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Paulo Chaccur

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Nem de mais, nem de menos: exageros que prejudicam a saúde do coração

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Colunista do UOL

18/06/2021 04h00

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Costumo dizer que a palavra-chave para manter a saúde cardiovascular é moderação, o equilíbrio de diferentes pilares importantes para o bom funcionamento do coração. Isso porque, mesmo com as melhores intenções, é preciso estar atento para não ultrapassar aquela linha tênue que nos leva ao exagero.

Fazer exercício físico regularmente é fundamental para evitar fatores de risco cardíacos, como sedentarismo e obesidade, mas precisamos também de descanso. Atividade em excesso leva a fadiga e lesões. Dormir bem é primordial para recuperação do corpo, porém, oferecer pouco tempo de sono ao organismo ou a necessidade de passar horas a mais na cama com frequência pode revelar problemas.

Ser produtivo, trabalhar e ter uma ocupação que você goste faz bem e traz uma série de benefícios, no entanto, trabalhar demais é capaz de levar ao estresse, a exaustão física e mental. Da mesma forma é com a alimentação. Tanto comer muito quanto ter uma obsessão no controle dos alimentos pode ser prejudicial. Isso só para citar alguns exemplos.

O ponto aqui é: os extremos, geralmente, vêm com um preço a se pagar. É hora, então, de identificar situações que estão acontecendo "de mais" ou "de menos" no cotidiano e interferem no seu bem-estar, qualidade de vida e saúde.

Ser produtivo é bom, mas trabalhar 24h por dia leva a exaustão

Pesquisa recente de instituições renomadas como a OMS (Organização Mundial da Saúde) e a OIT (Organização Internacional do Trabalho) revela o impacto e a deterioração causada pelo ritmo intenso de trabalho na saúde (o estudo foi publicado em maio na revista científica Environment International e esta semana pela BBC).

Segundo o levantamento, a cada ano, 750 mil pessoas morrem de doenças cardíacas isquêmicas (a doença arterial coronariana) e acidente vascular cerebral (AVC), devido às longas jornadas de trabalho —definidas como 55 horas ou mais por semana. E o principal vilão nesta história é o estresse.

Estresse e burnout: mulher rodeada de colegas, em desfoque - Getty Images - Getty Images
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Quando presente de forma constante, ele estimula a produção de hormônios que elevam a pressão arterial e o colesterol. Aliado a isso, surgem as mudanças de comportamento que o excesso de trabalho traz: dormir pouco, não se exercitar como deveria, descuidar da alimentação, fumar e ingerir álcool em grandes quantidades.

A experiência crônica do estresse associado às longas horas de trabalho afeta ainda os processos metabólicos e leva a casos de depressão e crises de ansiedade. Ou seja, a lista praticamente completa de fatores de risco para a saúde cardiovascular!

Somada a pressão que já era presente na vida de muitos, veio a pandemia da covid para intensificar tensões e criar novos cenários de esgotamento. A crise econômica, por exemplo, tem levado as pessoas a buscar alternativas e acumular funções para sobreviver. Já o home office trouxe para uma parcela da população o desequilíbrio entre trabalho e vida pessoal.

Especialmente neste momento que estamos enfrentando nem todo mundo tem a opção de reduzir a jornada de trabalho, mas é preciso achar saídas, pois uma hora o corpo vai cobrar por este excesso —e nem sempre ele dá sinais antes de um AVC ou ataque cardíaco fatal.

A ideia de que equilíbrio é tudo se aplica até à quantidade de horas de sono

Estudos apontam que dormir mais de oito horas por noite pode ter relação com o desenvolvimento de doenças cardíacas e a morte prematura. Os trabalhos relatam tanto aumento de infarto do miocárdio como do acidente vascular cerebral para as pessoas que necessitam de um período de sono de 8 a 10 horas. Então dormir demais pode levar a morte? Não exatamente.

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Os resultados destes levantamentos vão muito mais para a questão da qualidade do que propriamente a quantidade de horas na cama. Isto é, não são as mais de 8 horas dormindo que causam problemas cardíacos, e, sim, a qualidade desse sono. O fato é que ter sono em excesso e sentir a necessidade de continuar na cama servem de alerta para noites mal dormidas e a falta do descanso que nosso corpo tanto merece —e precisa!

A finalidade de dormir é a recuperação. Durante o sono o ritmo cardíaco e a pressão arterial diminuem e fazem com que o organismo entre num estado de compensação de energia. Ao dormimos pouco ou mal não é possível fazer essa pausa, o que gera cansaço, mau humor, estresse e irritabilidade, além da elevação da pressão arterial e até estímulo a obesidade, aumentando o trabalho do coração e a possibilidade do aparecimento de doenças cardíacas —o risco acontece se o excesso de sono ocorre de forma frequente e não esporadicamente.

Por isso, preste atenção em como anda o seu sono. Se você sofre com insônia, apneia ou está com dificuldade de relaxar quando vai para cama, busque ajuda para resolver o problema. O ideal para um adulto é dormir entre 6 e 8 horas. Faça da qualidade do sono uma prioridade!

É importante manter uma dieta saudável, mas sem loucuras

O cuidado com a dieta alimentar é fundamental para a saúde. No entanto, a preocupação exagerada e apenas por razões estéticas leva a excessos desnecessários e prejudiciais ao organismo. O problema é que nem sempre a forma escolhida para controlar o peso é a melhor. Muitos sacrificam a saúde e até o processo de emagrecimento ao apostarem em dietas malucas ou medidas drásticas. A consequência é o efeito sanfona que, mais do que a frustração em ver os quilos voltarem rapidamente, traz riscos, inclusive ao coração.

Quando a perda de peso é feita a partir de uma dieta extremamente restritiva, os resultados surgem de forma acelerada, mas não duradoura. Sem o planejamento correto para a conquista do resultado em longo prazo, o corpo acaba eliminando aquilo que não deveria e mantendo o que era para eliminar.

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Ao perceber uma mudança radical na ingestão de alimentos, o organismo começa a reagir para guardar energia suficiente para o seu funcionamento (até mesmo em forma de gordura). Para isso, diminui a produção de hormônios que tiram o apetite e eleva a liberação daqueles que aumentam a fome. Outra medida é a redução da atividade metabólica e, consequentemente, a queima de gordura mais lenta.

O excesso dessa gordura armazenada pode acarretar em um processo inflamatório que leva à formação de placas nas artérias, gera dislipidemia, hipertensão arterial e aumento da resistência à insulina, quadro que provoca o descontrole permanente da glicose e o aparecimento do diabetes. Em qualquer uma dessas situações crescem as chances de uma doença arterial coronária ou cerebrovascular.

O impacto do efeito sanfona é capaz de gerar alterações na saúde emocional, levando a depressão, ansiedade e distúrbios alimentares, cenários que também interferem no agravamento ou desenvolvimento de doenças que afetam o coração. Portanto, é essencial manter o controle de peso, mas isso deve ser feito de maneira saudável, sem a adoção de um regime temporário ou radical demais para o organismo.

O que evitar, mas não cortar do cardápio

Você é daqueles que tem o hábito de passar o dia fazendo pequenos lanchinhos? Taí um excesso que deve ser evitado. Essa é uma razão pela qual muitas pessoas não conseguem se livrar dos quilos extras. Ficar beliscando, mesmo sem fome, abre portas para um distúrbio crônico na alimentação e à obesidade.

E quando falamos de alimentos, é importante entrar no desequilíbrio do consumo de alguns deles, especialmente aqueles polêmicos para a saúde cardiovascular. Ingerir altas quantidades de qualquer nutriente por um longo período, no geral, vem com riscos. O sal, por exemplo. Muito sódio na dieta leva a perdas de cálcio, hipertensão arterial, doenças cardíacas e a um AVC. Então a saída é cortar todo sal? Não. A não ser por recomendação médica.

Sal não é tudo igual! Rosa, marinho, negro e com especiarias... escolha o ideal para você - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Isso porque o sódio é essencial para manter o equilíbrio e a distribuição dos líquidos corporais que ficam dentro e fora das células, além de ajudar no relaxamento muscular, na transmissão de impulsos nervosos e do ritmo cardíaco, permitindo o bom funcionamento do cérebro e o controle adequado das funções vitais do organismo.

Uma queda brusca dos níveis de sódio também pode causar a diminuição da pressão, confusão mental, letargia, anorexia, convulsões, coma, náuseas, vômitos, cãibras e fraqueza.

Outro item que carrega o estigma de vilão é o café. Porém, estudos demonstram que a associação entre o consumo de cafeína e os consequentes efeitos sobre arritmias atriais e ventriculares está relacionada à quantidade. Ou seja, em doses corretas, é possível que o café faça bem à saúde do coração, mas, em excesso, se torne prejudicial.

De acordo com a Sociedade Brasileira de Cardiologia, a cafeína pode ser consumida, desde que de forma moderada, mesmo por hipertensos. A recomendação é de até duas xícaras por dia, quantidade em que a bebida se torna aliada da saúde, inclusive na prevenção de doenças do coração. Suas substâncias antioxidantes inibem a ação nociva de radicais livres em relação às paredes das artérias e assim são capazes de preservar os vasos sanguíneos.

Exercício físico é fundamental, porém não precisa exagerar

A prática regular de exercícios contribui para o bem-estar físico e mental, auxilia no controle da obesidade, pressão e diabetes, redução do estresse, entre outros benefícios para a saúde cardiovascular. Porém, caso realizada de maneira excessiva, tem a chance de trazer problemas.

Se a prática acontece de forma exagerada, pode causar dificuldade para dormir ou distúrbios do sono e maus hábitos alimentares, especialmente quando há muita preocupação relacionada com a performance. O resultado é o possível aumento do ritmo cardíaco em repouso, desidratação, entre outros malefícios. Há ainda consequências como lesões, dor muscular, oscilações de humor ou irritabilidade, fadiga e cansaço, esgotamento e a necessidade de períodos de descanso mais longos.

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Não é preciso passar horas por dia na academia para proteger o coração. O total de 150 minutos por semana de atividades em intensidade aeróbica moderada ou 75 minutos semanais em intensidade aeróbica acentuada já tem um impacto positivo significante para a saúde.

A recomendação no caso das atividades que envolvem força é de, no mínimo, duas vezes por semana com intensidade moderada a acentuada. Tudo sempre com orientação profissional.

Qualquer pessoa que inicia um programa de exercícios deve ter cautela, principalmente em relação ao coração. Quando o órgão é exigido, reage de diversas formas. Se não estiver em boas condições, a experiência pode ter consequências negativas. Portanto, é fundamental a avaliação cardiológica e a liberação de um especialista, sobretudo para aqueles que possuem problemas cardíacos ou fatores de risco para tal.

O preço do exagero

Os desafios envolvem todas as áreas da nossa vida: trabalho, alimentação, atividades físicas, sono e até pensamentos! Excesso de pensamentos negativos e padrões tóxicos também exacerbam os níveis de estresse. Eles estimulam a produção de substâncias inflamatórias na circulação que comprometem a integridade dos vasos sanguíneos.

Pensamentos negativos em demasia estão associados com alterações na pressão arterial e na liberação de hormônios do estresse, como cortisol e adrenalina. Assim, se essas emoções agem de forma contínua, podem desencadear crises hipertensivas, arritmias ou infarto.

O corpo funciona como uma máquina. É perfeito quando todas as engrenagens estão em bom estado. Porém, à medida que passamos a forçar e exigir mais do que sua capacidade, vai começar a apresentar defeitos e até parar de vez.

Então antes que isso aconteça, faça uma revisão de como você anda lidando com os excessos no seu dia a dia, especialmente os que afetam diretamente a saúde cardiovascular.