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Taise Spolti

O tour das calorias: afinal, elas servem para quê?

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Imagem: Getty Images

Colunista do UOL

23/05/2021 04h00

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Toda vez que eu falo sobre condutas alimentares no meu Instagram ou, então, como é meu trabalho com as consultorias, surgem as mesmas dúvidas:

- Para que servem as calorias?

- Por que eu não uso?

- Por que são inúteis quando falamos em emagrecimento ou equilíbrio nutricional?

Na semana passada, eu respondi essas perguntas em uma sequência de stories e deu uma repercussão positiva, na qual muitas pessoas relataram que, definitivamente, as contagens de calorias nunca haviam funcionado com elas e com seus respectivos profissionais. Decidi esclarecer aqui.

Primeiro, a caloria não é uma unidade de medida correta. O termo deveria ser quilocalorias, que se refere ao calor gerado na massa que está sendo ingerida por grama ou quilograma, e esse calor é o resultado da energia gerada e também consumida pelo metabolismo.

Quando comemos, o corpo também precisa trabalhar. E entre o trabalho metabólico para digerir e metabolizar aquele alimento e o tanto de comida que estamos ingerindo resulta a 'energia'. Pense assim:

Você ingere um alimento, ele tem 40 g, independente de nutrientes, apenas pense na quantidade. Quando você começa a mastigar, o corpo vai trabalhar para produção de enzimas, mastigação, fluidos, ácidos, carregamento, digestão... Tudo isso para conseguir concluir a digestão dos 40 g que você consumiu.

Para que isso tudo acontecesse, o seu corpo precisou de energia, retirada de onde já tinha reservado — chamamos isso de moeda de troca. Para comer, você também gastou energia, gerou calor. Afinal, qualquer atividade dentro do nosso corpo gera energia e gera calor.

Ao final disso, pode ser que você tenha gasto mais energia em forma de calor do que a própria ingestão. A lógica é simples: você gera energia para poder consumir energia.

Cada tipo de nutriente vai gerar uma energia aproximada, por isso, dizemos que gorduras têm mais 'calorias' que carboidratos e proteínas, por exemplo. Seria muito simples se nosso organismo dependesse apenas disso. Come pouco energia e gasta bastante energia, fazendo o que conhecemos como 'deficit calórico'.

Antes de eu esclarecer o motivo de não ser tão simples assim, quero explicar outra situação do organismo: a adaptação metabólica.

Como o próprio nome diz, é uma adaptação do metabolismo que busca regular o organismo às alterações constantes que estão acontecendo. Um dos achados da ciência é justamente a adaptação metabólica à restrição energética fazendo com que o corpo se adapte de diversas formas para conseguir reduzir o gasto energético total dele e, então, dar conta daquele baixo consumo de energia.

O corpo vai reduzir atividades antes realizadas por ele de forma excelente para que o consumo de comida seja o suficiente para dar conta de tudo. Nessa adaptação entram as atividades hormonais, a defesa do organismo, a restauração de danos, a cicatrização, a produção de enzimas e de antioxidantes, realização de detoxificação natural pelo fígado e tantas outras atividades excelentes que te mantém vivo, como o próprio bater do coração, que é um músculo.

Até o corpo se adaptar a isso, ele vai reduzir essas atividades metabólicas, e isso causa o que vemos em muitas pessoas que estão em dietas restritivas de calorias: ficam letárgicos, apáticos, fracos, lentos, com sono, cansados, com perda de cabelo, flacidez (o corpo usa a proteína para gerar energia além de não realizar renovação celular com excelência, pois já não é mais prioridade), doentes com frequência (imunidade enfraquecida), mãos e pés gelados, olheiras.

E quando somado a isso ainda estimulamos a pessoa a realizar atividades extenuantes, causamos maiores danos ainda, o que gera a impressão de que realmente ela esteja emagrecendo, quando na verdade a perda de peso se dá pelo menor acumulo proteico nos músculos, perda do glicogênio muscular — causando a flacidez que conhecemos, perda de água e resíduos e, muitas vezes, mantendo os níveis de gordura corporal ainda altos.

Isso não é emagrecer, isso é perder peso, mas não necessariamente é saudável, pois perda de músculos e diminuição de respostas metabólicas excelentes nunca será saudável.

Quando fazemos as restrições pensando apenas em reduzir o consumo de calorias (energia), o que então vai acontecer? Adaptação. O corpo adapta-se, reduz suas atividades metabólicas até se encaixar novamente no novo padrão de consumo energético, e isso é o que você já ouviu falar como TMB, ou seja, Taxa Metabólica Basal, e agora você já deve ter entendido a mensagem: ele vai ficar LENTO!

Então tudo aquilo que você já leu ou escutou sobre como 'acelerar o metabolismo' cai por terra. O corpo sempre vai se adaptar, ele nasceu para lutar pelo equilibrio, e isso pode não acontecer em situações extremas como patologias, erros inatos, e desequilíbrios hormonais quando abusamos de agentes externos (medicamentos, drogas, hormônios sintéticos...).

Então, agora você deve estar assim: 'Taise, entendi o que você explicou, mas conheço fulano que fechou a boca e fez exercícios e emagreceu', ou 'a bariátrica funciona por que reduzimos o estômago, a pessoa come menos e, então, perde peso', 'se você está dizendo que calorias não funcionam e que não adianta comer menos, como que então a gente emagrece?'. Vou responder:

Bariátricas funcionam pelos casos extremos, na qual o indivíduo realmente precisa perder peso (e lembrem-se do conceito que expliquei ali em cima sobre emagrecimento e perder peso), e essa perda de peso vai salvar a vida dele, afinal a obesidade mórbida se tornou um risco a sua saúde.

A bariátrica é uma conduta médica para o extremo, mas obviamente sabemos que para alguns casos ela é má orientada visando apenas uma estética, e sobre isso, não falaremos pois envolve ética profissional.

Com o passar do tempo, as mesmas adaptações acontecem, e quem já fez ou conhece algum bariátrico sabe: vai ter flacidez, fraqueza muscular, distúrbios de sono, humor, imunidade baixa. Essas adaptações vão ocorrer com o tempo paralelo a perda de peso, que chegará em um platô após um tempo.

Por isso é tão importante o acompanhamento pois poderá ocorrer reganho de peso, onde tanto o comportamento do indivíduo como o próprio metabolismo farão a busca pelos antigos hábitos a fim de recuperar o peso perdido.

Para quem já fez dietas restritas e deu certo, vamos pensar aqui: deu certo por quanto tempo? Teve reganho de peso depois (eu se que sim)? Teve efeito sanfona? Teve perda de peso e logo após foi super difícil perder (estagnou a balança)? Sentiu que, com o passar dos anos, e das dietas sempre milagrosas, ficou cada vez mais difícil perder peso?

Se você respondeu sim, isso afirma o que falamos anteriormente e só mostra o que a ciência já sabe.

Quando vemos casos específicos de pessoas que fizeram essas condutas, de comer menos e 'gastar mais' e que se mantém até hoje com essa grande mudança, vamos também analisar que após algum período nessa conduta, estratégias tiveram que ser aplicadas — como o jejum, utilização de proteínas em pó, fracionamento do consumo alimentar, entre outras.

E aqui sim está o correto: estratégias para fazer com que o metabolismo não entre em adaptação constante, e isso se dá através de estratégias alimentares, volume de treino, organização semanal da rotina junto aos profissionais da educação física e do nutricionista para que todos os estímulos sejam eficientes pelos períodos em que farão resultados — e, próximo ao efeito platô, realizar novamente uma intervenção.

Com anos de estratégias, ajustes, reeducação e então transformar tudo em de fato um estilo de vida sustentável e eficaz, podemos dizer que tal indivíduo mudou realmente de comportamento, hábitos e que aquele somatório de estratégias funcionaram para ele.

Lembre-se então de todo o passo a passo fisiológico e metabólico que e te ensinei nessa matéria, e que é o que venho aplicando durante anos nos meus alunos na academia ou nas consultorias individuais:

Não é a restrição que vai funcionar, não é o jejum, não é treinar absurdamente e comer pouco. Não se trata de imediatismo ou de efeito a curto prazo, mas sim de ajustes de consumo para buscar o desequilíbrio e, assim, fazer adaptações metabólicas positivas em cada indivíduo, como otimizar a oxidação de gordura corporal para gerar energia, aumentar volume muscular e depósito de proteína, melhorar resposta imunológica e manter o metabolismo a todo vapor em níveis excelentes de atividade.

Além de saudável para o corpo é mais saudável para o mental e emocional.

Por fim, deixa eu reiterar que para fins patológicos como na terapia nutricional em diversos tratamentos de doenças, as quilocalorias são mais do que eficientes. Mas vejam bem: em patologias, para a vida de uma pessoa, para qualidade de vida. Jamais para fins estéticos colocando o corpo à prova causando danos emocionais e físicos.

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