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Bióloga perde orientação do doutorado por voto em Lula: 'Fiquei em choque'

Débora Arraes, 35 anos, professora e estudante de doutorado - Arquivo pessoal
Débora Arraes, 35 anos, professora e estudante de doutorado Imagem: Arquivo pessoal

Fernando Barros

Colaboração para Universa, em Salvador

05/11/2022 16h55

"Estado de choque." Foi essa a reação da estudante de doutorado em biodiversidade e biotecnologia Débora Arraes, 35 anos, ao saber nesta quarta-feira (2) que não teria mais o desenvolvimento de sua tese acompanhado pela então orientadora na Universidade Federal do Amapá (Unifap)., Sheylla. Susan Almeida O motivo: seu voto em Lula, eleito presidente da República no último domingo (30).

"Eu estava em casa reflexiva porque era o primeiro Dia de Finados que eu passava sem meu pai, que morreu em fevereiro, quando peguei o celular e vi uma mensagem da professora no grupo de WhatsApp que ela mantém com seus alunos de graduação e pós-graduação. Ao ler, levei um susto e meu coração disparou", relata Débora em entrevista a Universa.

Na mensagem, a professora Sheylla Susan Almeida comunicava que não iria mais orientar Débora nem outro colega, porque não queria "esquerdistas" no laboratório da Universidade. "Amanhã estarei entregando a carta de desistência da orientação de vocês? Se tiver mais algum esquerdista, que faça o favor de pedir desligamento. Ou estão comigo, ou contra mim [sic]", escreveu a orientadora na mensagem.

"Fiquei abalada e sem dormir"

"Fiquei chocada com aquilo. Minha primeira reação foi fazer um print e mandar para algumas pessoas próximas. Nunca tinha falado com a orientadora sobre posicionamento político, nem compartilhei nada no grupo, então imagino que ela deva ter visto uma publicação minha no Instagram fazendo o "L" e usando um filtro com duas estrelinhas [símbolos associados ao presidente eleito] e se sentiu incomodada ou provocada, Mas não tem nada a ver", diz Débora.

Mensagens escritas pela orientadora Sheylla Susan de Almeida - Reprodução - Reprodução
Mensagens escritas pela orientadora Sheylla Susan de Almeida
Imagem: Reprodução

Segundo a estudante, no momento em que a mensagem foi enviada, o grupo era formado por 36 pessoas. A doutoranda diz que a professora não a procurou no privado e que, impactada pela situação e pela repercussão que o caso está ganhando, não conseguiu nem dormir nos últimos dias. Ao saber do ocorrido, a Universidade Federal do Amapá (Unifap) entrou em contato com Débora imediatamente para acolhê-la e entender a situação.

"Eles falaram comigo no mesmo dia. Na sexta (4), quando pude organizar melhor as ideias e preocupada com a continuidade da minha pesquisa, formalizei e entreguei um documento à instituição, detalhando o ocorrido e contando um pouco da minha trajetória no doutorado", afirma a pesquisadora.

Em nota publicada em seus canais oficiais, a Universidade Federal do Amapá caracteriza o episódio como assédio, se coloca contra toda forma de repressão ao pensamento e repudia a conduta da professora. O texto diz ainda que o caso está sendo apurado para adoção das medidas cabíveis.

Confira na íntegra abaixo.

'Esse tipo de assédio na universidade tem que acabar'

Débora, que também é professora e leciona na Universidade do Estado do Amapá (UEAP) disciplinas como zoologia e educação ambiental, por respeitar a diferença de opiniões e saber ser a orientadora simpatizante do governo Bolsonaro, lamenta que tenha sido vítima desse tipo de constrangimento no contexto acadêmico. "A universidade é espaço de diversidade, debate e discussão saudável de ideias. É isso que busco incentivar entre os meus alunos, por exemplo", afirma.

Débora Arraes - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Débora Arraes
Imagem: Arquivo Pessoal

Ela também fala sobre a importância da denúncia. "É preciso acabar com esse tipo de assédio na universidade. Sou estudante, mas também sou professora, tenho um emprego, então para mim acaba sendo um pouco mais fácil falar do que para um estudante de graduação, por exemplo, que ganha uma bolsa e precisa daquele dinheiro para seguir com os estudos", avalia.

A reportagem não conseguiu localizar Sheylla Suzan Almeida para comentar o caso. A professora, no entanto, se pronunciou em seu perfil no Facebook na noite de quinta-feira (3), com um pedido público de desculpas. No texto, a orientadora diz ter se excedido nas palavras por causa das eleições e lamenta o ocorrido. A mesma nota de retratação foi postada no grupo com os orientandos, segundo Débora.

Estudante busca um novo orientador

Natural de Ananindeua, no Pará, Débora mora no Amapá desde os 11 anos e seu objetivo como pesquisadora é colaborar com a preservação da Amazônia. Bióloga de formação, com experiência em atividades relacionadas à fauna silvestre e conservação de reservas biológicas, ela começou no doutorado em 2020.

"Uma loucura esse processo porque coincidiu com o começo da pandemia e eu também sou mãe. Tenho um menino de 12 anos e uma menina de 7, então tem a rotina deles, as atividades domésticas, mas amo a pesquisa e quero ajudar a valorizar as riquezas naturais do nosso país", destaca a doutoranda.

Agora, ela está em busca de outro docente para orientá-la em sua pesquisa. "Na próxima semana, devo me reunir com o colegiado da universidade para definir um novo orientador, mas tenho recebido muitas mensagens carinhosas de professores que se ofereceram para me orientar e até de pesquisadores de outras universidades, se colocando à disposição para que eu possa desenvolver o meu doutorado", finaliza.