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Vamos Falar Sobre o Luto?

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Diante de uma morte trágica, uma pergunta se impõe: 'E se...?'

Brigitte Giraud - Divulgação
Brigitte Giraud Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

16/03/2023 04h00

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Com um livro em que tenta imaginar pequenas mudanças capazes de impedir o drama que tirou a vida do marido, Brigitte Giraud venceu no ano passado o Goncourt, o mais importante prêmio literário da França.

Durante mais de 20 anos, a escritora francesa esteve perdida entre duas palavras que apontam direções opostas: "acidente", cuja etimologia guarda o sentido de "cair por acaso", e maktub, do árabe, que significa "estava escrito".

Esses dois termos guiaram uma profunda e íntima investigação em torno da morte de Claude, seu marido, ocorrida em 1999 em decorrência de um tombo de moto. A tragédia, vivida na contramão de uma época de alegria e otimismo —pais de um menino, os dois estavam prestes a se mudar para uma nova e sonhada casa e viviam ambos um ótimo momento profissional—, colocou Brigitte diante da falta de sentido e a fez experimentar a impotência das palavras.

O resultado desse encontro com o vazio é, como a própria autora define, "um livro que tenta explicar o inexplicável".

"Vivre Vite" (numa tradução literal, viver rápido) se organiza em torno de uma série de "E se...?". Uma única pergunta, feita repetidas vezes, aplicada separadamente aos elementos de uma mesma equação, na esperança de que, na possibilidade de modificar uma das partes, talvez o resultado possa ser outro.

Claude teria morrido se...

... Brigitte não estivesse viajando naquela data?

... se recusasse a emprestar a garagem para o irmão (o dono da moto)?

... tivesse avisado que não seria preciso buscar o filho na escola, pois o menino iria para a casa de um amigo?

... o governo francês houvesse proibido a venda no país da Honda 900 CBR Fireblade, moto que havia sido tirada do mercado japonês justamente por ser instável e perigosa?

E se os caminhos dela e o do marido nunca tivessem se cruzado? Estaria ele ainda hoje vivo, vivendo outras histórias?

Os inúmeros e incontáveis "E se...?" são trabalhados meticulosamente pela escritora, com a profundidade e o rigor jornalísticos de alguém que espera encontrar uma Verdade com V maiúsculo. Ao tentar contar a história de uma morte, no entanto, ela acaba por narrar a história de uma vida: a vida de um homem muito amado, a vida de um casal até o dia em que a morte os separou.

Os "E se..?" são também emissários de responsabilidades, pretendem distribuir culpas que não cabem a ninguém. Brigitte deve culpar a si própria?

A Deus?

Ao próprio morto?

Ao acaso?

Ao destino?

"Vivre Vite" (editora Flammarion) levou 20 anos para ser escrito porque, segundo a autora, foi preciso "chegar a uma distância segura dos acontecimentos" para enfim poder lançar-se nessa aventura.

Lendo o livro, fica a impressão de que ela sempre esteve consciente do impossível da missão a que se propôs. Quanto tempo se leva para buscar uma agulha no palheiro? Brigitte parece saber que, mesmo sem conseguir encontrar a agulha, terá valido a pena procura-la; afinal, só assim será possível organizar o palheiro, desfaze-lo até chegar, por um novo percurso, ao vazio que já se apresentava no início da busca.

Vazio e cheio são, assim como vida e morte, inseparáveis —dois lados de uma mesma moeda. Fazer o luto é tentar preencher o vazio para aprender a conviver com ele. Brigitte Giraud conseguiu. Brilhantemente.