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Cristiane Segatto

Amor de irmão: com câncer agressivo, Vânia foi salva pela medula de Renato

Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Colunista do VivaBem

21/10/2020 04h00

"Hoje sou meu irmão aos 2 anos", diz a publicitária Vânia Valfogo Akagi. É assim que ela, aos 34, tenta explicar o comportamento de seu sistema imunológico desde que foi salva pela medula doada por Renato, um de seus três irmãos, no final de 2018.

Sobrevivente de uma forma agressiva de linfoma de Hodgkin (câncer no sistema linfático), Vânia não descuida do calendário de imunizações. "Ao receber uma nova medula, perdi a imunidade conferida pelas vacinas que tomei ao longo da vida. Tudo precisa ser refeito".

Como quem ganha a preciosa chance de voltar no tempo, zerar o cronômetro e recomeçar, Vânia valoriza ainda mais os vínculos familiares que a ajudaram a encarar o longo e difícil tratamento. Foram necessários cerca de 200 dias de internação no Hospital 9 de Julho, em São Paulo.

O marido dela, Leonardo, os pais, os irmãos, os sobrinhos, o cachorro... Todos participaram ativamente de sua recuperação. Bem de perto ou à distância (no caso do pet). Coube a Renato fazer pela irmã o que todos os parentes próximos gostariam de ter feito por ela.

Vania - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Renato no momento da coleta das células-tronco que salvaram a irmã
Imagem: Arquivo pessoal

O chá revelação

Os três irmãos (Alexandre, Renato e Susana) se ofereceram para doar a medula a Vânia. Por sorte, os exames revelaram que todos tinham compatibilidade necessária para realizar o transplante, mas um deles era o candidato ideal.

Festeira como toda a família, ela decidiu organizar um chá revelação (como os encontros em que se anuncia o sexo dos bebês durante a gestação) para contar quem havia sido escolhido pelos médicos.

"Aproveitei o intervalo em que estava fora do hospital e fiz um churrascão, com bexigas e tudo o que tinha direito", afirma. Três balões pretos cheios de confete, cada um com a inicial do nome dos irmãos, foram estourados para revelar a surpresa: Renato ajudaria a salvar a irmã.

Antes do resultado dos exames de compatibilidade, Vânia já sentia que o doador seria ele. "Desde a infância, Renato era o mais próximo. Era ele quem me acolhia, quem se preocupava com as minhas notas e para quem eu pedia proteção quando tinha pesadelo", diz. No momento mais frágil da vida, Vânia sabia que Renato não soltaria de sua mão.

Vania - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
No Natal, a festa para comemorar a "pega" da medula doada pelo irmão de Vânia
Imagem: Arquivo pessoal

A descoberta da doença

Oito meses depois do casamento com o analista de TI Leonardo Valfogo Akagi, Vânia começou a sentir uma intensa coceira no corpo. Foi no início de 2017, mas as marcas persistem.

Como ela organizou todos os detalhes da festa, os médicos colocavam a coceira na conta do stress pós-casamento. Vânia voltava para casa com prescrição de antialérgicos que só mascaravam o diagnóstico correto.

No último dia de março daquele ano, ela acordou com febre alta, dor de cabeça e nas costas e muita tosse. Como parecia pneumonia, ela foi ao pronto-socorro. Oito horas depois de ter atravessado aquela porta sozinha, ela descobriria, ali mesmo, que era câncer.

O exame de raios-X e a tomografia não deixavam dúvida: a massa de 12 centímetros no tórax era um linfoma no mediastino. Vânia só voltou para casa depois de 15 dias, com a primeira quimioterapia tomada e um cateter implantado no tórax.

"Chorei tudo o que tinha que chorar na noite da internação, com o meu marido do lado", diz Vânia. "Como sou extremamente otimista, da turma que sempre vai olhar o copo meio cheio, quando amanheceu eu pensei que a guerra tinha começado e eu ia buscar minhas armas". Com a doença em estado avançado, muitas delas seriam necessárias.

O tratamento

Doze ciclos de quimioterapia não foram suficientes para debelar o câncer. Nem sessões de radioterapia. Além do mediastino, ele já havia comprometido a medula. O passo seguinte seria o transplante autólogo (feito com células-tronco removidas dela mesma antes da quimioterapia).

Alguns dias depois do procedimento, Vânia festejou "a pega" da medula - com direito a festa organizada pelos funcionários do hospital. O que acontece no transplante lembra a semente de feijão que colocamos em um vasinho em casa. Depois de umas duas semanas, surgem os primeiros brotos.

"Quando é feito o transplante e a contagem de leucócitos (glóbulos brancos) fica acima de 500 por dois dias consecutivos, concluímos que houve a pega medular. Ela indica a renovação da medula", diz o médico Celso Massumoto, coordenador do setor de transplantes de medula óssea do Hospital 9 de Julho, em São Paulo.

A qualidade e a segurança do programa de transplantes de medula óssea do hospital são atestadas pela Joint Commission International (JCI), o mais importante órgão certificador de instituições de saúde no mundo.

Apesar da festa, a doença, bastante agressiva, voltou algum tempo depois.

Vânia - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Vânia (à direita, sem cabelos), logo depois do primeiro transplante
Imagem: Arquivo pessoal

Quase incurável

Os médicos tentaram a imunoterapia, com uma droga nova. Funcionou por poucos meses. "Jovem e com uma doença quase incurável, Vânia estava em uma situação muito difícil", diz Massumoto.

Sem tempo a perder, os médicos sugeriram tentar o transplante com células-tronco extraídas de um doador (transplante alogênico) - em geral, um irmão com uma composição genética semelhante a do paciente.

E, assim, Renato ajudou a salvar a irmã. "A pega" da medula doada por ele ocorreu no dia de Natal de 2018. Debilitada, Vânia ficou triste por não receber alta para passar o Ano Novo em casa.

Vânia - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Vânia com Renato. Segundo ela, o irmão a protegia desde a infância
Imagem: Arquivo pessoal

"Não sorri 100% do tempo"

Não demorou até que a família encontrasse um jeito de comemorar. Da janela do hospital, Vânia viu o grupo celebrando à tarde em plena Avenida 9 de Julho. "Mandaram fazer uma faixa, encheram o carro de gente e trouxeram até o cachorro. Meu pai estourou champanhe e molhou um motoqueiro. Foram 20 minutos de uma energia que me resgatou e comoveu todo mundo", diz.

Desde o transplante realizado com a medula de Renato, há quase dois anos, os sucessivos exames trazem boas notícias. "Nunca mais a doença voltou. É o que chamamos de remissão completa. Vânia está trabalhando e levando uma vida normal", diz Massumoto.

O apoio que recebeu de todos os lados foi fundamental. O marido passou todas as noites com ela no hospital. A Rádio Capital, onde Vânia trabalha, concedeu um upgrade no plano de saúde, custeou parte do tratamento e permitiu que ela trabalhasse de casa, quando necessário.

"Devo a muita gente o fato de estar viva. A Rádio Capital está nessa lista", diz ela. "Não sorri 100% do tempo. Senti dor e medo. Vomitei, perdi os cabelos, o olfato, o paladar e a libido, mas sempre pensei que iria enfrentar isso tudo tentando evitar os traumas", afirma.

Nos piores e nos melhores momentos, não faltou amor.

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