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Ri Happy apaga vídeo sobre brincadeiras sem gênero, após pressão nas redes

Crianças brincando no chão - Istock
Crianças brincando no chão Imagem: Istock

Bruna Barbosa

Colaboração para Universa, de Cuiabá

09/07/2022 15h42

Um vídeo publicitário em que o influenciador Luke Vidal afirma que as crianças precisam ser livres para escolher seus brinquedos, independentemente de gênero, foi deletado após virar alvo de comentários conservadores nas redes sociais da rede de lojas Ri Happy.

Nas mensagens, os internautas afirmavam que a pureza das crianças estava em risco e anunciaram boicote à empresa, acusada de promover "ideologia de gênero". O vídeo da publicidade foi compartilhado pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que escreveu: "Que pena, @rihappy era uma loja legal".

No vídeo, Luke aparece conversando com a personagem da Ri Happy, a "menina mofo", interpretada pelo influenciador Ricardo Cubba, no quadro "Deixa Brincar". Luke produz conteúdo para o nicho LGBTQIA+.

Ele e o marido, o também influenciador Rafael César, adotaram uma criança de cinco anos em 2020. No vídeo, Luke explica que os pais não devem escolher brinquedos ou brincadeiras com os filhos.

Os pais precisam entender que a gente não tem que escolher com o que nosso filho quer brincar ou não. A criança tem que ser livre para poder escolher a brincadeira, que não precisa ter gênero, mas agregar à vida da criança.

A fala do influenciador no vídeo, que tem pouco mais de um minuto de duração, gerou uma onda de comentários críticos nas redes sociais. Os usuários da rede social usaram hashtags no Twitter para atacar a loja.

A Universa, Luke afirma que não separar os brinquedos ou brincadeiras por gênero pode ajudar no desenvolvimento infantil.

"Eles falam 'não mexam com nossas crianças'. O que estamos mexendo? Fazer com que as crianças tenham respeito por todos, não criando qualquer tipo de ódio, de diferença, de distinção? Estamos colaborando para que as crianças se desenvolvam com mais respeito e educação, com olhar de atenção ao próximo."

O influenciador afirma que não se sentiu atingido pelos comentários conservadores, já que as brincadeiras sem gênero são apenas "brincadeiras de criança". "Jamais vamos nos calar. As crianças precisam entender a diversidade, a inclusão."

Passo para trás

O escritor e educador Thiago Queiroz, o Paizinho Vírgula, ressaltou a importância de posicionamentos como o da Ri Happy serem genuínos. Para ele, apagar o conteúdo foi um "passo para trás".

As marcas precisam decidir se são aliadas ou não de determinadas causas. Quando uma marca faz uma campanha dessas, promove conversas tão importantes quanto essas e, de repente, decide dar um passo para trás, isso pega mal.

Thiago destacou também a importância de "bater na tecla" contra a diferenciação entre "brinquedos de menina e menino", já que é no ato de brincar que a criança experimenta o mundo e desenvolve novas habilidades.

O educador ressalta que a limitação dos brinquedos por gênero também limita as experiências e a capacidades das crianças. Por exemplo, o ato de cuidar pode ser desenvolvido ao brincar de casinha e boneca, de acordo com Thiago.

"Essa aptidão de olhar para o outro, desenvolver essa visão empática, de cuidado e de afeto, isso não vai ser explorado pelos meninos [caso sejam limitados]. Já vemos hoje como é difícil o mundo em que homens não se importam com os outros, não têm empatia e não cuidam desde a infância."

Precisamos muito mostrar desde criança que elas podem ser o que quiserem. Que podem brincar de skate, ser jogadores de futebol, guerreiras ou aventureiras. Quando só damos bonecas para uma menina, também estamos limitando toda a gama de possibilidades que ela pode interpretar e viver no seu mundo de imaginação.

Ferramenta de desconstrução

A procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo e associada ao movimento Mães pela Diversidade, Luciene Angélica Mendes, explica que, por muito tempo, os brinquedos foram usados como ferramenta para reforçar o papel de mulheres e homens desde a infância. Para Luciene, eles, agora, podem ser usados para a desconstrução.

"Na medida em que explicamos para as crianças que elas podem brincar com o que quiserem, estamos mostrando a elas que podem ser o que quiserem, que não há limites para sonhos em função de gênero."

Ela reforça que a Constituição e o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente prevêem o pleno desenvolvimento físico, emocional, intelectual, espiritual e social. Luciene aponta como "equivocada" a retirada do vídeo.

"A atitude de tirar esse vídeo do ar cede a uma pressão ilegal, ilegítima e deixa efetivamente de fazer um papel educativo importante."