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Lula eleito: o que as mulheres podem esperar do próximo governo?

Luiz Inácio Lula da Silva (PT), eleito presidente do Brasil pela 3a vez - Reprodução
Luiz Inácio Lula da Silva (PT), eleito presidente do Brasil pela 3a vez Imagem: Reprodução

De Universa, em São Paulo

30/10/2022 19h58

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi eleito presidente da República neste domingo (30), derrotando o candidato Jair Bolsonaro (PL) no segundo turno. Também impulsionado pelo decisivo voto do eleitorado feminino, o petista volta ao Palácio do Planalto depois de uma campanha em que o tema de gênero se destacou. O que as mulheres podem, então, esperar do novo governo?

O plano de governo entregue por Lula ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) traz políticas públicas genéricas sobre mulheres. O documento não abordou como as ações vão ser implementadas, ao dizer, por exemplo, que vai priorizar o combate à violência de gênero na segurança pública, mas sem explicar exatamente o que será feito. No entanto, o presidente eleito deu importantes sinalizações durante sua campanha.

Recriação de Ministério da Mulher

A principal promessa de Lula ao eleitorado feminino foi a recriação do Ministério da Mulher, atualmente fundido no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Foi no segundo mandato do petista que o país ganhou um ministério totalmente dedicado às mulheres e à igualdade de gênero —a pasta, no entanto, foi desmontada e rebaixada a secretaria no governo de Michel Temer.

"Nós vamos recriar o Ministério das Mulheres, vamos criar os ministérios dos povos originários para que a gente possa ter pessoas sempre marginalizadas no ministério, a gente vai recriar o Ministério da Pesca", disse ele, durante visita ao Casarão das Quebradeiras de Coco no dia 3 de setembro em São Luís, no Maranhão.

A promessa, se concretizada, pode trazer mais foco às políticas públicas para as mulheres. Desde 2019, segundo estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), com Jair Bolsonaro como presidente e Damares Alves como ministra, "instituiu-se um movimento de desmonte" das políticas para a população feminina.

Mulheres em chefias de ministérios

Durante a campanha, Lula evitou se comprometer a nomear, caso seja eleito, mulheres para 50% dos ministérios — por exemplo, no debate realizado pelo UOL, Band, Folha de S. Paulo e TV Cultura em 28 de agosto. "Não sou de assumir compromisso, de me comprometer a fazer metade, indicar religioso, indicar mulher, indicar negra, indicar homem [...]. Ou seja, você vai indicar as pessoas que têm capacidade para assumir determinados cargos", respondeu.

O petista justificou que não faria a promessa antes do resultado das eleições para depois não passar por "mentiroso", caso a promessa não seja cumprida.

No entanto, o presidente eleito disse que acha ser "plenamente possível" trazer mais representatividade. Ele planeja, por exemplo, nomear uma mulher para Ministério das Relações Exteriores. Até agora, o nome mais cotado para comandar a chefia do Itamaraty é o da embaixadora Maria Luiza Ribeiro Viotti.

Economista e diplomata de carreira, ela é da confiança do embaixador Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores e da Defesa. "Certamente, temos mulheres diplomatas muito competentes, que poderiam ser excelentes ministras", disse Amorim ao jornal O Estado de S. Paulo. "A embaixadora Viotti é uma das mais qualificadas." A indicação de uma mulher para o Itamaraty contemplaria o movimento feminino na diplomacia, que ganhou força política no Congresso e foi incentivado por Amorim no passado. O Brasil nunca teve uma chanceler.

Marina Silva (Rede) é outro nome lembrado para chefiar alguma pasta no novo governo do petista. Ela foi ministra do Meio Ambiente de Lula. Lula e Marina se encontraram pela primeira vez em anos no dia 11 de setembro, data em que ela anunciou apoio ao petista.

O presidente eleito deixou seu segundo governo, em 2010, com quatro mulheres entre seus 28 ministros — entre elas Dilma Rouseff e Benedita da Silva.

Aborto: como governo lidará com o tema ainda é incerto

Quando questionado por Universa durante a campanha, a assessoria de Lula se eximiu em manifestar sua opinião e suas propostas em relação ao aborto legal, dizendo apenas que esse assunto cabe ao Legislativo.

Em abril, durante entrevista, disse que "as pessoas têm esse direito" e que "quando a pessoa tem poder aquisitivo bom, ela busca tratamento bom e até vai para o exterior fazer o procedimento. Mas e a pessoa pobre?". Mais tarde, após críticas, voltou atrás, dizendo que é contra a prática, mas que essa "é uma questão de saúde pública".

Na reta final da corrida eleitoral, a campanha de Lula publicou uma nota em seu site rebatendo declarações do pastor Oliver Costa Goiano, da Igreja Batista, de que "os governos Lula e Dilma de forma alguma foram abortistas". "A verdade é que ninguém é a favor do aborto. Lula jamais fez apologia ao aborto de forma indiscriminada", diz o texto.

O vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), também se pronunciou sobre o tema, afirmando que ele e Lula são contra o aborto. Em entrevista a um podcast voltado ao público religioso, argumentou que nem sequer é tarefa do governo federal discutir o assunto. O ex-governador de São Paulo disse ainda que o tema deve ser tratado pelo Congresso Nacional, mas não "acredita que vá mudar nada da lei atual".

"Ele foi presidente oito anos e não mudou lei nenhuma, nenhuma, nenhuma. O que é dever você fazer são políticas públicas de saúde. É preciso os jovens terem educação e informação até para não ter gravidez indesejada. E oferecer possibilidade para evitar, métodos contraceptivos. Não há hipótese e nem é tarefa do governo", afirmou Alckmin.

No âmbito da saúde da mulher, o petista prometeu em seu plano de governo fortalecer no SUS (Sistema Único de Saúde) as condições para que todas as mulheres tenham acesso à prevenção de doenças e que sejam atendidas segundo as particularidades de cada fase de suas vidas.

Propostas para população LGBTQIA+

Lula fez duas menções à população LGBTQIA+ em seu plano de governo, mencionando o direito à saúde e o combate à homofobia e à transfobia. "Não haverá democracia plena no Brasil enquanto brasileiras e brasileiros continuarem a ser agredidos, moral e fisicamente, ou até mesmo mortos por conta de sua orientação sexual", diz o documento.

Ele também cita políticas que garantam os direitos, o combate à discriminação e o respeito à cidadania LGBTQIA+ em suas diferentes formas de manifestação e expressão e o direito à saúde integral desta população, a inclusão e permanência na educação, no mercado de trabalho e que reconheçam o direito das identidades de gênero e suas expressões.

Além disso, também cita a população LGBTQIA+ na construção de políticas de segurança pública.

Combate à violência de gênero e ao endividamento feminino

Foi nos governos de Lula que o Brasil se tornou uma das referências na legislação de combate à violência contra a mulher, com a criação da Lei Maria da Penha, em 2006.

No âmbito da segurança pública, o presidente eleito prometeu, em seu plano de governo, "investir em programas para proteger vítimas, seus filhos e filhas, e assegurar que não haja a impunidade de agressões e feminicídios".

O petista também prometeu construir políticas que combatam a violência policial contra as mulheres negras, contra a juventude negra e contra os povos e comunidades tradicionais de matriz africana e de terreiro. Além disso, disse que vai contemplar, nas políticas de segurança pública, ações de atenção às vítimas e priorizarão a prevenção, a investigação e o processamento de crimes e violências contra mulheres.

Já no âmbito da economia, Lula se referiu às mulheres, durante a campanha, como as mais afetadas pela crise econômica, especialmente pelo endividamento. Ele afirmou que "temos quase que 70% das famílias brasileiras endividadas, e a grande maioria delas é mulher: 22% endividadas porque não podem pagar a conta d'água, a conta de luz, a conta do gás. Nós vamos negociar essa dívida", em sabatina ao Jornal Nacional, no dia 25 de agosto.

De acordo com o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, 40% das famílias brasileiras não conseguem acesso pleno à alimentação. Mas, um levantamento feito pelo Centro de Políticas Sociais da FGV Social, mostra que as mulheres são as mais afetadas: 47% das brasileiras vivem sem saber se vão poder comprar comida no dia seguinte —entre os homens, o percentual é de 26%.