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A tecnologia se tornou mais do que nosso cupido: ela também segura vela e é mensageira de nossos romances

Natália Eiras de Universa Fernanda Peralta

Um grupo de amigas solteiras está no bar, mas em vez de trocar olhares com as pessoas da mesa ao lado, elas estão vidradas nos aplicativos de paquera. No balcão, um casal discute porque ele deu like nas fotos de uma colega de trabalho. Um jovem briga com o namorado porque ele não vê seus stories no Instagram. Uma mulher reclama com a amiga que a ex-namorada tem publicado várias fotos em baladas uma semana depois do término.

Você já deve ter participado ou presenciado uma DR do tipo. Essas situações são comuns, mas eram impensáveis, segundo especialistas, até por volta de 2012. Há seis anos, os celulares inteligentes se popularizaram e colocaram em nossas mãos aplicativos como o Tinder e Happn. No Brasil, um terço dos encontros amorosos acontecem por meio de serviços digitais. Por dia, o Tinder tem 26 milhões de matches no mundo todo e 1 bilhão de "deslizadas" para o lado. A tecnologia, porém, não é mais só um cupido: ela também segura vela, é mensageiro e pode causar término de nossos romances.

Zygmunt Bauman falou, em 2004, que os relacionamentos estavam se tornando líquidos, efêmeros e frágeis diante da rapidez das transformações da sociedade em que vivemos. As redes sociais, o WhatsApp e os aplicativos de namoro entraram nessa poção do amor e transformaram, mais uma vez, a forma que vivemos nossas paixões. E a música pop já captou a mensagem e trabalha o tema em suas canções, que espalhamos por aqui.

Dar like é demonstrar interesse? Trocar nudes é traição? Ser camgirl é prostituição? Assumir alguém não é apresentar para os pais ou andar de mãos dadas no shopping, mas publicar uma foto no Instagram? "A gente está traduzindo o mundo e inventando novas linguagens do amor", diz o psicanalista Christian Dunker, autor do livro "Reinventando a Intimidade". "São conceitos que a gente no começo não percebe e com os quais ainda estamos aprendendo a lidar."

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Cupido com GPS

Uma pesquisa dos anos 1980 mostrava que os indivíduos acabariam se casando com pessoas que morassem a até cinco quarteirões de sua casa. "Você ficava com quem convivia. Era uma confusão, mas refletia uma vida de que a gente encontrava os nossos amores na escola, no trabalho, no ponto de encontro da cidade", afirma Dunker. Esse levantamento já não faz mais sentido. A internet possibilitou que criássemos laços com pessoas do outro lado do mundo. "É o amor fora dos condomínios."

Isso não é exatamento novo. No começo dos anos 2000, as pessoas se conheciam pelo mIRC, Bate-Papo UOL e fóruns de discussão. Algo meio Megg Ryan e Tom Hanks em "Mensagem para Você". Mas, até então, a gente não botava fé que relações criadas à base de sistemas binários poderiam realmente ir para frente. Até que, em 2012, Ligia Baruch Figueiredo, doutora em psicologia clínica pela PUC-SP e autora do livro "Tinderella: a busca pelo amor no mundo digital", começou a estudar relações contemporâneas usando o site de namoro eHarmony como base. Ela conheceu casais que estão casados, com filhos. Fez amizades e encontrou entrevistados pessoalmente. "Criei relações tão profundas quanto qualquer uma que tive na vida", diz a psicóloga.

5 dicas para melhorar as suas chances no Tinder

Dados de comportamento de usuários podem ajudar a conquistar mais matches

Evite óculos de sol

Fotos de perfis com óculos de sol diminuem em 15% as chances de likes. É que eles escondem os olhos e passam uma imagem de pouca confiança.

Use cores vibrantes

72% dos usuários usam cores neutras (preto, azul, bege ou branco) na primeira foto. Assim, ao vestir cores vibrantes, você tende a se destacar entre os outros pretendentes.

Diga xis!

Se você está sorrindo na sua primeira foto, você tem 14% mais chances de conseguir um like do que as pessoas que fazem fotos sérias.

Olhe para frente

Pessoas que tiram fotos de frente, olhando diretamente para a câmera, aumentam a quantidade de curtidas em 20%.

Faça graça

Não sabe o que mandar em uma mensagem direta? Envie um GIF. Pessoas que usam o recurso aumentam as possibilidades de receber uma resposta em 30% dos casos.

Seu coração está sendo rastreado

Eis que, em 2013, a geolocalização mudou novamente o jogo do amor. Presente em qualquer smartphone hoje em dia, o sistema de posicionamento global, o GPS, foi criado pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos em 1963. Era para uso estritamente militar e foi liberado para civis apenas no início dos anos 2000. A tecnologia permitiu a existência de aplicativos como Tinder e Happn em nossos celulares.

Eles transformaram o flerte, o conhecer pessoas em uma espécie de "brincadeira". Pode reparar: na fila de um banco ou do cartório, você vai encontrar alguém com cara de entediado, dando "deslizadas" em fotos de pessoas sorridentes. Foi o match entre a nossa incansável busca pelo amor, a efemeridade das relações e a rapidez de nossos dias.

O comunicador Rodrigo Amorim, pesquisador de relacionamentos 2.0, prevê que os millennials, geração que "migrou" para o ambiente digital, vai ser a última que terá conhecido os parceiros mais no mundo analógico do que pela tecnologia. É que os nativos digitais veem com muito mais naturalidade a criação de conexões por mensagens de WhatsApp e likes de Instagram. Por isso, devem viver suas afetividades e sexualidade pautadas pela tecnologia. Isso não significa, no entanto, que eles amam menos.

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Cada like é um abraço

Segundo a psicologia, todos os nossos esforços de comunicação são para evitar a dor da solidão. E essa busca por companhia não mudou, mas ganhou um acessório inusitado. A tecnologia amplia as possibilidades de conexão e trocou as nossas prioridades. Agora, uma curtida tem a mesma força subjetiva de um abraço. "A nossa necessidade de vínculo é tão potente que encontra espaços até em um ambiente frio como a internet, que surgiu em época de guerra e que virou um meio de passar afeto", filosofa Amorim.

Neste mundo, um like pode, sim, significar tudo. E nada. Assim como um comentário em uma foto, troca de memes e visualizações dos stories. Todas essas interações são importantes para quem as faz e que as recebe. "E causam sofrimento e ansiedade válidas", afirma Ligia Figueiredo. Isso porque não há mais a divisão "vida real" e "mundo virtual". Não podemos mais preterir e desqualificar situações que acontecem no ambiente digital, já que elas também são psicologicamente impactantes. "Tudo é vida real. As relações se dão, ao mesmo tempo, online e offiline. Vivemos namoros e flertes inline", pontua a psicóloga.

Com a aglutinação desses nossos dois universos, surgem linguagens para demonstrar interesse. São métodos criados informalmente e que se modificam rapidamente. "Você tem múltiplos códigos que nem conseguimos elencar quantos, porque são sazonais, mudam de acordo com a tecnologia que surge e com a política de cada rede social", afirma Christian Dunker. "São pequenas coordenações, atos que, no detalhe, mostram como hoje temos muito mais trabalho para criar intimidade."

3 métodos para paquerar no Instagram

Flertar nas redes sociais requer um certo trabalho. Porém, há formas eficientes de chamar a atenção do crush.

Metralhadora de likes: É a maneira mais descarada de demonstrar interesse. Basta seguir o perfil da pessoa interessada e curtir várias fotos em seguida. As notificações devem chamar a atenção do alvo e aí começa o jogo: se a pessoa curtir várias fotos também, deu match. Se não curtir, vai rolar a dúvida sobre se é timidez ou rejeição. Evite tentar essa jogada duas vezes para não parecer desespero.

Sniper: Esse método é para os mais discretos e calculistas. O interessado viaja pela timeline do alvo, à procura de alguma foto mais antiga— se for uma selfie, melhor ainda. O interessante é evitar as imagens com hashtags e localizações linkadas, para deixar claro que o like foi proposital e com intenção.

Nos stories, use a lista de melhores amigos: Pode parecer besteira, mas estar na lista de melhores amigos de alguém nos stories pode dar uma sensação de importância. Tanto que há quem esteja cobrando para incluir os contatos nela. Assim, faça uma lista com os seus principais crushes e aproveite para publicar stories de lugares que você frequenta, músicas e filmes que você gosta. É perfeito para criar oportunidades para você ou ele puxar papo na DM.

Além das trocas de likes nas redes sociais, há outro tipo de situação que se tornou comum: em vez de puxar assunto com a colega de trabalho na festa da firma, a interessada prefere procurá-la no Tinder e ver se rola o match. O olho no olho perde espaço para uma pesquisa detalhada no perfil da crush, sobre o que ela gosta, se frequenta os mesmos lugares que você e, claro, o posicionamento político. "Você coloca a racionalidade na frente do primeiro olhar do encantamento", fala Ligia.

A psicóloga está se referindo àqueles perfis em que a pessoa enumera tudo o que procura e o que não procura em um parceiro. "Se você fuma, pode passar para a esquerda", por exemplo. "Você leva em conta onde a pessoa mora, altura, nível educacional. Os pré-requisitos são muitos enfatizados." Tanto que há aplicativos como o Bumble, em que você pode filtrar pessoas de acordo com características. "Não que isso não existisse, mas os apps deixam os pré-requisitos mais evidentes."

Essa racionalidade extrema leva pessoas a se interessarem não mais "em quem está disponível e viável", mas em quem tem "pontos focais" em comum. Que tenha o mesmo estilo de vida, os mesmos interesses. O que pode tornar essas relações ainda mais complexas, já que não há feromônios e charme embaralhando a nossa percepção de quem é aquela pessoa. "A linguagem escrita, porém, tem um papel muito importante. Então as pessoas tendem a usar mais pontos de exclamação e mais analogias a risadas. Um ponto final pode ser interpretado como grosseria", complementa Ligia.

Por criarmos conexões baseadas em textos, a gente começa a pensar e a repensar cada mensagem que vamos mandar ou a hora que vamos responder um WhatsApp. Porém, mais do que um acessório, os aplicativos, os códigos de flerte virtuais também estão substituindo pequenas sociabilidades. "Não desenvolvemos mais aquela coragem de chegar em alguém sem saber se realmente houve um interesse", fala o psicólogo Yuri Busin, especialista em neurociência do comportamento. Estamos, ainda, evitando o olho no olho porque não ter controle de cada frase, cada emoji enviado pode causar ansiedade. Preferimos jogar o jogo quando ele está mais ou menos ganho.

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Sexo do jeito que você quiser

A pele com a pele. O cheiro e o beijo. Parecem coisas que não conseguimos por vias digitais, certo? Não exatamente. Estamos aprendendo novas formas de fazer sexo e mudando conceitos sobre este mundo. E quem sai ganhando são grupos que, antes, não tinham tanta abertura social para viver a sexualidade. "A população LGBT e as mulheres não tinham a mobilidade de encontrar parceiros sexuais em qualquer lugar, como um homem heterossexual", afirma Lígia Figueiredo.

Os adeptos de fetiches muito específicos também foram beneficiados. Reflita: antigamente, para você ter experiências de BDSM, deveria frequentar casas distantes e não confiáveis para conseguir saciar esse desejo. Agora, você encontra uma comunidade BDSM a um clique de você.

Os aplicativos de paquera revolucionaram também a vida sexual de pessoas da terceira idade. Aposentados e muitas vezes viúvos, esses indivíduos não têm mais tantos espaços de convívio social, como o ambiente de trabalho ou uma balada. Até há algum tempo, eles se tornavam celibatários. Nos dias de hoje, o Tinder e o Happn tornam possível que eles vivam a sexualidade plenamente. Em contrapartida, a geração Z tem transado menos do que há 20 anos, de acordo com o estudo da Universidade Estadual de San Diego, nos EUA. A tendência de manter relações restritas aos ambientes digitais e o excesso de trabalho são alguns dos fatores que podem estar causando esse fenômenos.

Os nudes, por sua vez, não são vistos com bons olhos pelos pesquisadores, mas a razão é a alta adesão de adolescentes pelo hábito de mandar fotos sensuais para os parceiros e o mundo não está preparado para lidar com essa liberdade sexual. "Temos que proteger as garotas, porque há muitos casos de linchamento virtual relacionadas à divulgação de nudes", diz Ligia. Outro perigo é o deepfake, em que são feitas montagens com fotos de pessoas em filmes pornôs e fotos sensuais.

Criamos também novas formas de relações sexuais e de trocas, sejam monetárias ou de experiências, puramente digitais. Há as camgirls, que oferecem serviços de exibicionismo e interação aliados ao erotismo. São garotas que, na segurança do seu quarto, recebem dinheiro para mostrar os seios e atender a desejos. Nos últimos anos, surgiram também as webnamoradas, mulheres que recebem para "namorar" clientes pelo WhatsApp e redes sociais. Chamam por apelidos fofos, mandam links e dão apoio emocional. Isso sem falar na comercialização de fotos de pés, partes de corpos e artistas de ASMR.

Em todos estes casos, as prestadoras de serviços têm a possibilidade de manter vidas completamente "normais" longe das câmeras do computador ou do celular. "E isso é prostituição? Não sabemos, porque estamos mudando o que entendemos por este conceito", fala Dunker.

Seu namoro será espetacularizável

Não adianta. Mesmo que você tente fugir, estamos em uma sociedade em que somos coagidos a ter redes sociais. Se você não está no Facebook, no Instagram, no Linkedin, você é "esquisito", tem "algo a esconder". Somos levados a ter duas vidas: a tridimensional, vivida no mundo analógico; e a bidimensional, formada pelos nossos avatares no ambiente digital. "Somos seres de cinco dimensões", afirma Rodrigo Amorim.

Caso abra mão dessa vida dupla, você perde a oportunidade de criar vínculos. É que, ao engatar um namoro, é necessário que sejam alimentadas duas relações: a virtual e a analógica. "Você tem que estar presente, sair, ir ao cinema, mas também é preciso fazer parte dessa sociedade de espetáculo: publicar foto junto no Instagram, dar likes, deixar comentários", continua o pesquisador de relacionamentos 2.0. É o webnamoro, parte da construção da relação que se dá por vias digitais. Uma foto publicada na linha do tempo é uma forma de assumir um relacionamento sério. Mostra que você não está mais aberto a novas conexões.

"Um cara com quem namorei não gostava de publicar fotos nossas. Achava esquisito porque ele era fotógrafo e adorava tirar fotos. Isso começou a me incomodar. Não tinha nada nas redes sociais mostrando que a gente estava namorando. Senti como se ele não quisesse me assumir, que havia traição. Terminamos por outros motivos. Estou com saindo com um menino que já publicou fotos nossas. Sinto que ele não tem receio em me assumir."

Dara Alves, 20, estudante

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Namorar é esperar um zap

Outra parte dessa relação bidimensional que caminha junto com a analógica se dá pelas mensagens trocadas no WhatsApp. Mesmo que cada um dos namorados esteja em seus respectivos trabalhos, eles continuam tendo acesso e contato. São conversas sem fim que têm seus lados positivos e negativos. Por exemplo, relações que não durariam por conta da distância se tornam viáveis. Em qualquer momento do dia, um parceiro poder compartilhar com o outro algo de seu dia a dia. Em contrapartida, temos um sentimento de urgência por respostas imediatas de nossos parceiros.

Uma brincadeira do Tik Tok, aplicativo de compartilhamentos de vídeos musicais, é comum ver adolescentes e jovens adultos enumerando quais são as características que os tornam um "bom partido". "Responder mensagens rápido" é uma das mais citadas.

"Antigamente, para você falar com o namorado, precisava pegar a fila do orelhão. Havia horários específicos para vocês conversarem", narra Ligia Figueiredo. O WhatsApp permite, no entanto, que você veja a última vez que seu parceiro entrou no aplicativo, se ele viu a mensagem que você mandou e quando ele está online. "Esperamos que ele esteja sempre disponível, sendo que as pessoas trabalham, estudam ou, às vezes, não estão afim de conversar." É a expectativa por urgência de respostas.

E no atropelo de responder rápidamente para ter uma réplica mais rápida ainda, a nossa comunicação fica prejudicada. "Escrevemos sem pensar para criar esse vínculo, essa intimidade. Vamos pulando etapas porque queremos estar próximos. Mas a intimidade é uma construção, leva tempo."

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Rastros e traição

"Onde você foi?". "Com quem você estava?". "Que perfume é esse?". Sempre tivemos esse ímpeto de controlar quem amamos. A monogamia foi criada, de acordo com estudiosos, para proteger o nosso legado genético e patrimônio financeiro. O que mudou, com a tecnologia, foram as perguntas feitas no interrogatório. "Por que você deu esse like?". "Com quem você está falando no WhatsApp?"

Rodrigo Amorim acredita que as redes sociais não fazem que a gente traia mais, "mas, com certeza, aumentou a tentação", diz ele. Pessoas que já tinham a "tendência" de pular a cerca se deparam com mais conexões e oportunidades de trair. "Os parceiros que não têm esse impulso continuam sendo fiéis."

Temos outra questão a resolver: o que é exatamente uma traição? Nos tempos de hoje, é difícil dizer. Não temos mais um "manual de boa conduta" dos relacionamentos. Cada casal tem suas próprias regras para fidelidade, lealdade e compromisso. "Para uns, tudo bem trocar nudes, flertar. Para outros, um simples elogio em uma foto pode ser motivo para briga", fala Ligia Figueiredo.

Mas, mais uma vez, este flerte descompromissado em forma de curtida ou troca de mensagens privadas não é algo novo. Já acontecia em uma troca de olhares no ônibus na volta do trabalho ou em um papo rápido com um atendente do café. A diferença é que, hoje em dia, nós deixamos rastros. "E, se o seu parceiro quiser, ele pode segui-los e apontar o dedo. Para os inseguros, isso é uma tortura", fala Rodrigo Amorim.

"Terminei com o meu ex porque descobri que ele estava trocando mensagens muito íntimas com uma garota pelo Twitter. Eles se chamavam por apelidos carinhosos, perguntavam como tinha sido o dia, comemoravam datas especiais. Parecia um relacionamento comum, mas de duas pessoas que não se viam pessoalmente. Ele jurou que era só uma coisa virtual, mas, pelo teor das mensagens, eu considerei uma traição. Uma coisa é elogiar, outra é flertar."
Victoria Linard, 23, jornalista

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O fim é um cemitério de afetos

De acordo com estudiosos da Universidade de Oxford, o Facebook terá, em 50 anos, mais contas de pessoas mortas do que de pessoas vivas. Ele se tornará, então, um cemitério digital. "A quantidade de pessoas que morrem e cujos perfis continuam no ar é muito grande. Antigamente, o nosso nome era uma forma de perpetuar a nossa existência, agora são as nossas redes sociais", fala Rodrigo Amorim. Porém, mais do que um museu de pessoas mortas, sites de relacionamento também reúnem afetos antigos.

O perfil de um parente falecido alimenta uma ideia de que o ente querido ainda está vivo. O mesmo pode acontecer após o término de uma relação: as mensagens trocadas e as eventuais fotos publicadas podem dar a impressão de que o relacionamento ainda existe. Assim como não deixamos mais as pessoas morrerem, não deixamos mais os relacionamentos ficarem no passado. Stalkeamos os perfis dos ex-namorados para vermos o que eles estão fazendo, interpretamos cada uma das interações deles. "As redes sociais causam a ausência da presença. A existência do corpo em si não é mais determinante, porque temos o avatar que nos lembra do ex", diz Amorim.

Além disso, o fato da foto do ex-parceiro estar sempre pipocando na sua timeline não te ajuda a romper de vez o vínculo. É mais fácil nos afastarmos fisicamente do ex-parceiro do que do avatar dele na web. "Temos a dificuldade de deixar essa ligação morrer porque a representação daquela pessoa ainda fica por aí pairando", fala o pesquisador. "As pessoas são impactadas, atualmente, pelas memórias. Fotos podem aquecer antigos afetos."

Isso em falar nas pessoas que simplesmente desaparecem. Bloqueiam os ex-parceiros, param de responder mensagens. "Não é algo novo, já acontecia, mas se tornou mais comum", afirma Ligia. Este tipo de atitude é prejudicial para todos os envolvidos. Nosso psicológico não consegue acompanhar o corte abrupto de ligação e nem a rapidez com que já pulamos para a próxima aventura amorosa. "A nossa subjetividade não acompanha as deslizadas do Tinder", fala Dunker.

Nessa bagunça de sensações, é comum que as pessoas fiquem autorreferentes. Ou seja, acha que, quando o ex publica uma foto na balada com a letra de uma música celebrando a solteirice, só pode estar mandando uma indireta para ele. A intenção até pode ser essa, mas também pode não ser. "A tecnologia é delirante, mas o que é o amor se não um delírio dirigido?", diz o psicanalista.

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Fernanda Peralta Fernanda Peralta

Admirável romance novo

Há quem diga que, diante da evolução dos meios de comunicação e novas formas de nos relacionarmos, o amor como entendemos deve acabar. Os mais conservadores podem ficar calmos: a monogamia e a heterossexualidade continuarão a existir. A tecnologia não acabará com a tradicional família brasileira, mas vai torná-la mais diversa.

Junto com a maior diversidade de conexões, cada indivíduo deve se casar mais vezes e, consequentemente, criar núcleos familiares tentaculares. "Uma pessoa vai passar por três, quatro casamentos ao longo da vida", fala Ligia Figueiredo. Em contrapartida, parceiros devem ter cada vez menos filhos, uma vez que "não haverá tempo" para eles. "Estamos perdendo os limites do que é o tempo produtivo e o tempo para as nossas relações", diz Christian Dunker.

A principal mudança, no entanto, fica por conta dos formatos de casais. Poliamor e relacionamentos abertos, entre outros, devem se tornam ainda mais comuns. "Teremos mais relações possíveis. A monogamia deve continuar existindo, mas as pessoas que não se satisfazem com esse tipo de acordo vai encontrar o próprio jeito de se relacionar", afirma Ligia. Afinal, devemos repetir, em nossas relações, as múltiplas conexões possibilitadas pela internet. E a tecnologia nada mais é do que um reflexo da gente.

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