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OPINIÃO

Olhares maldosos e assédio de taxista: experiência feminina na COP no Egito

Fernanda Rosário, jornalista, durante a cobertura da COP 27. - Pedro Borges
Fernanda Rosário, jornalista, durante a cobertura da COP 27. Imagem: Pedro Borges

Fernanda Rosário em depoimento a Simone Freire

De Universa, em São Paulo

17/11/2022 04h00

"O assédio de homens a mulheres era o problema mais apontado pelos sites nas minhas pesquisas antes da viagem para a COP27, a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas que está sendo realizada na cidade de Sharm el-Sheikh, no Egito. Muitos orientavam, inclusive, evitar sair sozinha ou tentar roteiros além dos pontos turísticos tradicionais.

Confesso que, mesmo pesquisando sobre as melhores formas de respeitar a cultura local, que é predominantemente muçulmana, não imaginava que a minha preocupação sobre segurança seria tão necessária, ainda mais em uma cidade turística como Sharm El-Sheikh, localizada na península do Sinai e banhada pelo histórico Mar Vermelho.

Percebi olhares maldosos de homens, o que me incomodou bastante. A barreira do idioma também aumentou os meus esforços de proteção, já que nem todos sabem falar inglês. Evitei falar até mesmo durante as inúmeras revistas policiais em aeroportos, com medo de ser impedida de seguir viagem por não entender o que estavam dizendo.

Há uma predominância masculina em todos os espaços pelos quais andei na cidade, seja como clientes nos resorts e hotéis, seja como taxistas, atendentes de lojas ou nos postos de trabalho. Aliás, raramente mulheres locais são vistas por aqui. Dentro da COP, as poucas que vi estavam ocupando cargos em áreas da limpeza, na segurança ou sendo voluntárias no evento climático.

Ao longo destes dias de cobertura da COP27 também precisei abrir mão da independência na mobilidade, que era bem comum na minha rotina no Brasil. Aqui no Egito, para evitar qualquer problema ao me deslocar pelas ruas da cidade, sempre estou acompanhada de outros colegas jornalistas, sobretudo homens.

Em conversas com diversas mulheres sobre a vivência aqui, houve quem me relatasse ter sofrido assédio por taxistas, por funcionário de hotel ou mesmo desconforto ao transitar sozinha ou entrar em algum estabelecimento onde, na ocasião, só estavam homens.

A estrutura do evento também tem sido uma reclamação constante: há dificuldades de locomoção dentro do centro de convenções, as sinalizações e o mapas não ajudam a localizar as tantas salas nem os pavilhões, stands, eventos e banheiros. Além disso, as filas são gigantes, até mesmo para comprar comida.

As manifestações no Egito também foram proibidas e precisam passar por uma autorização prévia para serem realizadas em espaços determinados sem riscos. Isso tem sido um empecilho para a realização das tradicionais mobilizações durante o evento climático — algumas entidades da sociedade civil chegaram inclusive a cancelar protestos. Os poucos permitidos acontecem em espaços mínimos e pré-autorizados.

Nestes dias de cobertura tenho tentado me encaixar na rotina egípcia por respeito ao país. Apesar do machismo declarado, o cerceamento à liberdade feminina —mulheres não possuem os mesmos direitos que os homens —, ainda consegui me encantar pela cidade, com cor e clima de deserto e uma arquitetura toda em tons de areia. A experiência de observar uma multidão, com gente de todas as partes do mundo, culturas, idiomas e vestimentas diversas, é vibrante.

Há ainda uma presença massiva feminina que reverbera dentro dos espaços. São nomes como os das brasileiras Sandra Maria Andrade, coordenadora-executiva da Conaq (Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos); Selma Dealdina, secretária-executiva do órgão; Sonia Guajajara (Psol-SP), ativista indígena e deputada federal eleita; Marina Silva (Rede-SP), ambientalista e deputada federal eleita; Shirley Krenak, ativista indígena; além de Francia Márquez, vice-presidente da Colômbia. Ainda que sintamos o machismo ao redor, elas reforçam a representatividade diante da busca por justiça climática e proteção ao meio ambiente no Brasil e no mundo e viram referências para jovens mulheres, como eu, que se fortalecem da união e da luta."

Fernanda Rosário, 25, é jornalista e mora em São Paulo.