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Nuno Cobra Jr

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Acelerar resultados tornou-se a forma mais tóxica e nociva de treinamento

Cuidado! O treino que promete entregar o "bumbum dos sonhos" pode virar um pesadelo e gerar lesões - iStock
Cuidado! O treino que promete entregar o "bumbum dos sonhos" pode virar um pesadelo e gerar lesões Imagem: iStock

Colunista de VivaBem

28/04/2022 04h00

Eu ia escrever essa coluna em tom de indignação, mas hoje em dia esse assunto me provoca uma profunda tristeza.

Recentemente, passeando pelo Instagram, vi o post de um treinador muito famoso, extremamente bem-sucedido, com muitos seguidores. O que ele prometia em seu marketing de venda era entregar às alunas o "bumbum dos sonhos".

Vejam só a que ponto pode chegar um profissional que, teoricamente, deveria vender saúde!

Na foto do post, a mesma pessoa, quer dizer, a mesma bunda, é retratada de duas formas: na primeira foto, aparece um bumbum normal e, na segunda, o "bumbum dos sonhos" --na verdade, um pesadelo assustador e irreal, um glúteo estranhamente empinado, algo surreal com um volume muscular bizarro.

O texto trata do assunto como se isso pudesse agradar a maioria das pessoas, e não somente alguém que seja obsessivo em treinar pesado e tenha a sua visão distorcida devido a muitos anos de maromba na academia.

Até aí, tudo bem! Cada um vende o que quer, e cada comprador entra na arapuca que lhe cabe, sem ter noção da dimensão desse buraco. Provavelmente, para a maioria das pessoas que comprarem esse produto, em vez de conquistar o "bumbum dos sonhos", o que irá sobrar dessa experiência não será algo positivo, mais próximo a uma hérnia de disco do que do "corpo perfeito".

Afinal, que loucura é essa que nós vivemos?

O nome dessa insanidade corporal é "pesadelo fitness", algo que se espalhou por todo o mundo, desfila pelos corpos sarados do BBB, sendo divulgado diariamente e obsessivamente em propagandas, revistas, TVs e outdoor, convocando as pessoas a fazerem todo tipo de excesso e loucura em nome de um corpo exageradamente magro e musculoso.

Quando eu leio duas palavras juntas, musa e fitness, sinto um arrepio no calcanhar. Esse personagem caricato tornou-se uma espécie de conselheiro fiel das dicas de treinamento para milhões de pessoas em todo o mundo, mesmo que não saiba sobre o que está falando. Atualmente, as maiores celebridades do treinamento físico são aventureiros, pessoas que não tem experiência ou formação significativa na área de treinamento. É ou não é surreal?

Para uma elite do treinamento que chega próximo a esse sonho —ou pesadelo, como quiser chamar, já que a perfeição não existe, e essa obsessão leva o indivíduo a sempre querer ficar mais musculoso—, o fim do caminho também levará a uma arapuca de dimensões ainda mais assustadoras, gerando lesões crônicas monumentais, hipertrofia do miocárdio, encurtamento dos músculos e tendões, atrofia dos testículos, arritmias cardíacas, morte súbita ainda jovem e tantas outras mazelas tão comuns aos bodybuilders (vulgo marombeiros) —como aconteceu recentemente com o famoso fisiculturista Cedric McMilla, que morreu aos 44 anos.

No entanto, por incrível que pareça, o marketing de venda estará seduzindo o aluno a buscar "saúde". Como assim, saúde, se a estratégia mais usada é acelerar os resultados, maltratar seu corpo e atingir a qualquer custo um padrão estético distorcido e irreal vendido pelo mercado?

Quando vamos sair desse buraco, desse vício perverso que tomou conta do treinamento físico, achando que a função primordial de uma atividade física é buscar o abdome tanquinho ou o bumbum dos sonhos?

Como costumo dizer, nós vivemos a era mais obscura da história do treinamento físico, aquilo que futuramente será conhecido como a "era das trevas", jogando no lixo a consciência corporal. Juntando a mentalidade do bodybuilding, o radicalismo das modas atuais e o consumo de anabolizantes, entre outros, o treinamento físico tornou-se um fator extremamente nocivo, prejudicando a saúde de dezenas de milhões de pessoas em todo o mundo, invertendo a sua função primordial.

Seguir o que está na moda, aquilo que todos fazem, é uma tendência do ser humano, por mais absurda que seja essa proposta. Se estiver na moda aumentar o comprimento do pescoço, tirar uma costela, fazer cirurgias radicais, ou aumentar a grossura dos lábios, é isso que as pessoas irão fazer.

Acelerar os resultados significa fazer algo que você não deveria fazer

Quem foi que inventou esta insensatez, fazendo você acreditar que acelerar o tempo do treinamento e pular etapas essenciais no processo de adaptação é preferível a seguir o tempo orgânico e natural, avançando com calma e tranquilidade, sem ansiedade, sem sofrimento e sem expectativas irreais?

Um número enorme de pessoas desiste do treinamento porque não conseguiram alcançar o resultado esperado. Outra porcentagem gigantesca desiste porque passa por um sofrimento absurdo tentando se adequar às modas do treinamento, desenvolvendo aversão ou ódio à atividade corporal.

No entanto, o marketing de treinamento continua a vender algo irreal e inalcançável para a imensa maioria das pessoas, prometendo o corpo dos sonhos no menor tempo possível, aconselhando o aluno a seguir métodos extremos, instantâneos e comerciais.

Chegamos ao esgotamento de um modelo, essa fórmula já caducou há mais de 10 anos, mas o pessoal segue no piloto automático. Quando os empresários do setor irão acordar?

Veja que círculo vicioso perverso e nocivo! Como se fosse possível e desejável mudar o corpo em poucos meses, cometendo todo tipo de exagero, lançando mão de exercícios que você não está preparado para fazer, o que vão gerar um custo alto mais tarde.

Curioso pensar que é muito fácil escapar de roubadas radicais no treinamento, basta evitar propostas que se iniciam com a seguintes palavras: acelerar os resultados ou acelerar a perda de peso. Para se aprofundar no assunto, veja o que escrevi na coluna "Para ter resultados duradouros, esqueça o gasto calórico do treino".

Quase todo mundo já tentou ir para a academia, inúmeras vezes, e acreditou ingenuamente nesse esquema, sem sucesso. No entanto, basta o marketing mudar levemente a roupagem e a promessa, que muitos caem nesse conto novamente. Qual a tolerância para repetir exatamente o mesmo erro antes de tomar consciência desse processo?

Alguém pode contar ao Fábio Porchat (que diz que ter raiva de fazer exercícios), que o treinamento físico pode ser um dos melhores momentos do dia e que os melhores profissionais da minha área não aprovam esse esquema cruel de treinamento? Alguém pode avisar ao público em geral que fitness não tem nada a ver com saúde?

As pessoas têm um bom motivo para odiar a atividade física, é surpreendente pensar que os pesquisadores ainda não tenham juntado os pontos dessa equação.

Em minha área de atuação, depois de 40 anos desse desastre conceitual, desse equívoco monumental, fitness já virou um termo pejorativo, algo depreciativo, quase um palavrão!

No mundo globalizado, nos entupimos de fast-food e consumimos o fast-training.

O fitness representa aquilo de mais pobre que existe no treinamento, é como aquelas raquetes de matar pernilongo, têm péssima qualidade, não duram nada, mas são um sucesso de venda, mesmo que aumentem terrivelmente o lixo do planeta.

Essa é a nossa sina. Somos iludidos por produtos de diversos cantos do mundo que não entregam o que prometem, inclusive os made in USA. Como se diria na língua de lá: Fitness is a big ilusion, a strange and bizarre collective delirium (fitness é uma grande ilusão, um estranho e bizarro delírio coletivo).

Quando vai acabar esse pesadelo?

Ps: caso tenha gostado do que leu, compartilhe a coluna com o seu treinador. Isso vai colaborar para mudar a mentalidade em nossa área e divulgar o Movimento Treinamento Consciente. Saiba mais em nunocobrajr.com.br/movimento/.