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Como fui enganada pelo mundo das dietas que promovem o 'bem-estar'

Na tentativa de aliviar os sintomas de uma doença crônica, a britânica mudou radicalmente sua alimentação depois de ler na internet sobre "a cura por meio da comida" - Natasha Lipman
Na tentativa de aliviar os sintomas de uma doença crônica, a britânica mudou radicalmente sua alimentação depois de ler na internet sobre 'a cura por meio da comida' Imagem: Natasha Lipman

06/01/2020 13h56

Natasha Lipman cresceu com Síndrome de Ehlers-Danlos (EDS), uma doença genética crônica e bastante dolorosa.

Aos 20 e poucos anos, quando novos sintomas apareceram, ela se sentiu perdida. Foi nessa época que a britânica descobriu os blogs de bem-estar que pregam a "cura por meio da alimentação" e acabou decidindo mudar radicalmente sua dieta. O resultado, contudo, não foi o que ela esperava.

Este é o relato em primeira pessoa de sua experiência.

"Não consigo me lembrar de um momento em que não estivesse sentindo dor - isso, e o fato de meus joelhos constantemente saírem do lugar foi algo com que tive que lidar durante toda minha vida.

Aos 20 e poucos anos, porém, as coisas pioraram.

Depois de uma maratona de exames e consultas médicas, fui diagnosticada com Síndrome de Taquicardia Postural Ortostática (POTS) - o que basicamente significava que meu sistema nervoso autônomo não conseguia dar conta de todas aquelas coisas que o corpo faz de forma inconsciente e que permite que nos movimentemos.

Sempre que eu levantava, tinha a sensação de que ia desmaiar, sentia palpitações. Parecia que tinha um elefante sentado no meu peito. A fadiga que eu sentia era pior do que qualquer dor que eu sentia antes e acabou me levando a desenvolver uma intolerância a histamina.

Para não correr o risco de comer algo que me fizesse mal, com o tempo fui restringindo o cardápio às poucas coisas que considerava "seguras".

Fiquei confinada à minha cama, sem poder trabalhar ou realizar as atividades diárias às quais estava acostumada. Parecia que minha vida tinha acabado ali.

Até que, um dia, recorri ao "doutor" que está sempre ali quando a gente está desesperado: Dr Google.

Encontrei vários blogs escritos por mulheres jovens como eu, com problemas de saúde como os meus, que também haviam prejudicado o que deveria ser os melhores anos das vidas delas.

Mas elas não se sentiam murchas e viviam na cama com uma camiseta velha e amarrotada. Elas tinham ótima aparência, estavam sorridentes, posando com frutas, legumes e verduras que diziam que as haviam feito melhorar.

Por que ninguém havia me dito aquilo antes?

Sempre me considerei uma pessoa inteligente, com senso crítico, mas não conseguia parar de pensar naquelas mulheres.

Algumas tinham exatamente a mesma doença que eu e aparentemente haviam conseguido voltar à vida que levavam antes "graças à nova dieta".

Nunca me passou pela cabeça que eu não estava julgando tudo o que estava vendo como deveria.

De um dia para outro, adotei uma dieta vegana, sem glúten, sem açúcar, anti-inflamatória, baixa em histaminas e rotativa (quando se come certo tipo de comida em certos dias da semana) - com frequência fazendo mudanças drásticas, a depender das novas informações que aparecessem nas minhas pesquisas.

Achei que, se mantivesse uma espécie de diário da minha alimentação, conseguiria entender melhor o que estava funcionando e me manter motivada.

Assim, passei a registrar tudo no Instagram. Também comecei a seguir contas que tinham propostas parecidas.

Pela primeira vez, senti que não era a única pessoa passando por aquela situação e que podia ter esperança.

Usando hastags muito procuradas por quem fazia parte daquele universo, os "likes" nos meus posts se multiplicaram rapidamente.

Quando seu mundo se resume a uma cama - ou a um sofá -, ele se torna bem pequeno. Por isso, a sensação de estar conectada com tanta gente ao mesmo tempo - que comentavam nas minhas publicações ou compartilhavam meus posts - me fazia muito bem.

A maioria das contas que eu seguia tinha conteúdo muito parecido com o da minha. Eram fotos de pilhas de panquecas sem glúten ou de tigelas de mingau com frutas picadas sempre acompanhadas de comentários sobre seus benefícios à saúde.

Comecei a tirar fotos mais produzidas e a compartilhar meu dia-a-dia na rede.

Minha base de seguidores cresceu ainda mais. A imprensa passou a me procurar. Eu escrevia sobre os benefícios à saúde de alimentos que iam do gengibre à aveia, colhendo informações de blogs de bem-estar, sem questionar as fontes.

No meio disso tudo, comecei a sentir que tinha mais controle sobre minha saúde. Essa é, afinal, uma das mensagens disseminadas nesse mundo: que a saúde é uma "escolha" - tome as decisões certas e você será recompensado, o componente genético não é determinante, você pode ativá-lo ou desativá-lo dependendo do seu estilo de vida.

Uma mensagem sedutora pra quem está desesperado para se sentir melhor.

Passar por um tratamento de saúde é, de forma geral, uma experiência bastante passiva. Assim, com o Instagram finalmente senti estar no controle - e isso também era uma coisa muito poderosa.

Mas essa sensação não durou muito tempo. A comida tomou conta da minha vida. Tudo o que eu fazia era ler sobre comida, assistir a documentários sobre comida, planejar o que ia comer, preparar a comida.

Nos primeiros meses, cheguei a me sentir um pouco melhor. Tinha mais energia, menos reações à comida, me sentia mais feliz de maneira geral - mudanças que eu atribuía à alimentação.

O que eu não percebia até então é que eu havia parado de tomar alguns medicamentos que, hoje suspeito, eram causa de alguns sintomas que tinha antes. Além disso, quando comecei a dieta estava provavelmente no meu ponto mais baixo - o que quer que acontecesse seria dali para cima.

Acreditar que tudo o que eu comia me faria bem ou mal fazia sentido - a comida tinha me causado tantos problemas, por que não poderia passar a ajudar?

A rede social fazia com que aquilo se tornasse um ciclo sem fim. Quanto mais eu lia, mais doutrinada me tornava. Cheguei ao ponto de acreditar que passaria mal se comesse qualquer coisa que não fosse orgânica - o que acabou me deixando pior do que já estava.

A partir de determinado ponto, meus sintomas voltaram e começaram a piorar, o que me fez mergulhar ainda mais naquele mundo.

Passei a gastar todo o meu dinheiro em sucos detox, acupuntura e coisas do tipo.

E não me sentia melhor. Pior: estava desenvolvendo "ortorexia", o medo de não estar comendo os alimentos adequados.

Me senti um fracasso, especialmente porque havia introjetado todo aquele discurso sobre autorresponsabilidade e sobre a capacidade do corpo de se curar.

Se não estava funcionando, a culpa era minha - algo que meus seguidores me diziam quase diariamente.

As pessoas falavam que, como eu não acreditava de verdade que poderia curar minha doença, nunca iria de fato sarar.

Com o tempo, comecei a questionar tudo ao que tinha me agarrado - passei a ler blogs que tinham uma visão cética sobre aquele universo, que de fato explicavam a Ciência (ou a falta dela) por trás das promessas que me haviam sido vendidas. Aprendi que, na melhor das hipóteses, elas eram um exagero - e, no pior, mentiras perigosas.

Percebi que a pequena melhora que eu via na minha saúde não valia a pena o sacrifício imposto pela dieta restritiva que seguia ou o distúrbio alimentar que eu estava desenvolvendo.

Chorei a primeira vez que comi pizza novamente, com medo de que poderia estar me fazendo mal. Mas, ao mesmo tempo, eu estava tão feliz...

Me senti traída, perdida, confusa e envergonhada. Mas comecei a aceitar que talvez eu estivesse lutando contra algo que não pudesse ser derrotado. Talvez, pudesse aprender a viver dentro dos limites que minha condição me havia imposto. Esse foi o primeiro passo para a aceitação.

Me sentia culpada por todos os seguidores que, durante todo aquele tempo, disseram ter se inspirado no meu perfil para fazer dietas semelhantes.

Quando começamos a compartilhar nossas vidas nas redes sociais, nem sempre pensamos no impacto que podemos ter na vida dos outros. Mas a atitude aparentemente "inocente" de compartilhar nossas experiências pode significar colocar a saúde de outras pessoas em risco.

Assim que percebi o significado do que estava fazendo, tive que parar.

Arranejei coragem para falar publicamente sobre como estava me sentido, que talvez aquela dieta não estivesse funcionando para mim, que tudo o que havia lido até então talvez não fosse verdade.

Recebi muito ódio, fui chamada de "moralmente terrível" por voltar a comer carne.

Claro que a alimentação tem um papel importante para a saúde, mas muitas das discussões colocadas na internet ou nas redes sociais ignoram a complexidade que envolve a vida de pessoas que têm problemas de saúde.

Com o passar dos anos, alguns dos sintomas que sentia arrefeceram e concentrei meus esforços em aprender a viver nos meus limites em vez de lutar contra eles.

Minha saúde ainda tem impacto sobre meu cotidiano, mas a aceitação mudou minha vida. Não estou lutando contra mim mesma - nem estou tentando consertar o que não tem conserto.

Hoje consigo trabalhar meio período e viver uma vida que alguns anos atrás não pensei que seria possível.

Ainda recebo "conselhos" que não pedi de estranhos o tempo inteiro, me dizendo que a dieta da moda ou tratamentos pseudocientíficos vão me curar - o que é bastante cansativo.

Mas por que eu, e muitas outras pessoas com o mínimo de senso crítico, caem nessas falsas promessas e acreditam que podem simplesmente curar uma doença com a alimentação?

É importante levar em conta o poder do desespero e não ridicularizar as pessoas que estão em busca de ajuda quando já tentaram de tudo.

Quando se trata de doenças crônicas, eu estou entre as pessoas que têm sorte. Há tantas outras que não têm o mínimo de apoio ou cuidado de que precisam.

Muitas são abandonadas à própria sorte, com praticamente nenhum apoio ou orientação sobre como conviver com suas limitações - e esse é um terreno bastante fértil para a propação dos mitos sobre bem-estar e saúde."