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Blog da Sophie Deram

OPINIÃO

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Adoçante parece não ser a solução para ter mais saúde

adoçante - iStock
adoçante Imagem: iStock

Colunista do UOL

30/03/2022 04h00

O excesso de açúcar na alimentação é uma grande preocupação para a saúde. Como alternativa a esse ingrediente, tem-se consumido muito adoçante (ou edulcorantes), o que também pode ser um problema.

Os efeitos do consumo excessivo de adoçantes têm sido questionados por diversos estudos, entre eles, o NutriNet-Santé. Esse estudo francês de saúde pública, lançado em 2009, inspirou nosso NutriNet Brasil e conta com o compromisso de mais de 170 mil "nutrinautas", que respondem periodicamente a questionários online sobre alimentação, atividade física e saúde, com o intuito de avançar na produção de conhecimento sobre esses temas e, assim, contribuir com a melhoria da saúde e bem-estar de todos.

Entre muitas outras coisas, o NutriNet-Santé avaliou a exposição dos participantes a aditivos alimentares, incluindo os adoçantes, e sua associação com o risco de desenvolver câncer.

Você pode entender mais sobre os resultados dessa pesquisa lendo o comunicado de imprensa do Inserm (Instituto Nacional Francês de Saúde e Pesquisa Médica), "La consommation d'édulcorants serait associée à un risque accru de cancer", traduzido abaixo:

O consumo de adoçantes pode estar associado a um aumento do risco de câncer

"Os adoçantes permitem reduzir o teor de açúcar adicionado e as calorias associadas, mantendo ao mesmo tempo a doçura dos produtos. Muitos alimentos e bebidas (refrigerantes dietéticos, iogurtes, doces etc.) contendo edulcorantes são consumidos diariamente por milhões de pessoas. Entretanto, a segurança desses aditivos alimentares está em debate. A fim de avaliar o risco de câncer ligado aos adoçantes, pesquisadores da Inserm , do INRAE [Instituto Nacional de Pesquisa Agrícola], da Universidade Sorbonne Paris Nord e do CNAM [Conservatório Nacional Francês de Artes e Ofícios], participantes da Eren (Equipe de Pesquisa em Epidemiologia Nutricional), analisaram os dados de saúde e de consumo de adoçantes de 102.865 adultos franceses participantes do estudo de coorte NutriNet-Santé. Os resultados destas análises estatísticas sugerem uma associação entre o consumo de adoçantes e um aumento do risco de câncer. Eles foram publicados na revista PLOS Medicine."

Dados os efeitos deletérios do consumo excessivo de açúcar sobre a saúde (por exemplo, ganho de peso, problemas cardiometabólicos, cárie dentária), a OMS (Organização Mundial da Saúde) recomenda limitar o consumo de açúcares livres (açúcares adicionados e naturalmente presentes em sucos de frutas, xaropes, mel) a menos de 10% do consumo diário de energia. Assim, para manter a "doçura" tão procurada pelos consumidores de todo o mundo, a indústria alimentícia recorre cada vez mais aos adoçantes artificiais.

Eles são aditivos alimentares que reduzem o teor de açúcar adicionado e as calorias correspondentes, mantendo o sabor doce. Além disso, para realçar o sabor de certos alimentos, os fabricantes incluem estes adoçantes artificiais em alguns produtos alimentícios que tradicionalmente não contêm açúcar adicionado (por exemplo, batatas chips aromatizadas).

O aspartame, um conhecido adoçante artificial, está presente, por exemplo, em milhares de produtos alimentícios em todo o mundo. Seu valor energético é semelhante ao do açúcar (4 kcal/g), mas seu poder adoçante é 200 vezes maior, o que significa que uma quantidade muito menor de aspartame é necessária para se obter um sabor comparável. Outros adoçantes artificiais não contêm sequer calorias, por exemplo, acessulfame-K e sucralose, que são 200 e 600 vezes mais doces que a sacarose, respectivamente.

Embora a carcinogenicidade de alguns aditivos alimentares tenha sido sugerida por vários estudos experimentais, faltam evidências epidemiológicas fortes ligando o consumo diário de adoçantes à etiologia de várias doenças.

Em um novo estudo, os pesquisadores procuraram examinar as associações entre o consumo de adoçantes artificiais (total e mais comumente consumidos) e o risco de desenvolver câncer (geral e tipos mais frequentes) em uma grande análise de base populacional. Eles utilizaram dados de 102.865 participantes adultos do estudo NutriNet-Santé, uma coorte online iniciada em 2009 pela Eeren (Inserm/Universidade Sorbonne Paris Nord/CNAM/INRAE), que também coordenou este trabalho.

Os voluntários autorrelataram seu histórico médico, dados sociodemográficos, atividade física, estilo de vida e estado de saúde. Eles também forneceram aos pesquisadores informações detalhadas sobre seu consumo de alimentos, apresentando registros completos durante vários períodos de 24 horas, incluindo nomes e marcas dos produtos. Isso permitiu uma avaliação precisa das exposições dos participantes a aditivos, incluindo a ingestão de edulcorantes.

Após a coleta de informações sobre o diagnóstico do câncer no decorrer do acompanhamento (2009-2021), os pesquisadores realizaram análises estatísticas para investigar as associações entre o consumo de adoçantes e o risco de câncer. Eles também controlaram possíveis fatores de confusão como idade, sexo, educação, atividade física, fumo, IMC (Índice de Massa Corporal), altura e ganho de peso durante o acompanhamento, diabetes, histórico familiar de câncer e ingestão de caloria, álcool, sódio, ácidos graxos saturados, fibras, açúcar, alimentos integrais e produtos lácteos.

Os cientistas descobriram que, em comparação com os não consumidores, as pessoas que consumiam mais adoçantes, particularmente aspartame e acessulfame-K, tinham um risco maior de desenvolver câncer de todos os tipos. Foram observados maiores riscos de câncer de mama e de cânceres relacionados à obesidade.

"Este estudo prospectivo em larga escala sugere, de acordo com vários estudos experimentais in vivo e in vitro, que os adoçantes artificiais, utilizados em muitos alimentos e bebidas na França e no mundo, podem representar um fator de risco aumentado para o câncer", explica Charlotte Debras, estudante de doutorado e primeira autora do estudo. Serão necessárias mais pesquisas em outras coortes de grande escala para replicar e confirmar estes resultados.

"Estes resultados não apoiam o uso de adoçantes como alternativas seguras ao açúcar e fornecem novas informações para abordar as controvérsias sobre seus potenciais efeitos adversos à saúde. Eles também fornecem dados importantes para sua reavaliação contínua pela EFSA (Autoridade Europeia de Segurança Alimentar) e outras agências de saúde pública em todo o mundo", conclui Mathilde Touvier, diretora de pesquisa da Inserm e coordenadora do estudo."

Adoçantes não são vilões, mas é preciso cautela

Como visto, o estudo NutriNet-Santé mostra uma associação entre o consumo de adoçantes e o risco de desenvolver câncer. Isso não quer dizer que os adoçantes causam câncer, mas sim que esses dois elementos estão correlacionados. De qualquer forma, é um indicativo de que o uso de adoçantes merece atenção.

Eles não são proibidos, assim como o açúcar não é. O problema é que o excesso de ambos, esse sim, é o grande vilão.

A combinação do excesso de açúcar com a demonização desse ingrediente levou a um exagero também no uso de adoçantes, como se eles fossem a solução para se ter mais saúde e pudessem ser usados indiscriminadamente.

Com isso, buscamos alimentos "diet", "zero", "sem adição de açúcares", acreditando que são mais saudáveis e menos calóricos, quando na verdade os adoçantes têm efeitos na saúde.

Não se trata de uma questão meramente individual. Encontramos alimentos industrializados com excesso desses adoçantes, muitas vezes em alimentos que convencionalmente não são adoçados, ao mesmo tempo que não existe a obrigatoriedade, no Brasil, de que os rótulos informem a quantidade de adoçantes contidos nos alimentos.

Ou seja, não sabemos o quanto estamos consumindo. Por isso, além de ser importante ter moderação e buscar reduzir o consumo de adoçantes em nossas casas, sempre em paz com a comida e com o corpo, precisamos urgentemente prezar pelo direito à informação e pressionar a indústria alimentícia a oferecer alimentos de melhor qualidade, o que inclui menos aditivos alimentares.

Sophie Deram