Idosos superam artrite e até depressão com esporte: 'Prefiro morrer na quadra a largar isso'
Faz frio em Itatiba (SP) na terça-feira, mas a temperatura não intimida Regina Sartorato, que separa o short, a camiseta e as joelheiras - porque é dia de vôlei.
O time todo está em quadra, porque é preciso treinar para o campeonato que está chegando. Elas são as atuais campeãs dos Jogos Regionais dos Idosos (Jori) do Estado de São Paulo e serão time a ser batido - ou seja, é hora de suar a camisa.
Parece a rotina de um time qualquer, não fosse pela média de idade das jogadoras. Elas têm entre 60 e 70 anos e "se descobriram" atletas depois da aposentadoria.
Elas se dedicam com afinco aos dois treinos semanais, de uma hora e meia cada um. E aprenderam a conviver com dores típicas desta idade, como dores musculares ou nas juntas.
"Quando meu marido me inscreveu para jogar, eu disse: você é louco, eu sofro da coluna. Mas na quadra eu não sinto dor nenhuma. Me sinto uma menina de 35 anos", disse à BBC Brasil Dalva Assunção, de 69 anos. Ela trabalhou na roça com a enxada por muito tempo e disse "nunca ter visto bola na vida" até descobrir o time, quatro anos atrás.
Se no caso de Dalva, o vôlei ajuda a aliviar a dor, em outros, traz novos desafios.
Como no caso de Maria do Socorro de Oliveira, que há um ano descobriu sofrer de artrite reumatoide. "É uma artrite que não tem cura, tem que estar tratando sempre. Ela dá muita dor. Mas como eu gosto muito, eu tomo cortisona e aí eu consigo vir treinar", contou.
Aos 74 anos, não há mais o que a tire da quadra. "Já saí de braço aqui, com Helder me carregando e fui direto para o UPA (Unidade de Pronto Atendimento), porque eu não conseguia andar. A artrite reumatoide pega as juntas, o braço, a coluna, tudo. Mas eu enfrento, porque me faz muito bem."
Além das limitações físicas, muitas das mulheres que jogam na equipe - que chamam de time da "melhor idade" - em Itatiba enfrentam dores ainda mais profundas fora de quadra, por conta da perda dos maridos, de filhos ou da solidão que acompanha a velhice.
Regina Sartorato, de 74 anos, teve de lidar com depressão após a morte de seu companheiro, em 2014. Ela não queria mais treinar e pensou em "se aposentar" de vez. Mas a família foi quem lhe convenceu do contrário. "Eles disseram que era para eu continuar, porque era isso que ele gostaria que eu fizesse. E o vôlei me ajuda muito. Porque a vida continua, não é?".
Hoje, no alto de seus 1,80 m, ela é um dos destaques do time no ataque. Mas o vôlei que elas jogam é um pouco diferente. Aqui vale segurar a bola dentro da quadra antes de passá-la para a outra jogadora - só não vale andar com ela. São seis atletas em quadra, como na regra normal, e os jogos têm até três sets de 15 pontos. A bola é mais murcha e não é permitido saltar na hora do ataque (dar "cortada") - tudo no vôlei adaptado é pensado para preservar a saúde das atletas.
Início
O time de "vôlei adaptado" da terceira idade da cidade, que fica a 90 km de São Paulo e é do lado de Campinas, surgiu em 2003. Algumas estão lá há mais de dez anos; outras ainda são "novatas" e não estiveram na fatídica estreia da equipe em competições, quando Itatiba tomou sonoros 15 x 0 e 15 x 1 no único jogo que disputou naquele ano.
"Com um mês de treino, eu quis levá-las à primeira edição dos Jogos Regionais do Idoso (Jori). Perdemos feio. Mas a gente não desistiu", contou Tecla Jorenti, de 70 anos, responsável pelo início do projeto.
Tecla foi atleta de basquete e atletismo na universidade e se formou em Educação Física. Assim que assumiu o projeto de ginástica para a 3ª idade da prefeitura de Itatiba, passou a pesquisar que outros esportes poderiam ser praticados nessa fase da vida. Foi quando descobriu o vôlei adaptado.
"Minha ideia era para melhorar a qualidade de vida e socialização, para que elas interagissem mais entre elas. Porque tinha mulher na ginástica que era muito sozinha, viúva, não tinha companhia para sair."
A ginástica, então, virou vôlei adaptado. Mas, de cara, a experiência não deu muito certo. O medo da bola ainda predominava.
Após a disputa do primeiro Jori, quando elas tinham apenas seis jogadoras, pensaram em desistir.
"Todas ficaram decepcionadas quando foi 15 a 0 e 15 a 1", conta Tecla. "Elas não estavam acostumadas, eram todas dona de casa. Então a bola vinha e elas desviavam. Fizemos um ponto de saque só. Aí fomos treinando, jogando e logo deslanchou."
Benefícios
Das seis atletas que começaram, duas ainda estão na equipe, que hoje conta com 25 mulheres. Jorenti que, no começo, era a técnica do time, por não ter idade ainda para ser jogadora, hoje faz parte da equipe.
E se lá em 2003, Itatiba passou "vergonha" nos Jogos Regionais do Idoso, hoje elas acumulam dois vice-campeonatos na categoria de 60 anos, além do título da categoria dos 70.
No treino, todas elas chegaram exibindo as medalhas para a reportagem - e até começaram o alongamento sem tirá-las do peito.
"Nunca pensei que nessa idade eu iria ter os títulos que tenho", diz Regina Sartorato, que atua no time desde o primeiro campeonato, há 14 anos.
"Meus netos se enaltecem com a avó", conta Maria do Socorro. "Falam para todo mundo: 'minha avó joga vôlei'. E me sinto orgulhosa de poder fazer isso, me traz autoafirmação, valores, respeito. Recomendaria a todas as pessoas da terceira idade que fizessem."
Agora, elas se preparam para o Jogos Abertos do Idoso (Jai) de outubro, em Sertãozinho. Será a final estadual da competição, que tem outras oito etapas regionais, está na 21ª edição, conta com a participação de 300 cidades paulistas e envolve mais de 14 mil atletas a partir de 60 anos. O esquema é similar aos Jogos Universitários, com quatro dias de competição, e as pessoas dormindo em colchões nos alojamentos (geralmente, salas de aulas nas escolas).
Mas para as atletas de Itatiba, o campeonato, os títulos e as medalhas são apenas o complemento. O que elas mais ganham com o vôlei é vida.
"A gente vive mais. Você não pensa que você está velho, você pensa que está jovem. Eu jogo aqui hoje, amanhã em Campinas, depois volto para o amistoso...não tem tempo para ficar pensando em velhice", disse Dalva Assunção.
"Eu iria morrer na quadra, mas eu não largaria. Com toda a sinceridade. Só se não tiver jeito, que eu tenha que vir de cadeira de roda", concluiu Maria do Socorro.
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