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Jairo Bouer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que a gente precisa voltar a falar sobre suicídio entre jovens?

Getty Images/EyeEm
Imagem: Getty Images/EyeEm

Colunista do UOL

07/05/2022 10h44

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A família da atriz Kailia Posey, 16 anos, confirmou ao site americano TMZ que a causa da sua morte, ocorrida na última semana, foi suicídio, o que reforça a importância de a gente voltar a abordar esse tema tão sensível entre os jovens.

O comunicado afirma que "embora ela fosse uma adolescente talentosa com um futuro brilhante pela frente, infelizmente, em um momento impetuoso, ela tomou a decisão precipitada de acabar com sua vida terrena".

A questão do suicídio precisa ser discutida. Ele é um fenômeno complexo, multifatorial. Junta questões da história pessoal (genética, estrutura familiar) com gatilhos e desencadeantes atuais. Muita gente, em alguma fase da vida, pode ficar mais vulnerável do ponto de vista emocional.

Crises, separações, rupturas, mudanças abruptas, perdas, lutos, tristezas, decepções, violências, exclusões, exposição, humilhações, todas essas experiências podem contribuir para o agravamento da saúde mental e aumentar o risco de a pessoa querer acabar com própria existência. Ninguém está imune, nem mesmo pessoas talentosas com um futuro brilhante pela frente.

Sucesso e risco

Aliás, fama, talento, poder, sucesso e reconhecimento podem, em momentos de maior vulnerabilidade, tornar a pessoa ainda mais fragilizada. Ela pode se sentir pressionada a atender a demandas e expectativas sobre sua vida e carreira, e essas cobranças incessantes podem ser um peso adicional para quem não está bem.

Adolescentes e mulheres jovens, como Kailia, fazem parte de um dos grupos mais vulneráveis aos fenômenos de automutilação e suicídio. Para a OMS (Organização Mundial da Saúde), o suicídio segue como umas das principais causas de morte na faixa dos 15 aos 29 anos.

Segundo a OMS, são mais de 700 mil mortes por suicídio anualmente, o que reforça a importância de a questão ser considerada um problema de saúde pública. A maioria das pessoas (80% a 90%) que comete suicídio enfrenta algum transtorno de saúde mental, sendo a depressão o mais comum deles.

Doença afetiva bipolar, esquizofrenia e dependência de álcool e de outras substâncias também estão entre os transtornos mais associados ao suicídio.

No Brasil, no intervalo de 2010 para 2019, houve um aumento importante das taxas de suicídio (43%) em todas as faixas etárias, principalmente entre adolescentes. Em 2010, foram 606 casos (3,5 mortes por 100 mil habitantes). Em 2019, o número saltou para 1022 óbitos (6,4 suicídios para cada 100 mil adolescentes). Isso tudo antes da pandemia!

Imediatismo e baixa tolerância à frustração

O uso maciço das redes sociais pelos jovens com maior exposição e risco de invasão de privacidade, além de cyberbullying e níveis elevados de estresse têm sido associados ao desenvolvimento de transtornos mentais e, como consequência, a um maior risco de suicídio.

O nativo digital pode enfrentar ainda maior dificuldade no desenvolvimento de habilidades sociais e na formação de redes reais de apoio (fenômeno que pode ter se intensificado com a pandemia). Assim, diante de uma adversidade, ao buscar respostas e soluções mais imediatas, com pouca experiência e baixa tolerância à frustração, ele pode lidar mal e sozinho com as dificuldades. Como resultado, maior risco de depressão, ansiedade, autoagressão e suicídio.

Tristeza, falta de perspectiva, desesperança, ansiedade, cobranças, comparações excessivas, modelos e padrões idealizados de comportamento e de aparência, além das questões de autoestima da adolescência, têm uma relação direta com maior chance de adoecimento psíquico.

Uma história pessoal de violências, abusos, negligência, preconceitos, discriminação e falta de suporte parecem reforçar esses riscos. Grupos como migrantes, população LGBTQIA+, povos indígenas e outras minorias jovens são ainda mais vulneráveis.

Ok não estar bem

Reconhecer que não se está bem e se reservar o direito, o tempo e o espaço para se cuidar não é tarefa fácil nem comum, menos ainda no meio do show business. Recentemente, por exemplo, atletas famosos como a ginasta olímpica norte-americana Simone Biles e o surfista Gabriel Medina admitiram publicamente que precisavam de um tempo para cuidar da sua saúde mental, o que pode ser um sinalizador importante para o grande público, que todos nós precisamos ficar atentos a como estamos nos sentindo e buscar ajuda quando necessário.

A maior parte dos casos de suicídio pode ser evitado e por isso é tão importante falar sobre esse tema. Ao invés de estigmatizar o assunto e cercá-lo de tabus e interdições, discutir essa questão às claras e com responsabilidade pode salvar milhões de vidas.

Ensinar o jovem (em casa e na escola) a perceber como ele está e falar sobre suas emoções, reduzir os preconceitos que cercam nossa saúde mental, desglamourizar a questão do suicídio (para evitar comportamentos de imitação), mostrar a importância de dividir dores e sofrimentos psíquicos com nossas redes de apoio, dificultar o alcance do jovem a armas, remédios e pesticidas e ampliar, facilitar e garantir o acesso dos adolescentes aos serviços de saúde mental são algumas das possibilidades dessa estratégia mais ampla de prevenção ao suicídio. E você, consegue falar sobre esse tema em casa?

Procure ajuda

Caso você tenha pensamentos suicidas, procure ajuda no CVV e os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade. O CVV funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil.