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Cúpula internacional sobre direitos da mulher ignora violência de gênero

Cristina Fibe

Colaboração para Universa, em Abu Dhabi

25/02/2023 04h00

Enquanto as mulheres defendiam o corpo livre no Carnaval brasileiro, uma reunião feminina internacional acontecia? Nas Arábias.

País muçulmano e de regime autoritário, os Emirados Árabes Unidos foram sede da Cúpula Global de Mulheres, nas últimas terça e quarta-feira (21 e 22).

Reunidas em Abu Dhabi a convite do governo, lideranças femininas, acadêmicas, ministras e jornalistas falaram sobre temas que vão da diplomacia à sustentabilidade, passando por educação, indústria criativa e esportes.

Um dos poucos homens a falar na cúpula, o presidente do Conselho Mundial das Comunidades Muçulmanas, Ali Rashid Al Nuaimi, afirmou que muitas mulheres ainda hoje são vítimas de práticas inaceitáveis.

"Líderes religiosos têm de combater práticas apresentadas como religiosas que pretendem eliminar ou restringir o papel das mulheres", disse ele, na abertura do encontro.

Foi uma das falas mais enfáticas em prol dos direitos das mulheres. De forma geral, as palestrantes exaltaram a importância feminina para o equilíbrio global, para a paz e a prosperidade, mas deixaram de tocar em temas sensíveis e essenciais quando se debatem os avanços e retrocessos nessa área.

Quase nada se falou, por exemplo, sobre violência sexual e doméstica, tampouco sobre feminicídio.

Sob os olhos do governo autoritário —que não tem um regime de eleições, por exemplo, e impõem restrições a liberdades individuais—, as exposições no congresso aconteceram de forma protocolar, sem abertura para perguntas e nem mesmo debate entre as participantes de cada mesa.

Apesar disso, as convidadas conseguiram extrapolar suas experiências pessoais para reforçar a importância da união feminina e da conquista de cargos públicos para o avanço dos direitos das mulheres.

"Eu sou a minha maior barreira. Nos perguntamos: quem sou eu para fazer isso? E a pergunta é a oposta: quem sou eu para não fazer isso?", afirmou Naz Shah, ministra paralela (shadow minister) para a redução do crime no Reino Unido, no painel sobre a liderança feminina no parlamento e na diplomacia. Ela lembrou que as "mulheres pagam o mais alto preço pelas guerras, pela pobreza, pela crise energética. As mulheres e as crianças, que são o futuro".

Num dos depoimentos mais emocionantes, a ativista franco-marroquina Latifa Ibn Ziaten contou por que fundou uma associação em homenagem a seu filho assassinado em 2012, em um ataque terrorista em Toulouse.

"Fui ao local onde meu filho morreu e limpei o seu sangue do chão. Gritei, mas não tinha ninguém lá para me ouvir", contou Latifa, vencedora do Prêmio Internacional Mulheres de Coragem. "Não quero que nenhuma outra mulher sofra como eu. Por isso, trabalho com prevenção."

Por meio de sua associação, Imad (nome de seu filho), ela frequenta prisões e escolas conversando com jovens para evitar que se transformem no terrorista que a fez perder seu menino.

Como afirmou a jornalista Chantal Saliba AbiKhalil, âncora da Sky News Arabia, nos Emirados Árabes Unidos, "somos retratadas como vulneráveis, frágeis", mas estamos longe disso. "Essas são as histórias que escutamos. Não espere ninguém te apresentar com uma imagem positiva. Trabalhe, seja persistente e se diferencie."


*Cristina Fibe viajou a convite da Emirates News Agency

Assista à íntegra do Sem Filtro: