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Vamos Falar Sobre o Luto?

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Festa de amor: é possível haver celebração dentro do luto?

Há 10 anos, Rita (no centro, de calça vermelha) reúne amigos para celebrar o aniversário do filho que morreu - Arquivo pessoal
Há 10 anos, Rita (no centro, de calça vermelha) reúne amigos para celebrar o aniversário do filho que morreu Imagem: Arquivo pessoal

Colunista de VivaBem

11/08/2022 04h00Atualizada em 11/08/2022 10h59

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Esta coluna tem a intenção de te inspirar a celebrar quem já partiu. À primeira vista parece estranho: o fato de um ente querido não estar mais aqui nada tem a ser comemorado. Não, não tem mesmo. Mas a pessoa que não está mais nesse plano e seu legado, esses sim merecem ser lembrados, agradecidos e perpetuados em nossas vidas.

Por acreditar nisso, há 10 anos eu comemoro o aniversário do meu filho Paulo sem a sua presença física, desde a sua partida, em 2012, aos 28 anos.

Vou contar de onde começou esse ritual: por ser muito jovem, a despedida do Paulo teve muita, muita gente. Todos os seus amigos estavam lá, além de toda a família e a família de nossos amigos. Naquele turbilhão de emoção e fraqueza, eu olhei para os amigos do Paulo em volta dele e me deu uma vontade imensa deles não perderem de vez seu grande amigo. E tive a vontade de estar com eles para sempre. De seguir a jornada de cada um, ver sua vida adulta virar realidade e seus filhos nascerem. Seria uma forma de ter um pouquinho do Paulo e eles também.

Foi assim que todo ano, no dia 29 de julho, o dia em que o Paulo nasceu, a gente faz uma festinha na minha casa. É um momento esperado que conta com a amorosa participação da sua irmã Gabi, do seu filho Rodrigo, da Anna Luiza, mãe do Rodrigo e dos amigos do Paulo, seus primos e quem mais aparecer. Quando chega esse dia a gente se arruma para celebrar o Paulo e o amor que existe em torno dele.

Festa do amor 2012 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Amigos que participaram da primeira Festa do Amor
Imagem: Arquivo pessoal

Nesses 10 anos, o Rodrigo, meu neto, que era bebê se tornou um menino muito querido, divertido e amoroso de 11 anos. Todo ano, o Rô acaba dormindo na minha casa. Nesse último julho quando acordamos eu falei: "essa festa do seu pai está ficando cada vez mais legal hein?" E ele respondeu: "Muito". Se antes os amigos do Paulo brincavam no chão com o Rodrigo, agora eles conversam sobre futebol, games, surf ou o que estiver interessando ao Rô. Provavelmente, como eu, ter essa conexão com os amigos do Paulo deve trazer um bocado do pai para o Rodrigo.

Esse ano a festinha foi incrível. Após 2 anos nos encontrando remoto, nosso último encontro foi até as 4 da manhã. Fizemos uma roda, conversamos com o Paulo. O primeiro a falar foi o Ricardo, o novo companheiro da minha nora Anna Luiza. Agradecemos essa conexão que fizemos para a vida e combinamos de nos encontrar no casamento da Veronica e do Gus, que estudou com o Paulo a vida toda. Lá estaremos, festejando os noivos e levando um pouco do Paulo para seus amigos. E assim sinto que meu filho continua existindo em nós e nessa corrente de amor. Pedi aos amigos dele escreverem o que sentem sobre esse encontro e seus textos são tão lindos que resolvi trazê-los para esse artigo. Seguem os depoimentos da Ana Flávia, do Gustavo, do João e da Anninha, minha nora que virou filha. Eles representam o que a gente vem construindo ao mantermos nossa conexão que homenageia mais do que tudo, a vida do Paulo.

Escrito por João Cecchi:

"Queria te dizer Rita, que esses encontros que fazemos há mais de 10 anos, muito mais que nos encontrarmos, é lembrar as histórias do Paulinho e como ele deixou um sentimento de amor em cada um que conviveu com ele. Mais que tudo Rita, o Paulinho era a pessoa mais generosa e amorosa que eu conheci. Minha relação com ele, você sabe, era de um irmão. E esse nosso encontro celebra esse amor. Ouvi uma vez que uma pessoa só morre quando ela não é mais lembrada e por isso, enquanto nós, que ainda estamos nesse plano, continuarmos celebrando a vida do Paulinho ele será eterno."

Escrito por Ana Flávia Di Luca:

"Estar todos os anos juntos na casa da Rita me traz mais do que reviver os momentos que estive com o Paulo em toda a minha vida. Um ano e meio antes do Paulo morrer eu tive um parto prematuro de 27 semanas do meu filho João, ele ficou um mês na UTI e quando tudo parecia estar caminhando bem, ele pegou uma infecção e não resistiu. Depois de ter passado por isso, meu melhor amigo vai embora do nada... todos olhavam pra mim com muita "pena" (não sei se é essa a palavra) mas todo mundo olhava e falava: amiga, depois de tudo que passou agora mais essa...

Acho que todos prensavam que eu não iria aguentar, sei la... Não foi fácil, mas hoje eu consigo viver o luto do meu filho e do Paulo de outra maneira, e isso graças à Rita que me ajudou também a confortar meu coração vendo a força que ela conseguiu lidar com o luto dela. Toda vez que estamos juntas no aniversário do Paulo, eu me sinto mais preparada para encarar o luto, a tristeza da perda e tudo que a morte nos traz. Mas esse dia é sempre leve, com muito amor, de lembranças que sempre estarão presentes e que nunca irão morrer. Com isso, teremos sempre o Paulo perto da gente."

Festa do amor:  - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Rodrigo, filho de Paulo, com amigos de seu pai durante a Festa do Amor deste ano
Imagem: Arquivo pessoal

Escrito por Gustavo Desgualdo:

"No começo eu achava que esse seria sempre um dia de luto na minha vida, por lembrar da falta que sinto do meu grande amigo, mas a cada encontro fui sentindo e aprendendo que essa era a melhor forma de estar com ele. É lá onde eu escuto as risadas dele, as piadas, as incansáveis e intermináveis bebedeiras e conversas com os brothers, as lembranças de vários momentos que passamos juntos e, principalmente, fazer uma das coisas que ele mais gostava de fazer: juntar os amigos e celebrar! Com certeza esse foi o maior legado que ele me deixou - celebrar a vida! Celebremos sempre a presença eterna do meu grande irmão, amigo, brother, conselheiro e ídolo que, mesmo não estando fisicamente aqui, me proporciona a alegria de ver pelo menos 1 vez ao ano a querida galera que ele mesmo construiu."

Escrito por Anna Luiza Tonini, mãe do Rodrigo:

"Para mim, nosso encontro é uma preparação para encontrar o Paulo. É como estar com ele de novo nesse dia, é viver o como seria sempre se ele estivesse aqui. É poder chorar de amor e saudade entre todos que amam ele e sentem a falta dele diariamente, um pouco como nós. Uma dose de compreensão e compaixão. Além disso, como mãe do Rodrigo, esse encontro é extremamente importante. Ele ouvir histórias que os amigos trazem nesse dia o aproxima do pai, acredito que preenche um pouco essa saudade que ele ainda não sabe expressar, mas que ao longo da sua jornada ele entenda que tem muita gente pelo lado do pai que ele pode contar, amar e ser amado. Te amo!"

Espero ter inspirado vocês a, sim, festejar quem já partiu. Se juntar para lembrar, para sentir a presença de quem amamos, vivenciar a parte mais importante do seu legado, que são as relações construídas. Para mim, sua mãe, é um jeito de presentear o Paulo com aqueles que ele tanto amava e sentir essa conexão forte da sua presença em cada um de nós.