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Nuno Cobra Jr

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Segundo a ciência, ser pessimista é a melhor maneira de ser otimista

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Imagem: iStock

Nuno Cobra Jr.

Colunista de VivaBem

09/06/2022 04h00

Quando você é capaz de unir os extremos, ou seja, unir o polo negativo e o positivo, você se torna capaz de ser realista, uma vez que, na realidade profunda da vida, não existe separação entre os dois polos.

Sendo assim, ser otimista e pessimista, alternadamente, é a melhor maneira de estar alinhado e integrado ao fluxo da vida.

A alternância de humor e a mudança de estado mental, variando entre a tristeza e a melancolia, ou a alegria e a euforia, por exemplo, é algo natural ao ser humano. Só devemos nos preocupar quando o cérebro se fixa, de forma prolongada, em determinados sentimentos.

Transitar entre o pessimismo e o otimismo é um sinal de saúde mental. Nesse sentido, tanto ser um pessimista convicto, quanto um otimista histérico, significa ser incapaz de enxergar um lado complementar da sua existência, o que pode gerar desequilíbrios extremos à sua saúde, conforme explico mais à frente.

A indústria editorial, como é comum no mercado de consumo, tem faturado milhões de dólares nas últimas décadas vendendo livros e métodos descartáveis para consumo rápido.

No entanto, os maiores estudiosos da psicologia já cansaram de destacar que o espectro negativo da realidade atua como uma parte extremamente relevante, curativa e transformadora.

Ao contrário do que nos ensinam em best-sellers do mercado editorial, ser positivo não deve ser um esforço racional, mas, simplesmente, um resultado natural do nosso equilíbrio interno, uma liberação do fluxo corporal que nos integra novamente à energia vital do universo.

Você não precisa aprender coisas novas ou ler mais dicas de como cuidar da sua saúde ou ser mais positivo. Não precisamos aprender mais nada, precisamos transformar em prática, ou seja, em um caminho viável, sustentável, gradativo e equilibrado tudo aquilo que a nossa sabedoria corporal já sabe.

Na verdade, o que precisamos é desligar a mente regularmente e retornar à nossa casa primordial: o nosso próprio corpo.

O último positivista que eu conheci morreu de depressão

Há alguns anos, desenvolvi uma longa amizade com um senhor 20 anos mais velho do que eu, um ferrenho defensor do positivismo descartável.

Frequentemente, em nossos encontros no Parque Ibirapuera, em São Paulo, ele costumava destacar, de forma eufórica, os milagres e as maravilhas do pensamento positivo e de variados métodos positivistas.

Segundo sua teoria, era possível ensinar a mente a só pensar coisas belas e positivas, e, então, a partir desse aprendizado, um desafio difícil e extremamente complexo ao qual ele vinha se dedicando nos últimos anos, tudo estaria resolvido e a vida se tornaria finalmente um "comercial de margarina", no qual só caberia a felicidade e a alegria. Na verdade, caso isso fosse possível, esse mundo distópico iria se revelar um imenso pesadelo.

Para não dar mais spoiler sobre a trajetória desse homem histericamente positivo, deixo para contar essa história real e didática com mais detalhes na próxima coluna.

O que importa dizer aqui é que aprender a lidar com as dificuldades da vida, aceitando que não podemos controlar os fatores externos e, muitas vezes, nem mesmo os internos, já vem incluso no "pacote" da nossa existência. Inclusive, aprender a aceitar e lidar com variáveis externas e períodos extremos foi um fator determinante em nossa sobrevivência como espécie.

Como dizia a minha avó, Maria Amélia: "Não há mal que sempre dure, nem bem que nunca acabe".

Enxergar o mundo de forma dualista é uma prisão mental que emperra a evolução humana. O bem e o mal coexistem em tudo o que acontece em sua vida, mesmo que você não perceba. O que, a princípio, parece ruim pode dar um resultado bom e vice-versa.

Por exemplo, o mundo atual está próximo a um beco sem saída que nos levará ao esgotamento de todo o sistema. No entanto, esse caos destruidor pode funcionar como o fator de ruptura necessário para a mudança.

Resumindo: o suprassumo da saúde mental é ser capaz de ser pessimista e otimista ao mesmo tempo. Afinal, para qualquer lado que você olhar, verá a energia positiva e negativa coexistindo em perfeita interdependência e sintonia.

Por que o positivismo é uma teoria manca e frágil?

Desde o início do século 20, o positivismo seduz o imaginário popular, dando margem a milhares de pesquisas, livros e matérias sobre o assunto. Realmente, o pensamento positivo já está bem estabelecido como uma ferramenta poderosa.

No entanto, existem enormes distorções sobre o assunto e ainda é complexo ensinar alguém a ser mais positivo. A moda da psicologia positiva veio criar ainda mais confusão, afirmando que ser positivo é uma questão de força de vontade e disciplina, criando uma série de exercícios mentais diários, complicando bastante esse processo. Ela propõe soluções racionais e artificiais para algo que não é racional e depende de processos fisiológicos e naturais.

Para resumir o tema do positivismo descartável, existem dois pontos que gostaria de destacar:

1 - Achar que somos capazes de, racionalmente, controlar os nossos pensamentos e aquilo que sentimos é uma herança maligna de um racionalismo pobre e tacanha que remonta ao século 16.

Ao contrário do que se imaginava nas últimas décadas, ter uma visão mais otimista da vida não depende prioritariamente da força de vontade, da genética e de outros fatores exóticos. Conforme já ficou comprovado, a maior "fatia da pizza" que ilustra o gráfico do bem-estar e da saúde física e mental depende do nosso estilo de vida.

Ou seja, como é possível ao homem moderno ser mais positivo e feliz se o estilo de vida atual é um desastre? Viramos escravos de um sistema perverso que nos rouba vida e saúde.

Para citar apenas um fator, perder qualidade de sono de forma relevante, por apenas duas semanas, já inviabiliza qualquer possibilidade de encarar ou enxergar a nossa existência de uma forma positiva. Pois é, facilidades modernas como o streaming e o celular podem se tornar nossos maiores inimigos.

Para entender os mecanismos perversos desse sistema, veja a coluna que escrevi: A espécie humana 'evoluiu' para a estagnação física e mental.

2 - Não tem como encontrar paz e equilíbrio excluindo uma parte da vida e deixando de olhar de uma forma crítica e sincera para a sua própria sombra. Como bem coloca a filosofia oriental, a luz não pode existir sem a escuridão.

Como diziam os estoicos, viver é desenvolver a capacidade de encarar a adversidade e treinar a sua resiliência para lidar com encontros tristes e dolorosos. Na realidade, esses encontros dolorosos com a vida podem nos fortalecer e nos sensibilizar de tal forma que, ao final, sairemos ainda mais fortalecidos dessa experiência.

Ostra feliz não produz pérola

Desde a infância, somos moldados e definidos por cada golpe, trauma ou dificuldade que se apresenta. Em relação ao processo de criação artístico, o sofrimento e a dor podem empurrar o ser humano em direção à sublimação, criando coisas extremamente belas e profundas.

Os maiores gurus ou filósofos, pessoas que conseguiram enxergar o que o ser humano comum não pode enxergar, também são crias desse mesmo movimento de sensibilização estóica.

Por exemplo, vendo recentemente o Instagram do surfista Gabriel Medina, percebi que ele se tornou uma pessoa infinitamente mais humana e sensível ao sofrimento após a tragédia que o atingiu. Devemos respeitar imensamente um ser humano que se vê obrigado a mergulhar em seu próprio inferno e retornar à vida.

Resumindo: você não vai se tornar uma pessoa melhor negando a sua sombra e fingindo que ela não existe. Você só pode se tornar uma pessoa melhor ao encarar o lado escuro da sua existência e transcendê-lo.

Qual o sentido, então, de se esforçar tremendamente para viver uma vida manca e artificial, segundo os preceitos do positivismo descartável?

O próprio viver já é um aprendizado constante e inesgotável, a vida vai lhe apresentar sempre os mesmos problemas, até que você resolva encarar de frente as suas próprias limitações e seguir para o próximo nível de consciência, abandonando a prisão anterior, mantida, protegida e cultivada por você mesmo. Assim, a cada quebra na couraça dos condicionamentos que nos reveste, podemos ficar mais leves, sábios e resistentes.

Como acontece com o corpo, onde dói é onde precisa ser tratado.

Nesse sentido, passar a vida evitando processos vitais de autoconhecimento e se esforçando ao máximo para fugir da própria sombra, só irá agravar a situação, o que, consequentemente, só a fará crescer e voltar com ainda mais força, forçando-o a olhá-la de frente, por mais que você tente evitá-la.