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Nuno Cobra Jr

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Comer pão tornou-se um crime inafiançável

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Imagem: iStock

Colunista do VivaBem

17/02/2022 04h00

De um lado, vejo o depoimento recente do Carlinhos Brown, dizendo que só foi comer pão aos 12 anos e, mesmo assim, só nos fins de semana, devido à pobreza em que vivia.

Do outro lado, fico em choque com a revelação feita pelo David Beckham, dizendo que a sua esposa, Vitória, ex-spice girl, modelo de saúde e beleza durante várias décadas, come sempre a mesma coisa, há 25 anos: dia e noite, apenas legumes no vapor e um frango grelhado, todo santo dia.

O que choca é perceber que, embora isso revele uma forma de comer angustiada e, possivelmente, a forte evidência de um transtorno alimentar, ela deve ter absoluta certeza de que está cuidando da sua saúde.

Como costumo dizer: se é restritivo, não pode ser saudável. Como bem sabiam nossos ancestrais, até pouco tempo atrás, uma restrição alimentar radical não pode nos conduzir à saúde e à vitalidade corporal

Em uma época em que admiramos a magreza extrema e cultuamos a restrição alimentar, a ortorexia, entre outros transtornos alimentares, assumidos ou disfarçados, leva alguns influenciadores a seduzir milhões de seguidores nas redes sociais. Comece a reduzir radicalmente aquilo que você come, tire tudo aquilo que, potencialmente, pode fazer mal, tire o "glúteo" e, quando perceber, você pode estar com quase "nádegas" (me desculpe o trocadilho), desenvolvendo possíveis transtornos alimentares.

Ao contrário do que pregam os "xiitas da alimentação", comer de forma equilibrada e saudável deveria incluir a flexibilidade de tomar um sorvete de vez em quando, comer queijo amarelo, deliciar-se com diversos tipos de pães e tudo o mais. Em um universo psicológico em que tudo faz mal, o que realmente faz mal é se privar de viver, criando um estilo de vida restritivo e angustiado.

De uma vez por todas, açúcar e farinha branca não são venenos ao corpo, afinal não existe veneno sem dosagem. Coloque a frase a seguir em sua geladeira: o que faz mal é o excesso e os hábitos que você desenvolve!

O nosso corpo tem plena capacidade de absorver e neutralizar pequenas quantidades ocasionais desses produtos, sem riscos à sua saúde.

Conheço diversos veganos radicais que demonizam o açúcar, mas quando se distraem, comem doce de forma compulsiva, cedendo ao desejo irresistível gerado por aquilo que é proibido. Lembre-se, o desejo é como uma represa, se não existe uma mínima vazão, ela pode estourar!

Crendices populares

Estamos em pleno século 21 e muitas pessoas ainda acreditam em crendices populares que não fazem o menor sentido. Cada época preserva a sua ignorância particular, a nossa é feita de mitos oportunistas sobre supostos rituais saudáveis para se atingir um "corpo perfeito", o que pode conduzir a uma alimentação "limpa e perfeita".

Acreditar que algum alimento tenha, por si só, a capacidade de levar ao ganho de peso é como culpar a sua mão pelas escolhas alimentares que você faz.

Seria como dizer: a culpa não é minha! A minha mão coloca alimentos em minha boca, contra a minha vontade! Esse tipo de raciocínio é absurdo e sem sentido!

Com raríssimas exceções, nem 3% da população mundial, o ser humano está bem adaptado ao pão, já há alguns milênios. Ele foi extremamente importante para a sobrevivência da nossa espécie e ainda o é.

Inclusive, por ser um alimento simbólico, ele aparece com frequência nos textos mais sagrados. Trocaram a frase: "o pão nosso de cada dia nos daí hoje", por uma reza sem sentido: elimine o pão nosso de cada dia e passe fome!

A nossa mente é poderosa, assim que você acredita que algo faz mal, isso se torna uma realidade.

O ser humano é um animal extremamente influenciado pelos hábitos coletivos. Existem centenas de fatores mais determinantes no ganho de peso, mas você escolhe culpar o pão?

Sugiro parar de seguir os modismos e começar a pensar por conta própria.

Quando feito com qualidade e consumido com moderação, o pão pode ser um alimento extremamente saudável e nutritivo ao seu corpo.

O mito toma o lugar da verdade

Vivemos um tempo no qual o mito e a lenda tornam-se muito mais fortes que a verdade. Depois que o mito entra no inconsciente popular, de nada adianta os maiores estudiosos do assunto se manifestarem.

Por influência de matérias superficiais, modas rasteiras e pontos de vista radicais, parciais e unidimensionais, comer um pão francês ou consumir farinha branca tornou-se um crime inafiançável, algo extremamente proibitivo.

Como isso aconteceu ninguém sabe. Afinal, isso não faz o menor sentido para quem pensa a alimentação de uma forma mais profunda.

Os desequilíbrios orgânicos que vivemos decorrem de fatores físicos, mentais, emocionais e espirituais e estão associados ao estilo de vida que levamos, não a algum fator isolado.

Para o mercado, é interessante promover álibis superficiais ao centro da questão e escalar seus produtos. O mercado do "glúten free" movimenta bilhões de dólares anualmente.

Assim, de forma estratégica, começam a surgir teorias sobre o glúten que consumimos ser transgênico ou ser muito mais danoso atualmente do que no passado, transformando livros radicais e sensacionalistas em best-sellers e outros fenômenos da moda.

No entanto, basta uma rápida pesquisa para concluir que o trigo produzido aqui não é transgênico, e que a farinha nacional é fraca, entre 9% a 11% de proteínas, resultando em um nível baixo de glúten nos pães que consumimos.

Mas se a lenda justifica as nossas escolhas, quem se interessa em ir atrás da verdade?

O governo aprovou, em 2021, um projeto para produzir trigo transgênico no Brasil, o que gerou uma forte resistência entre os próprios produtores e a sociedade civil.

O "mistério da saúde" adverte: não é possível emagrecer de forma saudável sem atacar as causas profundas dessa questão. A palavra mistério, usada aqui, não é um erro de grafia, mas apenas uma brincadeira, a forma como nomeio alguns fenômenos inexplicáveis, o que já rendeu uma série de posts em meu Instagram.

"Precisamos, urgentemente, ressignificar o que seria ter uma alimentação saudável

O conceito atual distorce os princípios mais fundamentais, estimulando um comer angustiado, transtornado e extremamente restritivo.
Resumindo: saúde não combina com rigidez e com regras inflexíveis de "perfeição corporal".

É um paradoxo, se a busca de um corpo perfeito produziu um efeito colateral inesperado no treinamento físico, estimulando o sedentarismo, a busca da "alimentação perfeita" colaborou decisivamente no aumento vertiginoso da obesidade e dos transtornos alimentares.

Cuidar da saúde é muito mais simples do que você imagina. Estávamos melhor quando comer e se movimentar não eram desafios radicais, inatingíveis e extremamente complexos, gerando frustrações e efeitos colaterais indesejados.

Chegou a hora de rever o rumo, colaborando para a sanidade física e mental do aluno.