco que vibra sempre que sua postura fica ruim. Já o sensor Spire, de US$ 150 (R$ 528,30), acompanha as atividades físicas e o estado de espírito do usuário por meio dos padrões de respiração. Caso detecte que você está estressado ou ansioso, o aparelho vibra ou manda uma notificação para seu smartphone para que você se lembre de respirar fundo.
 
Compulsão alimentar - iStock - iStock
Aplicativos e aparelhos que tremem e dão choque usam a teoria do condicionamento pavloviano
Imagem: iStock
Contudo, o Pavlok eleva as coisas a um novo patamar, com uma mensagem muito mais difícil de ignorar.
 
Para testar o aparelho, eu o usei por uma semana, tomando choques sempre que comia a sobremesa. Meu objetivo era evitar os doces após o jantar. Primeiro, tomei o choque antes e, nos outros dias da semana, depois, quando tomei sorvete, comi um cupcake e um cookie com pedaços de chocolate.
 
Quando é colocado no nível mínimo, o aparelho causa uma sensação de cócegas. No máximo, o choque dói muito. Muito mesmo.
 
É preciso destacar que o criador do Pavlok, Maneesh Sethi, certa vez contratou uma mulher para se sentar ao seu lado e bater forte no seu rosto sempre que o visse usando o Facebook, para que ele aumentasse a produtividade. Eu liguei para Sethi e falei que se um dia nos conhecêssemos pessoalmente, faria o possível para não dar um soco na cara dele por ter criado um aparelho de tortura tão terrível. “É, sempre falam isso pra mim”, respondeu Sethi com uma gargalhada. “As pessoas amam ou odeiam o aparelho.”
 
Ele não foi criado para ser doloroso”, afirmou. “É uma sensação instantânea e surpreendente. Um choque que obriga a pessoa a sair do automático”.
 
Mas esse tipo de terapia de aversão autoimposta realmente funciona?
 
“A coisa mais esperta desse aparelho é o nome. É uma versão cara da ideia de usar um elástico no pulso para estralar como forma de interromper determinado comportamento”, afirmou o dr. Peter Whybrow, jornalista, psiquiatra e neurocientista de Los Angeles.
 
O dr. Marc Potenza, professor de Psiquiatria em Yale, afirma que os pesquisadores questionaram a natureza ética da intervenção de choque em um momento em que existem muitas opções mais confortáveis, como as terapias cognitivo-comportamentais, intervenções farmacêuticas e programas de 12 etapas.
 
A prática da terapia de aversão existe há cerca de 80 anos. O Hospital Schick Shadel, com sede em Seattle, relata que tratou com sucesso mais de 65 mil pacientes viciados em álcool e outras drogas com a ajuda de métodos de contracondicionamento, como medicamentos eméticos, que fazem os pacientes se sentirem enjoados sempre que bebem álcool, ou terapias de choque.
 
O diretor médico do hospital, dr. Kalyan Dandala, afirmou que estava interessado em utilizar o Pavlok para ajudar sua equipe a continuar o processo de recuperação depois que o paciente sai do período de 10 dias de internação, afirmando que o uso do aparelho deve ser acompanhado por um profissional da área.
 
“Ele é melhor se for prescrito como uma ferramenta de modificação de comportamento. A empresa precisa refinar esse aspecto, dar mais informações sobre o produto, e ser capaz de controlar melhor os resultados”, afirmou Dandala.
 
Michelle Freedland, enfermeira psiquiátrica de Manhattan, trabalhou com cinco pacientes que utilizam o aparelho para evitar o hábito de roer unhas, além do abuso de entorpecentes e comportamentos compulsivos, entre outros.
 
“Quando um dos meus pacientes contou que estava utilizando o aparelho no ano passado para ajudá-lo a se levantar da cama de manhã, fiquei desconfiada. Quer dizer, a ideia de tomar choques pode causar espanto. Mas quando você aprende a utilizar o aparelho da forma correta e se torna mais engajado no próprio tratamento, você tende a levar o processo mais a sério.”
 
Sethi, o fundador da empresa, afirmou que estavam começando a coletar dados sobre o índice de sucesso de longo prazo do aparelho, além de planejar um estudo clínico ao longo do semestre. O Pavlok está nas lojas desde novembro do ano passado e a empresa afirma que 10 mil pessoas já comprovaram sua eficácia.
 
Apesar da dor e da falta de estudos científicos que comprovem a eficácia de longo prazo do experimento, usuários de Facebook e membros de fóruns de discussão estão empolgados com o aparelho, considerado a última esperança para quem come ou bebe compulsivamente.
 
Bud Hennekes, blogueiro de 24 anos que vive em Saint Louis, afirmou que utilizou o Pavlok para se livrar de quase dois maços de cigarro por dia. “Antes, quando tentava parar, ainda sentia uma vontade tremenda de fumar. Quando usei o Pavlok, a vontade desapareceu. Não sei dizer se é científico ou efeito placebo, mas não faz diferença. O importante é que funcionou”.