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Paulo Chaccur

"Síndrome do coração festeiro": você está preparado para as festas?

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

22/12/2019 04h00

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O fim do ano chegou e com ele as confraternizações e festas de Natal e Ano-Novo. Época de celebrar, curtir a família, os amigos, viajar... E para muitos também sair da dieta, cometer extravagâncias no cardápio, beber com os amigos e se deliciar com os pratos e drinques das festas e ceias. O fato é que para algumas pessoas isso pode ser muito perigoso!

O excesso que geralmente ocorre nessa época do ano no consumo de álcool e na alimentação pode desenvolver ou agravar quadros de hipertensão arterial, arritmia cardíaca, infarto do miocárdio, AVC (acidente vascular cerebral), entre outros problemas cardiovasculares.

Estamos falando aqui da "síndrome do coração festeiro", termo criado em 1978 pelo pesquisador Philip Ettinger e sua equipe da CMDNJ-New Jersey Medical School (Estados Unidos).

Do que se trata?

Apesar de o nome nos remeter a algo positivo, a chamada "síndrome do coração festeiro" é na realidade um alerta para o aumento de problemas cardiovasculares no último mês do ano. A constatação de Ettinger foi que, após as celebrações e festividades que ocorrem em dezembro, a tendência era de um aumento na quantidade de pacientes que chegavam com complicações cardíacas ao médico ou até mesmo ao pronto-socorro por conta dos excessos cometidos. De modo geral, indivíduos aparentemente saudáveis passavam a apresentar um distúrbio agudo do ritmo cardíaco.

E as pesquisas sobre a síndrome não pararam por aí. Trinta e quatro anos depois, especialistas da Universidade de Coimbra (Portugal) fizeram uma revisão do estudo e concluíram que, efetivamente, o exagero no consumo de álcool pode desempenhar um papel importante no aparecimento de arritmias e outros distúrbios no sistema cardiovascular.

Um levantamento realizado em pacientes com problemas coronarianos por especialistas de universidades suecas --publicado no ano passado no The British Medical Journal--, constatou ainda que o dia do ano em que há mais internações por problemas no coração relacionados ao álcool é a véspera de Natal.

Quais são os riscos?

Álcool em grande quantidade! Isso porque a ingestão excessiva e em um período curto de tempo de bebidas alcoólicas pode provocar a aceleração do ritmo cardíaco, como no caso das celebrações de dezembro, em que há um aumento do consumo não só em quantidade, mas também na regularidade. Esse consumo exagerado pode estimular a liberação de adrenalina e noradrenalina, hormônios que provocam a arritmia cardíaca.

Para aqueles que têm diabetes ou pressão alta, uma descompensação causada pelo desequilíbrio alimentar e a ingestão abusiva de sal, gorduras, doces e bebidas alcoólicas pode desencadear ainda, além das arritmias, retenção hídrica, crise hipertensiva e até mesmo algo mais sério, como um infarto.

É importante observar que a maioria dos pacientes caracterizados com a síndrome são pessoas aparentemente saudáveis, sem histórico pessoal ou familiar de palpitações, evidências clínicas ou sintomas de doenças cardíacas.

Sintomas que podem indicar problema mais graves

O sintoma mais frequente, como já falamos, são as palpitações, ou seja, as modificações no ritmo das batidas do coração. Vale ressaltar, no entanto, que algumas arritmias cardíacas, como a fibrilação atrial (a arritmia mais frequente em pacientes acometidos pela síndrome), também podem ocorrer sem sintomas clínicos, dificultando o diagnóstico de alguns episódios da "síndrome do coração festeiro".

Porém, é importante estar atento. Batimentos cardíacos irregulares podem estar associados a complicações graves, incluindo insuficiência cardíaca e AVC, os quais podem resultar em morte se não forem tratados adequadamente. Por isso, caso a arritmia se estenda por horas e ainda venha acompanhada de outros sintomas, como tontura, dificuldade ao respirar, dor no peito e perda de consciência, é preciso procurar atendimento médico imediato.

Combinação perigosa

O cenário pode ser ainda pior quando o álcool vem acompanhado de um energético, bebida que contém cafeína (estimulante que age no sistema nervoso central) e taurina (aminoácido sintetizado no fígado e cérebro, que trabalha na regulação dos níveis de água e sais minerais do sangue). Quando misturados, o energético potencializa o risco de arritmia, uma vez que as substâncias de sua composição influenciam na irritação do músculo do coração, o miocárdio.

Para se ter ideia, algumas bebidas energéticas chegam a ter a quantidade de cafeína equivalente a seis xícaras de café. Outro agravante: de modo geral, a combinação permite também que o indivíduo tolere uma quantidade de álcool muito maior do que o normal.

E vale mais um alerta: até mesmo jovens podem ter uma doença cardíaca silenciosa, não diagnosticada nos exames de rotina, assintomáticas e que muitas vezes só se manifestam quando o coração é estimulado. E como nem sempre a arritmia dá sinais, aumenta o risco de evoluir para uma parada cardíaca e até mesmo uma morte súbita.

Os efeitos cardiovasculares do álcool

Vale esclarecer aqui que abuso de álcool é diferente de alcoolismo. Abusar é quando a pessoa bebe em grandes quantidades e tem problemas. No caso da "síndrome do coração festeiro" falamos exatamente de casos assim, quando há um consumo excessivo em um curto espaço de tempo e não de forma rotineira e por tempo prologando.

Para aqueles em que o álcool em grande quantidade faz parte do dia a dia, os prejuízos à saúde podem ser ainda maiores, favorecendo o surgimento ou agravamento de fatores de risco ao coração ou o desenvolvimento de doenças no sistema cardiovascular. Um exemplo disso é a hipertensão (com elevação principalmente da pressão sistólica). A bebida alcoólica acelera o metabolismo e aumenta a pressão arterial, fazendo a pessoa suar mais e perder sais minerais.

Podemos mencionar aqui também o surgimento das arritmias cardíacas crônicas (como a fibrilação atrial) e até o possível aumento do colesterol ruim (LDL) e redução de colesterol bom (HDL). Pessoas que consomem muito álcool apresentam ainda as paredes das artérias inchadas e com mais facilidade para o aparecimento da aterosclerose --o acúmulo de placas de gordura no interior das artérias que pode culminar em derrame e infarto. O consumo crônico de grandes quantidades de álcool também está associado à cardiomiopatia alcoólica, alteração que estimula a resistência vascular, diminuindo o índice cardíaco.

Além dessas complicações, a ingestão de bebidas alcoólicas favorece a liberação de dopamina no cérebro, hormônio neurotransmissor responsável pela regulação de outras substâncias que, por sua vez, controlam o sistema cardiovascular. Por fim, há o risco maior de morte cardíaca súbita, independentemente da presença de eventos cardíacos anteriores.

Na hora das ceias

O ponto de partida é diferenciar alimentos que podem contribuir para a saúde cardiovascular ou agravar quadros de doenças crônicas e fatores de risco ao coração. Por isso, entre as carnes, prefira as mais magras, como peixes ou o peru, que possui baixo teor de gordura, é fonte proteica e rico em vitaminas. Carnes de porco e carneiro podem ser consumidas, mas com moderação, já que contam com maior teor de gorduras saturadas.

Diabéticos e hipertensos, como sabem, devem ter atenção a ingestão de doces, sal e alimentos embutidos ricos em sódio. Para equilibrar o cardápio, a recomendação para todos é investir em frutas cítricas e vermelhas, castanhas e cereais integrais. E não esquecer: hidratação é fundamental! Consuma água mineral e de coco, sucos naturais, chás e frutas, como melão e melancia.

E no caso do álcool, embora o vinho e a cerveja sejam apontados em vários estudos como aliados do coração quando consumidos de forma controlada, é bom enfatizar que as vantagens estão atreladas sempre a um conjunto de hábitos. Os benefícios ocorrem dentro de um contexto saudável, como não fumar, manter um cardápio equilibrado e a prática regular de atividades físicas. Mas que fique claro: mesmo que tragam algum benefício, não recomendamos bebidas alcoólicas para aqueles que não a consomem --o que é mais saudável.

Por isso, a dica é: as doenças cardiovasculares não escolhem datas. Festeje, celebre e curta cada momento com a família e as pessoas que ama, mas evite extrapolar! Com consciência e moderação é possível aproveitar todas as delícias que as festas de final de ano nos proporcionam, no entanto, sem sustos!