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'Quero alunos expulsos', diz mãe de vítima de racismo em colégio de elite

Anahi Martinho

Colaboração para Universa, em São Paulo

02/11/2022 19h14

Alunos do Colégio Visconde de Porto Seguro da unidade de Valinhos, no interior de São Paulo, estão sendo investigados pela Polícia Civil após proferirem ofensas de cunho racista contra um colega em um grupo de WhatsApp. De origem alemã, a instituição é tradicional e formada por um público de elite.

O grupo com 32 alunos, intitulado "Fundação Anti Petismo", foi criado na noite de domingo (30) com o objetivo de convocar os estudantes para uma manifestação contra o resultado das eleições presidenciais.

Antônio Biebie, 15 anos, foi adicionado ao grupo e se deparou com comentários de teor violento e discursos de ódio. Em entrevista a Universa, o estudante disse que não é próximo dos colegas que criaram o grupo e que mal conhece a pessoa que adicionou seu número.

"Não sei se me adicionaram porque não sabem da minha posição política e pensaram que eu ia compactuar com as manifestações, ou se sabem e me adicionaram justamente para provocar. Provavelmente foi a segunda opção", diz o estudante.

Entre o conteúdo que circulou no grupo e nas redes sociais dos alunos, estão frases como "quero que estes nordestinos morram de sede", "quero sua mãe aquela negrinha", "sou pró-reescravização do Nordeste" , "quero ver pobre se f*der ainda mais agora" e "ai ai como pobre é burro".

Figurinhas com suástica e outras referências ao nazismo também faziam parte do repertório dos estudantes.

A mãe de Antonio, a advogada Thaís Cremasco, estava assistindo à apuração do resultado das eleições junto ao filho no momento em que ele foi adicionado ao grupo e teve acesso às mensagens de cunho racista e xenofóbico.

"Ele falou 'mãe, olha isso daqui'. Tinha discurso de ódio contra nordestinos, preconceito classista, racial, gente falando de reescravização. Fiquei muito assustada, nunca tinha visto tanta violência de forma tão aberta e destemida. Abriram as portas do fascismo", afirmou Thaís em entrevista a Universa.

Thaís com os filhos Tayla e Antonio, que sofreu ataques racistas em escola - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Thaís entre os filhos Antonio, que sofreu ataques racistas em escola no interior de São Paulo, e Tayla
Imagem: Arquivo Pessoal

Antonio tentou conversar com um dos membros do grupo após ver uma publicação com uma imagem de Hitler e os dizeres: "Se ele fez com judeus, eu faço com petistas". Ao alertar o colega de que aquilo era crime, Antonio foi bloqueado. Logo depois, teve acesso a um print do Instagram em que o mesmo rapaz dizia para um influenciador: "Espero que você morra, FDP negro".

Ato contra as eleições

Na segunda-feira (31), os estudantes que criaram o grupo realizaram o referido ato contra o resultado das eleições dentro da escola, durante o intervalo das aulas. Universa apurou que alguns alunos faltaram à escola por medo de sofrer represálias por suas orientações políticas.

Antonio foi à aula normalmente e se surpreendeu quando outros colegas começaram a procurá-lo para denunciar novos ataques e prints com conteúdo de ódio. Ele reuniu todo o material e levou à diretoria do colégio, que segundo ele "não mostrou muita ação".

O jovem e a mãe registraram um boletim de ocorrência no mesmo dia, que foi entregue à escola.

Alunos usaram símbolos nazistas e discurso de ódio em grupo - Reprodução - Reprodução
Alunos usaram símbolos nazistas e discurso de ódio em grupo
Imagem: Reprodução

Na terça-feira (1º), Antonio organizou outra manifestação, desta vez contra o racismo, e pediu que a escola tomasse providências mais sérias. "Todo mundo foi de preto, a gente colou cartazes pela escola. Nosso ato não foi focado em política, mas sim contra o racismo", afirmou.

Depois disso, a instituição suspendeu um dos envolvidos e soltou um comunicado, segundo Antonio, "raso, sem explicar a situação, sem mencionar que se trata de um crime, só falava em 'erro grave'.". "Até o momento foi só isso que a escola fez", protesta o jovem.

Ele pede a expulsão dos alunos. "Eles cometeram um crime e devem ser expulsos. A escola não pode pegar leve como está fazendo agora. Parece que estão tentando apaziguar", diz.

"Se eles não forem expulsos, eu vou ter que passar todo dia no mesmo corredor de um cara que fez comentários neonazistas e racistas. Acho inadmissível a escola não fazer nada. Vou lutar até o fim. Ninguém se sentiria confortável estudando com um criminoso do seu lado", diz Antonio.

Mudar de escola não é opção

Em uma primeira conversa com o Colégio Porto Seguro, na segunda-feira (31) após fazer o B.O., Thaís ouviu que o episódio tinha acontecido fora das dependências da escola, em um grupo de WhatsApp, e que isso isentaria a instituição de responsabilidade.

"Eu falei: e se uma aluna fosse estuprada por um aluno fora das dependências do colégio? Não é a mesma coisa? Ele cometeu um crime contra meu filho, racismo é crime", diz.

Aluno do colégio Porto Seguro escreve ofensas racistas na internet - Reprodução - Reprodução
Aluno do colégio Porto Seguro escreve ofensas racistas na internet
Imagem: Reprodução

Thaís, que já precisou mudar os filhos de escola por causa de um episódio de racismo, afirma que não vai mudar novamente. "Eu quero que a diretoria expulse os alunos que estão envolvidos na violência contra o meu filho", exige a advogada.

Ela também é mãe de uma menina de 13 anos, que já foi chamada de "escrava" no Porto Seguro e o colégio não fez nada. "Entenderam como brincadeira de criança e, na ocasião, minha filha implorou para que eu não fizesse nada. Só que dessa vez mexeram com meu filho e ele teve coragem de ir para frente", conta Thaís.

"Já me disseram para colocá-los em uma escola mais simples, onde não teriam problemas. Só que meus filhos são uns dos poucos alunos negros que já frequentaram essa escola. Eles têm o direito de estudar onde quiserem", diz a mãe.

"É uma escola alemã super-rigorosa, outro dia uma aluna foi suspensa por cuspir um chiclete no chão. Por que, quando se trata de racismo, não conseguimos fazer com respeitem a lei? Não quero que um aluno que fale que uma pessoa preta tem que morrer estude com meus filhos", diz.

Thaís cobra da instituição não apenas a expulsão dos envolvidos, mas o comprometimento em ações educativas antirracistas.

"Não ser racista é obrigação. Se a gente vê uma criança, um adolescente, compartilhando figurinha do Hitler, isso não pode ser relativizado. Essas atitudes não ferem só a legislação penal e a constituição federal, elas ferem os princípios universais dos direitos humanos", completa.

Punição

Thaís afirma que foi procurada pelo advogado da família de um dos adolescentes envolvidos, mas que não está aberta a nenhum tipo de negociação.

"Não quero fazer nenhum acordo com essas pessoas, quero mostrar que a gente tem leis e que as leis precisam funcionar. Não existe valor em dinheiro que eu aceitaria. O que eu quero é mostrar que as pessoas não podem fazer isso", diz.

"Em tese, existe a Fundação Casa, mas nunca ouvi dizer de algum adolescente branco e rico que tenha ido para lá", diz. "Eu não sou punitivista, mas a escola não pode passar pano. Justamente por serem crianças eles precisam aprender a não reproduzir discurso de ódio", diz.

O outro lado

Em nota enviada à imprensa, o Colégio Visconde de Porto Seguro afirmou que repudia atos de racismo, mas não deixou claro quais providências irão tomar.

"O Colégio Porto Seguro repudia qualquer ação e ou comentários racistas contra quaisquer pessoas. Os atos de injúria racial não são justificados em nenhum contexto.

Considerando que a construção de uma sociedade livre, justa e igualitária pressupõe o respeito à diversidade e as liberdades, o Colégio não admite nenhum tipo de hostilização, perseguição, preconceito e discriminação.

Vale lembrar que em todos os campi são realizadas palestras, orientações educacionais e projetos sobre a diversidade de opinião, de raça e gênero para alunos e comunidade escolar."