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Nuno Cobra Jr

Em busca da integridade perdida

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Colunista do VivaBem

29/10/2020 04h00Atualizada em 29/10/2020 19h06

Só hoje serei pleno e irei em busca de equilíbrio físico, mental e emocional!

Plenitude e felicidade hoje, não amanhã!

Cheguei a uma conclusão interessante, podemos atingir nossa plenitude agora, hoje, seguindo uma estratégia comportamental adotada pelos AA (alcoólicos anônimos), colocando firmemente a intenção de trazer equilíbrio, pontos de respiro, qualidade de vida e sensatez à nossa rotina, um voto que deve ser renovado diariamente. Com isso, além de trazer sentido à nossa existência, combatendo o estresse, iremos ganhar mais produtividade e atacar, decisivamente, o sedentarismo e a obesidade, como explico mais à frente.

Fomos enganados! A plenitude não deveria ser uma idealização, uma fantasia, algo para ser alcançado em um tempo futuro. Na verdade, ela já está ao alcance da mão, basta acordar, ou seja, abandonar o mundo idealizado, um mundo manipulado e submetido aos valores do mercado, e adentrar no mundo real. E aqui surge o "pulo do gato": a busca do equilíbrio não é uma teoria e, sim, uma prática diária.

Muitas pessoas almejam ter uma vida harmoniosa, positiva e feliz, ao mesmo tempo em que abandonam tudo aquilo que dará suporte a essa meta: seu próprio equilíbrio orgânico, fisiológico e mental.

O autocuidado consciente funciona como um círculo virtuoso, quanto mais você se alimenta de rotinas restaurativas e vitalizantes, cuidando com carinho da base fundamental da vida: sono, movimento e alimentação, nessa ordem, mais energia, harmonia, produtividade e equilíbrio você tem.

Criar uma agenda pessoal de cuidados essenciais é o maior investimento que você pode fazer, nada lhe renderá tanto, afinal tudo depende do seu equilíbrio pessoal, como o trabalho, a família, os relacionamentos, entre outros. Na realidade, a sua vida externa é um reflexo desse equilíbrio interno.

Você não precisa chegar lá, você precisa chegar aqui!

Mas como explicar isso para os não iniciados? Como traduzir a epifania de viver inteiro, de corpo presente, de verdade, diariamente?
Ao dizer não iniciados, posso dar a entender que me coloco acima dos mortais, mas isso não é verdade, também estou em busca do meu equilíbrio, diariamente, apenas tenho tido acesso a informações privilegiadas vindas de mestres e pensadores, algo pelo qual me interesso e me dedico, todo dia, há várias décadas.

Posso ser extremamente sincero? Na verdade, ninguém nunca "chegou lá", porque não existe um lá para se chegar. Nem o mestre, nem o guru chegaram lá, todos estão sempre a caminho, lutando por seu próprio auto aprimoramento, um desafio constante, algo que não tem fim. Afinal, se tivesse fim, só nos sobraria a opção de nos sentar e dar por encerrada a nossa experiência de vida aqui na terra.

Aliás, a estratégia do "tapa buraco" é amplamente utilizada por grandes empresários, como funciona isso? Quando finalmente alcançam a tão sonhada "felicidade", a meta idealizada, logo eles inventam um outro objetivo para se fixar, tentando preencher o vazio de sua existência real.

Porém, às vezes, pode dar um revertério, foi o que aconteceu com um aluno meu, que ficou bilionário aos 40 anos. Após alcançar seus objetivos, ele ficou tão sem rumo, que passou os próximos 10 anos em profunda depressão. Até hoje, ele nunca mais se recuperou, ainda continua perdido, sem motivação. Como diz um antigo ditado: quando Deus quer nos castigar, ele realiza todos os nossos sonhos, aí, então, não nos sobrará mais nada para se buscar, podendo transformar nossos dias em algo esvaziado de sentido, um campo estéril, sem estímulos.

Mundo real

A questão é que é muito sedutor trocar o mundo real pelo mundo idealizado, afinal, fomos educados a vida toda nesse sentido, reforçando a todo instante a necessidade de sermos alguém, como se já não fossemos... Nos últimos séculos, esse modelo tem sido reforçado, de forma subliminar, diariamente, se fixando em nosso cérebro, como uma mancha difícil de se apagar.

Nesse modelo, a vida deve ser entendida como um grande sacrifício, algo penoso e doloroso que devemos nos submeter para, um dia, finalmente alcançarmos o sucesso, o reconhecimento, aquilo que nos é vendido como a felicidade suprema, a "cenoura na frente do coelho".

Não por uma coincidência, o treinamento físico segue esse mesmo raciocínio, algo doloroso e desagradável, almejando atingir aquilo que, na verdade, é inatingível: um corpo perfeito.

Nessa estratégia, cuidadosamente pensada para gerar insatisfação, a plenitude está sempre lá na frente, sempre inalcançável. Para ficarmos na mesma página em relação a esse assunto, sugiro ler um capítulo de meu primeiro livro chamado "Vida adiada". Nesse texto, analiso profundamente como a maioria de nós tem vivido, abdicando da vida pessoal em prol de um prêmio futuro.

Nesse ponto, chegamos ao âmago da questão: como podemos ser felizes, íntegros, inteiros, se algo sempre está faltando? Como ser feliz se não nos sentimos plenos e satisfeitos, independentemente dos fatores externos?

Satisfeitas as necessidades básicas, poderíamos optar por não associar a nossa felicidade interna aquilo que possuímos ou algo dependente de uma conquista futura. Afinal, quanto mais necessidades criamos, mais cresce a nossa insatisfação, complicando aquilo que poderia ser simples. No fim, essa equação não se fecha.

Plenitude, integridade e satisfação, hoje, não amanhã, pois, como bem sabemos, amanhã é um dia que pode nunca se materializar, de fato, afinal, a única coisa que realmente existe é o momento presente Na maioria dos casos, o prêmio futuro torna-se um amargo arrependimento, ao perceber que a sua vida real foi desperdiçada, "jogada pela janela", em prol de uma doce ilusão.

O que aconteceria se, finalmente, internalizássemos o fato de que na vida não existe um ponto de chegada, um lugar no qual, atingidos todos nossos objetivos, enfim nos sentiríamos plenos? O que aconteceria se descobríssemos que na vida só existe o caminho, uma jornada sem fim rumo ao desconhecido?

Planejar a vida pode ser um erro, afinal, caso chegue onde planejou chegar, você terá perdido toda a riqueza espalhada pelo caminho, riqueza essa que você não foi capaz de enxergar, uma vez que estava usando um "tapa olho de burro", mantendo-se fixo em seu caminho pré-estabelecido, sem olhar para o lado.

Uma reflexão necessária

Pois é, te convido agora a fazer uma reflexão sincera, olhando com coragem para a vida real que você leva em seu dia a dia, não aquela vida ideal que lhe foi prometida. Só a partir dessa reflexão você poderá dizer, realmente, se a sua vida é plena ou miserável, por mais sucesso e reconhecimento que você tenha alcançado.

O animal humano é o único ser vivo sobre a face da terra a artificializar e acelerar o ritmo da vida, algo que deveria seguir um fluxo orgânico e natural, sem pressa.

Nesse ponto, surge uma metáfora essencial para entendermos a obesidade, decifrando um complemento psíquico na construção do excesso de peso, um processo que é alimentado e construído, diariamente, por meio das suas escolhas e do seu estilo de vida.

O excesso de peso pode ser entendido como um "buraco na alma", um desequilíbrio gerado por um estilo de vida acelerado, gerando um estresse extremo, como também por um abandono da base fundamental da vida: sono, atividade física e alimentação. Todos esses pilares essenciais deveriam ser cuidados com moderação e qualidade, aquilo que, naturalmente, garantiria um equilíbrio necessário ao seu organismo, prevenindo esse processo intenso de descontrole e ansiedade.

Na verdade, a pessoa que engorda não está comendo a comida, ela está comendo as suas próprias angústias e a sua ansiedade crônica. Ou seja, quanto maior for o buraco existencial e o desequilíbrio sustentado, maior será a compulsão alimentar, gerando um mecanismo compensatório às angústias, às tensões e ao enorme desprazer vividos diariamente. Afinal, a gente tem que buscar algum prazer em viver, porém quando este prazer está ausente em nosso dia a dia, ele pode ser deslocado para outras formas de compensações imediatas, como álcool, drogas ou comida.

Na maioria dos casos, o excesso de peso é um efeito colateral da manutenção prolongada de quadros de estresse crônico, fruto direto de um estilo de vida moderno. Ou seja, sem reestabelecer o equilíbrio físico e mental perdido, desligando esse processo que foi cronificado, adotar estratégias superficiais e isoladas, como dietas radicais ou exercício físico, torna-se inócuo e extremamente ineficiente. E aqui chegamos a uma conclusão essencial: não se pode combater uma questão multifatorial e complexa como a obesidade, de forma isolada, sem uma abordagem transdisciplinar e integrativa desse processo.

Há 36 anos trabalhando com mudanças de hábito, sedentarismo e obesidade, posso ser categórico em afirmar: as chances de você conseguir superar condições de excesso de peso são mínimas, caso não se olhe para os diversos fatores contidos nesse sistema.

É incrível ver que a ignorância ainda é enorme, muitas pessoas acham que basta procurar uma nutricionista, fazer uma redução calórica e emagrecer, como num passe de mágica, no entanto isso falha em 95% dos casos, conforme já está cientificamente comprovado.

Quando vejo algum profissional do treinamento ou qualquer outro setor da saúde prometer uma fórmula rápida e milagrosa de emagrecimento, fico chocado, uma vez que essa abordagem teria que ser lenta e profunda, abrangendo diversos setores, de forma interativa, como psicólogos, terapeutas comportamentais e outros. O sistema de saúde conta com grandes centros integrativos e multidisciplinares de atendimento, como o Ambulim, no hospital das clínicas em São Paulo.

Lembre-se, o comer consciente e equilibrado só irá funcionar no longo prazo, definitivamente, caso você realmente mexa em seus hábitos diários de uma forma equilibrada, sem exagero. Só assim ele se tornará sustentável e efetivo. Afinal, comer é algo que você terá que fazer a vida inteira, enquanto estiver vivo. O que você prefere, atacar de frente essa questão ou passar a vida refém do efeito sanfona, preso a dietas restritivas e cruéis que, além de não funcionar, podem durar a vida inteira?

Mudar hábitos é fácil? Não, mas a outra opção é infinitamente pior.