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Blog da Sophie Deram

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

5 razões para um novo olhar sobre obesidade

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

29/09/2021 04h00

Em novembro de 2020 foi realizado um evento online que contou com palestras e debates sobre a necessidade de adotar um novo olhar sobre a obesidade: o Manifesto Sobre Um Novo Olhar Sobre Obesidade.

A ideia do Manifesto foi inicialmente minha e pude contar com o apoio de vários profissionais de saúde e a mediação do evento pela jornalista Fabíola Cidral.

Participaram pesquisadores renomados como o sociólogo e antropólogo Claude Fischler, com sua palestra "Obesidade: problema individual ou social?", e o psiquiatra e coordenador do Ambulim do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Táki Cordás, que palestrou sobre "Obesidade e saúde mental".

O evento contou também com a participação dos nutricionistas, pesquisadores e professores Dennys Cintra e Maria Carolina Santos Mendes, que ministraram as palestras "Obesidade em 3 atos: do microcosmo genômico às políticas públicas de prevenção" e "Você não está sozinho nesta jornada: a participação da microbiota intestinal na obesidade", respectivamente, além da médica Paula Teixeira, ministrando "Comer consciente, resgatar autonomia na escolha alimentar".

Eu contribuí com as palestras "O peso das dietas" e "Por que eu como isso?".

As gravações completas serão disponibilizadas entre os dias 2 e 11 de outubro de 2021, Dia Nacional da Prevenção da Obesidade, e contam ainda com debates entre os palestrantes e depoimentos. Com esse Manifesto nossa intenção é questionar o tratamento atual para a obesidade, que tem se mostrado um fracasso, com um crescente número de casos no mundo todo, bem como discutir possíveis soluções e alternativas para esse problema de saúde. Nenhum país do mundo conseguiu diminuir as taxas de prevalência de obesidade nesses últimos 35 anos.

Para você entender melhor sobre o que estou falando, trago aqui cinco razões que mostram a necessidade de um novo olhar sobre a obesidade.

1. Obesidade não é uma responsabilidade pessoal

A ideia de que quem tem obesidade é preguiçoso ou sem força de vontade está impregnada na sociedade em geral, afetando também o tratamento atual. No entanto, a obesidade é uma condição de saúde e não uma responsabilidade pessoal.

Trata-se de um problema de saúde multifatorial que envolve questões genéticas, sociais, culturais, ambientais, emocionais e psicológicas.
Por isso, muito mais do que "fechar a boca e malhar", é necessário entender que a mutação de genes, a microbiota intestinal e, entre outras tantas coisas, nosso ambiente alimentar, influenciam o desenvolvimento da obesidade.

Para entender que a questão é bem mais complexa, pense no nosso sistema alimentar, no qual é estimulado o consumo de alimentos ultraprocessados (palatáveis, atraentes, baratos) enquanto o consumo de comida fresca e caseira é desencorajado.

Este é apenas um exemplo de que o problema vai muito além de uma responsabilidade pessoal, relacionando-se com questões políticas sobre as quais toda a sociedade precisa estar atenta.

2. Magreza não é sinal de saúde

É mais do que comum perceber a magreza como um sinal de saúde e, assim, o tratamento atual da obesidade acaba voltado para a perda de peso.

Mas se você parar para pensar, é possível apresentar uma perda de peso por problemas de saúde, como anorexia, câncer, doenças infecciosas etc.

Por outro lado, pessoas com "excesso de peso", considerando o cálculo determinado pelo IMC, podem estar metabolicamente saudáveis, com bem-estar e qualidade de vida por consequência de um estilo de vida saudável.

Claro, sabemos que a obesidade pode ser fator de risco para diversas doenças. Mas, veja bem, também é do nosso conhecimento que uma perda de peso de 5% leva a melhorias de indicadores de saúde, como a pressão arterial. Desse modo, não faz sentido a busca por um peso "ideal", com base em parâmetros numéricos, mas sim de um peso saudável, aquele que é só seu.

3. Déficit calórico pode atrapalhar mais do que ajudar a combater a obesidade

O tratamento atual da obesidade é baseado em comer menos e se exercitar mais para obter um déficit calórico, mesmo princípio seguido pelas dietas restritivas. A ideia parece boa, é tanto que, a curto prazo, é comum que a restrição calórica leve à perda de peso.

Mas a longo prazo não é bem assim que funciona, pois não somos máquinas, mas sim seres humanos guiados por complexos processos biológicos.

Com o passar do tempo, o déficit calórico pode, na verdade, levar à redução do metabolismo energético basal, ou seja, a energia que despendemos em repouso, para nos mantermos vivos. Outra modificação que acontece é um aumento do apetite.

Isso acontece porque o cérebro odeia dietas e quando temos um déficit calórico, ele entende que estamos passando por um momento de privação. Nesse caso, o corpo passa a reduzir o metabolismo e a guardar energia como mecanismos de defesa, assim como aumentar sua vontade de comer.

Com isso não quero dizer que a alimentação e a prática de atividade física não são importantes. Muito pelo contrário. Porém, o mais adequado a se fazer é comer melhor, e não menos. Caprichar na qualidade, ir para a cozinha e consumir mais comida fresca e caseira. Trata-se de adotar um comportamento alimentar melhor, mais consciente e menos restritivo.

Do mesmo modo, a atividade física não deve ser fonte de estresse, nem realizada com o mero objetivo de perder peso, mas sim como parte de um estilo de vida saudável e fonte de prazer na busca por qualidade de vida e saúde.

4. Remédios e cirurgia bariátrica não são a solução

Seguindo a mesma lógica do déficit calórico, temos como opções do tratamento atual a utilização de remédios para emagrecer e da cirurgia bariátrica, muitas vezes vistos como soluções para a obesidade.

No entanto, nenhuma dessas opções tem solucionado esse problema de saúde, nem são milagrosos, por isso os pacientes necessitam ser bem orientados sobre os efeitos colaterais e possíveis complicações, enquanto os profissionais de saúde devem conhecer e analisar bem cada caso para evitar administração de remédios ou a indicação de cirurgia de forma inadequada.

Por exemplo, a pessoa, ainda que apresente excesso de peso, pode não ter muito apetite, de modo que não irá se beneficiar de um inibidor de apetite.

Do mesmo modo, um paciente com histórico de dietas restritivas pode apresentar um baixo metabolismo e poderá apresentar reganho de peso após a cirurgia bariátrica.

5. Estigma só piora o problema da obesidade

O estigma da obesidade está em todos os lugares: no trabalho, na escola, na família, na mídia e também nos serviços de saúde. Quando o profissional atribui ao peso toda a responsabilidade pelos problemas de saúde da pessoa com obesidade, ou quando o paciente leva uma bronca por não ter perdido o peso determinado, temos exemplos estigmatizantes.

Há quem acredite que essa atitude cheia de preconceito leva as pessoas com obesidade a perderem peso, mas na verdade observamos o efeito contrário, pois, inclusive, contribui para uma evitação dos serviços e cuidados de saúde.

Por isso, no Guia Canadense sobre o tratamento da obesidade, os autores reconhecem que o peso não define obesidade e propõem diversas orientações na busca por um cuidado mais humanizado.

Essa é apenas uma das iniciativas que corroboram com um tratamento mais adequado e me deixa contente em saber que não estou sozinha nessa.

Que cada vez mais possamos avançar para um novo olhar sobre a obesidade, com um tratamento digno, respeitoso e humanizado oferecido por profissionais competentes e habilitados para lidar com esse problema de saúde da melhor forma.

Bon appétit!

Sophie