Casa de veraneio escavada em montanha estimula a fantasia
Vals é um vilarejo do cantão de Grisões, na Suíça. Lugar bonito e pequenino (cerca de mil habitantes), entrou no “mapa” há 14 anos, quando, em 1996, as termas projetadas pelo arquiteto suíço Peter Zumthor (ganhador do prêmio Pritzker em 2009) foram abertas e o local se transformou em uma espécie de “Meca” àqueles que procuram descanso – e boa arquitetura.
Recentemente, uma construção um pouco "escondida" tem chamado tanto ou mais atenção dos turistas que visitam Vals. Arrisca-se dizer que a casa de férias, disponível para aluguel, tenha atraído por si só muitos desses peregrinos.
Mas o que há de tão interessante nessa construção? A casa está escavada em uma das encostas que cercam Vals. Mais: sua entrada é nada convencional, e se faz através de um velho celeiro.
Croquis da casa feita pelos arquitetos dos escritórios suíços CMA e SeARCH
O arquiteto Christian Müller (do escritório CMA) iniciou a execução do projeto em 2006. Ele e o também arquiteto Bjarne Mastenbroek (do SeARCH) criaram uma morada que quebra com o padrão das construções alpinas e preserva a paisagem, visto que a encosta não foi “poluída” por um volume modernoso que poderia alterar a identidade da aldeia.
O desafio construtivo partiu da escavação da colina que, posteriormente, recebeu uma "concha" elíptica de concreto armado. Segundo os arquitetos do SeARCH, tal estratégia não determina conexões física entre a colina e a casa ou haveria o perigo de a construção se partir frente às forças da montanha. Portanto, como um ovo, a casa pode se adaptar.
A forma construtiva possibilitou a constituição do espaço interno subterrâneo em vários níveis e deu margem à criação de um pátio frontal que trouxe luz ao interior da casa por janelas e portas amplas, afastando-a do conceito de bunker.
A casa, chamada Villa Vals, fica encaixada na colina e tem sua fachada arredondada cortada negativamente na encosta, ou seja, sem volume "sobre" a terra.
Do pátio voltado para a cidade, é possível observar algumas colinas e um bosque com o conforto trazido pelo som de uma fonte de água potável, descoberta quando das escavações e posteriormente canalizada. Também, ali, no verão, banhos quentes e aconchegantes são a pedida em uma banheira assinada pelo designer holandês Floris Schoonderbeek.
Porém, a estrutura do pátio e o lazer que oferece estariam ameaçados pelas nevascas da região se não houvesse uma espécie de gradil de proteção. A artimanha que cerca toda a borda superior da fachada, revestida por quartzitos, tem a função de conter grandes volumes de neve, deixando o ambiente livre de pequenas avalanches.
Entre, e fique à vontade
Entrar na Villa Vals é uma aventura e um conforto. O acesso fica em um antigo celeiro distante 22 m da casa em si. O local, que durante a temporada de esqui serve como depósito, é ligado à Villa por um corredor subterrâneo construído em concreto. A passagem, todavia, recebe generosas porções de luz do sol via aberturas em sua porção superior.
A projeção axonométrica evidencia o corredor subterrâneo, todo executado em concreto, que liga o celeiro à casa escavada na montanha. O acesso à casa é feito pelo celeiro, cruzando o corredor iluminado por aberturas feitas em sua cabertura
O corredor está ligado a uma sala de estar cuja entrada é marcada por lance de degraus composto por pedras regionais empilhadas. O espaço é totalmente integrado à cozinha e à sala de jantar da casa, que ocupam a área central deste "piso térreo". Na outra ponta fica um dos quatro quartos. Este, aliás, é o que mais chama a atenção por parte de seu mobiliário ser estruturado em papelão corrugado.
Os outros três dormitórios estão nos pisos superiores como em um quebra-cabeças que brinca com as alturas do pé direito e a base do pavimento. Dos dois que compõem o "primeiro andar", um possui claro desnível entre o local onde a cama está e o resto do ambiente. No outro, um nicho de madeira acomoda duas camas com um grande beliche. No último piso, mais um quarto, baixo, amplo e com uma dominância cinza imposta pelo concreto das paredes, piso e forro.
Todos os ambientes da casa, que ainda conta com quatro banheiros, um para cada dormitório, têm relação direta com o pátio e, assim, ganham luz natural. Cada esquadria foi feita sob medida para a Villa Vals: O padrão interior é em carvalho e o exterior em alumínio com vidros triplos aplicados. Tal conjunto, além de harmônico, ajuda na manutenção da temperatura interna.
Idiossincrático, imaginativo e "natureba"
Bjarne Mastenbroek e Christian Müller investiram sua criatividade em uma construção altamente experimental. Que, além de não "brigar" com a paisagem local, dominada por casas tradicionais de pedra e madeira, garante uma experiência única. Um sentimento primitivo de segurança oferecido pelo subterrâneo.
Fantasiosamente, os arquitetos do SeARCH e CMA queriam quebrar com a linearidade das construções suíças, mas fizeram isso respeitando materiais, mão-de-obra e conhecimento construtivo locais.
Também, de certa forma, os arquitetos conseguiram agir de maneira sustentável com o grande aproveitamento da luz natural, estratégias de aquecimento e energia da casa, que dispensam combustíveis fósseis e para se beneficiar da energia hidrelétrica a ser produzida no Reservatório Zervreila, próximo dali.
Viver, por um fim de semana que seja, em um quebra-cabeça subterrâneo de sonho parece mais real e convidativo do que se espera ao ouvir que "a casa está em um buraco". (Daiana Dalfito, colaboração para o UOL)
Ficha técnica
Villa Vals, Vals - Suíça
Projeto de CMA e SeARCH
Detalhes do projeto- Área Construída 15,8 m de largura por 7,9 m de profundidade
- Projeto Bjarne Mastenbroek e Christian Müller
- Colaboradores Louis Toebosch, Ton Gilissen, Laura Álvarez Rodríguez, Alexandra Schmitz w/ Michal Palej, Daniel Abraha, Markus Wesselmann (SeARCH) e Blazej Kazmierski, David Strebicki (CMA)
- Projeto Estrutural - Concreto Alex Kilchmann
- Construção Kurt Schnyder Bauunternehmung
- Projeto de Instalações Elétricas Comet