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Nuno Cobra Jr

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Vou cometer a heresia de falar sobre as mulheres

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Imagem: iStock

Colunista do VivaBem

25/03/2021 04h00

Não mate o informante!

O informante, no caso, é aquilo que sentimos, como você verá mais à frente. Se buscamos evoluir como espécie, por que é essencial acolher nossos sentimentos?

Algumas regras novas estabelecem que apenas os oprimidos têm legitimidade para falar sobre suas dores e lutas. O que acarreta uma grande perda, pois, como sabemos, o processo terapêutico depende de distanciamento emocional e neutralidade. Ou seja, de fora, somos capazes de enxergar e analisar uma questão com grande clareza e profundidade, revelando um ponto de vista complementar.

Do outro lado, velhos tabus estabelecem uma separação territorial entre os sexos, assim como duas tribos inimigas, em pé de guerra.
Romper esse acordo e adentrar no território inimigo significa desobedecer a essa regra e, dessa forma, correr o risco de ser atacado e massacrado por extremistas que habitam o outro lado.

Porém, encaro essa missão com tranquilidade, já que a incursão é pacífica e busca apenas colaborar com as mulheres, trazendo um ponto de vista honesto e amoroso.

Sou apaixonado pelas mulheres!

Todos que me conhecem sabem que sou um homem extremamente sensível. Antes que os selvagens do lado de cá gritem, agressivamente, "bichinha!", devo ressaltar que isso não fere a minha virilidade. Na realidade, isso se torna uma grande vantagem, pois me deixa mais preparado para entender e atender as necessidades femininas. De qualquer forma, devemos respeitar e acolher as escolhas de cada um, essa é a primeira lei de uma civilidade que não oprime a individualidade.

Sou extremamente seguro da minha masculinidade, ao contrário de muitos de nós que precisam se afirmar a todo instante para provar que são homens.

Deve ser o poder da atração, desde pequeno vivo cercado de mulheres, em parte uma influência da minha irmã mais velha.

Alguns dos meus mais preciosos vínculos afetivos se expressam através das minhas amigas e, atualmente, moro com a minha esposa, minhas duas filhas, mais a minha sogra e a minha mãe.

Além do mais, tenho pedigree para falar sobre o assunto, a minha tia-bisavó, Ercília Nogueira Cobra, foi uma das primeiras feministas brasileiras, e a minha tia, Zulaiê Cobra, atuou a vida toda em defesa da causa feminina, ajudando a criar a delegacia da mulher.

Não precisa ser muito inteligente para perceber que a mulher é um ser divino, a maior representante aqui na terra de qualidades essenciais à vida humana, como o amor e o acolhimento.

Talvez, quando as mulheres voltarem a assumir um poder de liderança, assim como as antigas rainhas, porém não como mulheres autoritárias e agressivas, mimetizando o atual papel dos homens, mas como mulheres amorosas, sábias e sensíveis, o mundo encontre o seu equilíbrio.

Aqui em casa, assim como a maioria dos homens, sou eu quem dou a última palavra: "Sim querida, como você quiser!"

Os sentimentos nos informam as causas escondidas por trás das nossas ações

Bom, depois dessa introdução, vamos, então, direto ao assunto que me traz aqui. No dia da mulher, já no distante 8 de março, observei, de longe, muitas mulheres convocando a própria classe feminina a se esforçar, no sentido de ser mais colaborativa e menos competitiva.

O problema é que, de forma geral, essa convocação não oferece as ferramentas mais importantes nesse sentido, ajudando a entender e acolher as próprias emoções. Afinal, ninguém resolve nada de forma racional e, como num passe de mágica, acorda diferente, de um dia para o outro.

Os racionalistas do século 19 inventaram essa piada, de forma estratégica, visando conter nossos piores impulsos, concebendo o ser humano como um animal racional. Se isso fosse verdade, o mundo não estaria esse caos.

Onde está esse racionalismo quando discutimos política, por exemplo, querendo exterminar o oponente, apenas porque ele pensa diferente de nós?

Na verdade, o ser humano é um animal um pouquinho racional, porém extremamente afetivo e emocional.

Sendo assim, sabe qual vai ser o efeito de uma convocação racional para essa mudança de atitude? Quase nenhum, praticamente um "tiro n'água."

Na verdade, essa convocação teria que lidar com o emocional feminino, afinal as emoções são os nossos informantes, nos comunicando o que está por trás das nossas ações, mas antes de explicar esse mecanismo misterioso, vamos fundamentar melhor essa questão.

As dualidades nos quebram ao meio

Como seres imperfeitos que somos, o primeiro ponto a se tratar implica em desconstruir as dualidades, um conceito antigo que nos ensina que devemos separar tudo em coisas boas ou ruins, fazendo um esforço danado para evitar essa última categoria.

No entanto, uma mulher pode ser extremamente competitiva e invejosa frente a uma situação e, logo em seguida, tornar-se muito colaborativa frente a uma outra situação. Afinal, os opostos não se excluem, mas sim, deveriam conviver em perfeito equilíbrio e harmonia.

Traduzindo: já somos perfeitos, em toda a nossa imperfeição, somos todos bons e maus, ao mesmo tempo. O mal não é uma entidade alheia, ele está dentro de cada um de nós, e isso se revela diariamente, em nossas ações, quando somos movidos pelo egoísmo, ódio, ganância, vaidade, arrogância, vingança, ou quando julgamos ou falamos mal de alguém, por exemplo.

O mal é um componente da nossa realidade imperfeitamente perfeita e só pode ser atenuado através do exercício prático do autoconhecimento e da auto-observação.

São os pares de opostos, assim como não pode haver luz sem escuridão, o bem não pode existir sem o mal. Coloque qualquer um de nós em uma situação extrema de violência e perigo e você verá do que o animal humano é capaz.

Quem ainda não entendeu isso está impedido de evoluir e amadurecer, permitindo-se olhar de frente para a sua própria sombra, aquilo que insistimos em esconder, por isso a projetamos em quem segue à nossa frente.

Essa é a maravilha desse mecanismo, desse espelhamento, aquilo que mais te irrita no outro lhe aponta claramente aquilo que você precisa mudar em si mesmo.

Na realidade, as mulheres já são extremamente colaborativas, costurando uma rede de relações, confidências e apoio que, nem em sonhos, pode fazer parte do universo masculino, já que somos mais fechados, individualistas, e somos ensinados, desde pequenos, a matar e esconder nossas fragilidades.

De forma geral, a nossa cultura não nos provém de habilidades, meios e recursos, que nos permitam expressar nossas principais dores emocionais e angústias, bem como de uma sensibilidade para acolher as angústias alheias, escondidas por detrás de uma fachada midiática e social.

Perceber que, no fim, todos comungamos das mesmas angústias e dores universais, relativas ao amadurecimento, à autoestima, à velhice e às dificuldades de se relacionar amorosamente, por exemplo, tem o poder de atenuar nosso isolamento, trazendo um alívio imenso ao nosso sofrimento.

"As tristezas secretas são ainda mais cruéis que as misérias públicas"
(Voltaire)

O que acontece quando ficamos cegos e surdos ao que sentimos?

O segundo ponto nos ensina que não existem sentimentos bons ou ruins, isso é apenas uma construção religiosa e cultural. Todo sentimento é legítimo e pode resultar em uma ação positiva ou negativa. Para complicar um pouco mais, aquilo de ruim que nos acontece pode ter efeitos positivos, nos convocando à mudança.

Competir pode ser necessário e benéfico, o amor pode construir ou destruir, e a agressividade pode ser uma reação legítima frente ao abuso. No caso de ter tomado o caminho errado, ou se manter em uma relação tóxica, desistir pode ser uma ação sensível e inteligente e persistir em seus objetivos, como nos ensinam os coachs motivacionais, a pior opção possível. Ou seja, em se tratando de sentimentos, está tudo embaralhado, gerando efeitos negativos e positivos ao mesmo tempo.

Chegamos, então, ao âmago da questão: para podermos mudar o comportamento é extremamente importante ouvir o informante e acolher aquilo que ele está lhe mostrando.

Por exemplo, se eu sinto inveja de alguém, isso me avisa que eu não tenho trabalhado a minha autoconfiança ou não me acostumei a valorizar minhas próprias qualidades.

Se eu tenho medo que roubem a minha namorada, isso me avisa que sou muito inseguro e possessivo.

No entanto, quando ficamos cegos e surdos às razões profundas que nos levam a sentir o que sentimos, matamos o informante e, consequentemente, as nossas ações podem ficar descontroladas, já que não somos capazes de acessar, identificar e entender a fonte do problema.

É assim que o ciumento obsessivo, incapaz de perceber que a fonte de tudo provém dele mesmo, projeta tudo no outro, investindo agressivamente sobre a parceira, culpando-a por provocar o seu descontrole. Ledo engano, a fonte de tudo é a sua própria insegurança.

Aqui está a chave da questão, o que sentimos é de nossa responsabilidade, não pode ser colocado na conta do outro. Só podemos evoluir, superar traumas ou mudar antigos condicionamentos quando acolhermos e aprofundarmos nossos próprios conflitos, angústias e questões pessoais.

As mulheres precisam se despir da autocobrança excessiva

Por fim, além de aniquilar ou amordaçar o informante, receio que essa convocação para as mulheres serem menos invejosas e competitivas produza um efeito colateral adverso, funcionando como mais uma exigência de perfeição.

As mulheres já estão esgotadas, gastando muita energia para se adequar a algumas dezenas de modelos de perfeição, seguindo obedientemente os padrões sociais de comportamento esperados de uma mulher moderna —comportamentos que, aliás, estão cada vez mais absurdos e exigentes, seguindo a loucura do mercado.

Elas já se cobram em excesso, como também são muito cobradas, se esforçam imensamente em se adequar a modelos insanos de perfeição corporal, em ser uma mãe perfeita, uma esposa perfeita, além de um profissional incrível e atuar em multitarefas, tudo ao mesmo tempo. O corpo e a mente não têm como aguentar essa agressão e brutalidade por um longo período.

Sabe qual é o caminho mais seguro para a depressão e a insatisfação? Adotar modelos exigentes e irreais de perfeição.

As mulheres precisam se despir de todas essas exigências opressoras, que elas mesmas internalizam, assumem para si e perpetuam e, dessa forma, poderem ser fiéis à sua própria identidade e ritmo interno, preservando sua sanidade, o que lhes permitirá seguir mais leves. Só assim pode haver liberdade.

A libertação feminina não depende apenas de lutas externas, ela depende principalmente de lutas internas, assim como todos nós.