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Comitê apoia reprodução assistida para solteiras e lésbicas na França

Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

da RFI

26/09/2018 14h08

É um novo passo que pode estender o direito da procriação medicamente assistida (PMA) a todas as mulheres na França.

Em comunicado, o CCNE divulgou que a impossibilidade para muitas famílias de terem uma criança hoje é “um sofrimento que deve ser considerado”. O comitê voltou, desta forma, a emitir sua opinião favorável a estender a PMA a todas as mulheres, a exemplo de como já havia feito em 2017.

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Ongs feministas e militantes LGBT comemoraram o anúncio. “Temos muita esperança de que a lei será modificada e passará a servir aos casais formados por mulheres e também às mulheres solteiras; há um forte apoio do governo para isso. Essa reflexão foi feita por defensores de direitos, pelo Estado, pelo Conselho de Ética e pesquisas mostram que os franceses também são favoráveis a essa extensão”, avalia o porta-voz da Associação das Famílias Homoparentais (ADFH), Fabien Joly, em entrevista à RFI.

Atualmente, a lei francesa da bioética estabelece que a PMA – seja a inseminação artificial ou a fecundação in vitro – é autorizada apenas aos casais heterossexuais inférteis. A possibilidade para que casais formados por duas mulheres ou mulheres solteiras pudessem recorrer a esses métodos era uma promessa de campanha do presidente francês, Emmanuel Macron, e é liderado hoje pela ministra da Igualdade entre Mulheres e Homens, Marlène Schiappa.

Foi o próprio governo que pediu um parecer no CCNE antes de abrir o debate sobre a da PMA para todas as mulheres por legisladores. O projeto de lei sobre a questão deve ser apresentado antes do final deste ano e será debatido pela Assembleia Francesa no início de 2019.

Conservadores e religiosos se opõem

A convocação do CCNE pelo governo incendiou os principais grupos conservadores da sociedade francesa. Como o Manif Pour Tous – coletivo de associações que se formou na época do debate sobre a legalização do casamento entre as pessoas do mesmo sexo na França, aprovado em 2013.

“A sabedoria, o engajamento, a razão, a justiça, a igualdade para a criança não dizem que não precisamos de uma lei que permita uma filiação sem pai”, protestou Ludovine de La Rochère, presidente do Manif Pour Tous. Ela promete liderar grandes manifestações contra o parecer do CCNE, “porque estão interferindo no direito da criança”.

Representantes da Igreja Católica também se manifestaram contra a possibilidade de estender a PMA a casais de lésbicas e mulheres solteiras, baseado no mesmo princípio que a modificação da lei pode resultar em filhos sem pai. “Pedimos atenção para algumas consequências que essa lei pode ter, particularmente o fato de autorizar o nascimento de uma criança que será, juridicamente, privada de pai. É uma grande mudança na sociedade. Gostaríamos de prevenir que a presença de um pai não é ilustrativa”, avalia o bispo de Limoges, Pierre-Antoine Bozo, em entrevista à RFI.

O Conselho do Culto Muçulmano da França (CFCM) se alinha à visão da Igreja Católica. “No Islã, queremos preservar a filiação e, é claro, na religião muçulmana, a procriação só pode ser feita por heterossexuais casados e apenas nesta situação a PMA é autorizada”, disse à RFI o vice-presidente do CFCM, Anouar Kbibech.

52% dos LGBT da França querem ter filhos

No mesmo dia em que o parecer do Comitê Consultativo Nacional de Ética sobre a PMA foi anunciado, uma pesquisa realizada pelo Instituto Francês de Opinião Pública (Ifop) mostrou que 52% dos cidadãos LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros) no país em idade de procriar (com menos de 45 anos) querem ter filhos. Para boa parte deles, a possibilidade não faz parte de uma perspectiva a longo prazo: 35% dos entrevistados desejam fundar uma família nos próximos três anos.

Várias outras pesquisas mostram que os franceses são majoritariamente a favor da questão. Um levantamento realizado pelo Ifop em janeiro deste ano apontou que 60% da população apoia a realização da PMA por casais formados por lésbicas e 57% por mulheres solteiras.

 “A dupla filiação maternal ou paternal já é aceita desde 2013, quando o casamento entre pessoas do mesmo sexo foi aprovado, permitindo que casais homossexuais possam adotar. Ou seja, já foi debatido e decidido que ter dois pais ou duas mães não prejudica os interesses da criança. Por isso, penso que, apesar da agitação dos conservadores e dos religiosos, não há um cataclismo ou fim da civilização acontecendo”, defende Fabien Joly.

Para o porta-voz da ADFH, a aceitação de diferentes tipos de famílias passa por uma evolução de pensamentos, já em curso na França. “Se pudermos fazer uma comparação, há um tempo atrás, crianças vindas de pais e mães que se separaram eram incomuns nas escolas; hoje eles são praticamente a maioria, sem que isso seja um problema. Nos próximos anos, crianças que fazem parte de famílias formadas por pessoas do mesmo sexo não serão mais objetos de questionamento, isso será algo completamente convencional”, conclui.

Além do parecer sobre estender a PMA a todas as mulheres, o Comitê Consultativo Nacional de Ética também se pronunciou sobre a gestação de substituição, conhecida no Brasil como barriga de aluguel (GPA na França). O órgão renovou nesta terça-feira sua oposição ao método, que é proibido pela legislação francesa e centro de outro polêmico debate no país. Em julho, a Corte de Cassação da França autorizou a transferência de certidões de crianças nascidas fora do país, através de gestações de substituição, além da autorização para a adoção destas crianças pelo marido ou da esposa de seus pais biológicos.