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Camiseta irônica, Juma 'nua': curiosidades sobre o figurino de 'Pantanal'

Jove (Jesuita Barbosa), Juma (Alanis Guillen) e Tadeu (José Loreto) em cena de "Pantanal" - Globo/João Miguel Júnior
Jove (Jesuita Barbosa), Juma (Alanis Guillen) e Tadeu (José Loreto) em cena de "Pantanal" Imagem: Globo/João Miguel Júnior

Mariana Gonzalez

De Universa, em São Paulo

06/05/2022 04h00

Cento e setenta caixas de roupa, sapatos e acessórios, boa parte deles desbotados propositalmente com água sanitária, foram enviadas para Mato Grosso do Sul no ano passado para a primeira leva de gravações da novela "Pantanal", da Globo. Agora, o elenco volta à região para gravar a reta final da trama. "Para essa viagem, que é mais curta, foram só 90 caixas", conta a figurinista Marie Salles, responsável pelo estilo de todos os personagens, desde o hipster Jove ao peão Tadeu e à dona de casa recatada Maria Bruaca.

"O texto é o mesmo [da novela de 1990] e a gente tem que homenagear toda a atmosfera da primeira versão. Eu vi a novela inteira e adaptei algumas coisas, claro, porque são 30 anos de diferença, mas a essência está ali. As formas do Velho do Rio, da Juma, do Zé Leôncio são as mesmas, eles são os mesmos", fala.

Marie, que tem mais de 25 anos anos de figurino na Globo e passou duas semanas no Pantanal antes mesmo da chegada dos atores, conta que se inspirou nas cores do lugar para compor os figurinos: Juma é o pôr do sol, Filó as cores dos ipês, Joventino o amanhecer, Zé Leôncio a terra.

Nesta entrevista, concedida a Universa pouco antes de o elenco voltar ao local das gravações, ela fala sobre o processo de desgaste das roupas dos peões, para parecerem usadas, a escolha das camisetas inusitadas de Jove e Guta. Também conta como Alanis Guillen grava descalça sem machucar os pés.

Conheça outras curiosidades por trás do figurino de "Pantanal".

Jove: camisetas debochadas e jeito 'meninão'

Jove (Jesuita Barbosa) e José Leôncio (Marcos Palmeira) - Globo/João Miguel Júnior - Globo/João Miguel Júnior
Imagem: Globo/João Miguel Júnior
Jove (Jesuita Barbosa) - Globo/João Miguel Júnior - Globo/João Miguel Júnior
Imagem: Globo/João Miguel Júnior

Talvez um dos personagens com figurino mais polêmico, o moderninho Jove chega ao Pantanal para conhecer o pai —o peão Zé Leôncio, bastante conservador— usando brincos, tênis coloridos e camisetas com estampas "meio debochadas, irônicas", como descreve Marie Salles: filmes de ficção científica, sátiras políticas e momentos históricos, como o movimento de maio de 1968, na França.

No Twitter, não falta quem compare o visual dele ao dos cantores Harry Styles e Tiago Iorc e do personagem Elio, do filme "Me Chame Pelo Seu Nome'' (2014), interpretado por Timothée Chalamet.

"O Jove é um menino carioca, que frequenta Botafogo. Para quem não é do Rio de Janeiro, é um bairro boêmio, equivalente à Vila Madalena, em São Paulo, ou ao Soho, em Nova York", explica Marie.

"Ele tem quase 30 anos, várias questões com uma mãe opressora que mente para ele, um pai ausente e, por isso, as roupas não imprimem a idade que ele tem, porque psicologicamente ainda é um meninão, não amadureceu".

Marie completa: "Além disso, o visual mostra certa fragilidade, estranhamento —ele é um estranho mesmo, não está totalmente inserido no ambiente da família, no Rio de Janeiro, nem no Pantanal. O figurino tem justamente essa função: ajudar o ator a contar a história do personagem".

Guta: corpo à mostra e acessórios com personalidade

Guta (Julia Dalavia) em Pantanal - Divulgação/Globo/João Miguel Júnior - Divulgação/Globo/João Miguel Júnior
Imagem: Divulgação/Globo/João Miguel Júnior
Guta (Julia Dalavia) em Pantanal - Globo/João Miguel Júnior - Globo/João Miguel Júnior
Imagem: Globo/João Miguel Júnior

Embora também seja uma personagem urbana que acaba de chegar ao pantanal, Guta, ao contrário de Jove, "é uma mulher resolvida, decidida, empoderada", resume a figurinista.

Por viver há anos em São Paulo, onde estudou para ser engenheira civil, Guta usa camisetas que poderiam ser compradas na Galeria do Rock ou na rua Augusta, ambos na região central da cidade —a maioria delas com as mangas cortadas ou a barra reduzida, para mostrar parte da barriga, e aparência levemente gasta.

Fora as camisetas descoladas, como uma com a estampa do CBGB, famosa casa de shows em Nova York que fechou as portas em 2006, o figurino de Guta mostra a atitude da personagem, especialmente no que diz respeito aos direitos das mulheres: diferente das mulheres que vivem no Pantanal, ela usa shorts curtos, croppeds, camisetas com a lateral rasgada e outras peças que mostram o corpo —o que já foi motivo de comentários críticos e assédio dos homens da região, ao que ela responde sempre firme, deixando claro que nada disso é um convite.

Brinco Guta Pantanal - Reprodução/Globoplay - Reprodução/Globoplay
Imagem: Reprodução/Globoplay
Guta (Julia Dalavia) em Pantanal - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Imagem: Reprodução/Instagram

O que também chama atenção são os acessórios: braceletes prateados, brincos com encaixes diferentes, tudo com muita personalidade e encaixes diferentes inspirados na primeira Guta, de 1990, interpretada por Luciene Adami.

Tadeu: peão faz referência a 'Rei do Gado'

Outro personagem que veste referências é Tadeu. O peão apareceu usando uma camisa de botões da marca fictícia Mezenga's, uma referência a Bruno Mezenga, personagem vivido por Antonio Fagundes na novela "O Rei do Gado", de 1996.

Marie Salles explica que, antes de as gravações de "Pantanal" começarem, ela passou duas semanas em pesquisa no interior de Mato Grosso do Sul e percebeu que era comum entre os peões usar camisas com logotipos de marcas bem visíveis.

"Percebi que eles usam muito, em rodeios, camisas com nome das marcas bordado, mas eu não posso colocar marcas de lojas assim de forma tão ostensiva no figurino, por isso criamos Mezenga's, em homenagem ao Benedito Ruy Barbosa, autor da primeira versão de 'Pantanal' e também de 'O Rei do Gado'", explica a figurinista, cujo primeiro trabalho na Globo foi justamente "O Rei do Gado", em que trabalhou como assistente de figurino.

Essa não é a primeira vez que Marie coloca uma brincadeira no figurino de suas novelas: ela também foi a responsável por vestir Sandro, de "Amor de Mãe" (2019), com uma camiseta do Divino Futebol Clube, time de futebol fictício dos personagens de "Avenida Brasil" (2012).

Madeleine: a moda dos anos 1990 e 2000

Bruna Linzmeyer, a Madeleine de 'Pantanal': medo de ariranha - João Miguel Jr./Rede Globo/Divulgação - João Miguel Jr./Rede Globo/Divulgação
Imagem: João Miguel Jr./Rede Globo/Divulgação
Madeleine (Karine Teles) em Pantanal - Globo/João Miguel Júnior - Globo/João Miguel Júnior
Imagem: Globo/João Miguel Júnior

Na fase atual, Madeleine é "uma mulher moderna, com muito bom gosto, que usa looks monocromáticos, muito preto e branco, mangas amplas, tudo muito chique", fala Marie Salles. Mas a personagem é uma fashionista desde a primeira fase, mais de 20 anos antes.

A primeira Madeleine, interpretada por Bruna Linzmeyer, é um ícone dos anos 1990, com muito preto, jaquetas de couro largas, saias bem curtas, cabelo armado e salto fininho, tudo inspirado em Cindy Lauper, Julia Roberts, Alexia Dechamps e personagens de novelas importantes da época, como a Alice de Cláudia Abreu, em "Pátria Minha" (1994).

Madeleina na primeira fase, Bruna Linzmeyer - Globo/João Miguel Júnior - Globo/João Miguel Júnior
Imagem: Globo/João Miguel Júnior
Madeleina na primeira fase, Bruna Linzmeyer - Globo/João Miguel Júnior - Globo/João Miguel Júnior
Imagem: Globo/João Miguel Júnior

"Usei referências de novelas porque, nos anos 1990, as tendências de moda vinham da televisão. Foi dessa fonte que eu bebi para criar a primeira Madeleine".

Juma: roupas deixam a personagem 'nua'

A mocinha da novela foi, de longe, a personagem mais desafiadora para a figurinista de "Pantanal". Isso porque, para Marie, Juma deveria estar nua.

"Quando pensava em como seria essa Juma, eu não imaginava roupas. Por ser muito livre, viver descalça, isolada na natureza, imaginava que a personagem deveria estar nua", fala. A solução foi montar o figurino de Juma com peças leves, transparentes e de cores muito próximas ao tom da pele da atriz, Alanis Guillen.

Uma curiosidade: nas gravações, Alanis usa sapatilhas de silicone para parecer que Juma está descalça mas sem machucar os pés.

Juma (Alanis Guillen) em Pantanal - Globo/João Miguel Júnior - Globo/João Miguel Júnior
Imagem: Globo/João Miguel Júnior

As peças da personagem passaram por alguns tratamentos com água sanitária para ter cores bem desbotadas e uma aparência gasta, esgarçada. "Se você visse as roupas dela no cabide... São trapos", fala a figurinista.

Esse processo de "gastar" peças de roupa também foi necessário para montar o figurino dos peões: botas, camisas e chapéus foram descascados e desbotados para parecerem usados.

Tenório e Maria Bruaca: os favoritos da figurinista

Tenório (Murilo Benício), Maria Bruaca (Isabel Teixeira) e Guta (Julia Dalavia) - Divulgação/Globo/Fabio Rocha - Divulgação/Globo/Fabio Rocha
Imagem: Divulgação/Globo/Fabio Rocha

O casal formado pelos atores Murilo Benício e Isabel Teixeira são os personagens queridinhos da figurinista. Ela conta que não foi fácil caracterizar o vilão e a esposa, uma mulher submissa, sem deixá-los caricatos.

"O Tenório é um caçador, um criminoso, mas além disso é mau-caráter, não tem escrúpulos, não sabe diferenciar o bem e o mal", descreve. Por isso, aparece sempre com peças escuras e usa um cinto cujo fecho tem o formato de um arame farpado. O boné e os óculos mais urbanos e que destoam dos chapéus dos peões mostram que ele vem de fora da região e não é comprometido com os valores de proteção à natureza do Pantanal.

Maria Bruaca, por sua vez, se mostra uma dona de casa submissa, recatada e obediente ao marido, mas logo se revelará uma mulher com vontade própria e desejos sexuais: "Eu amo que ela é apagada, usa vestidos fechados, mas é por dentro é fogosa", fala Marie, que adianta que, logo mais, a personagem vai aparecer usando lingeries sensuais e com cores fortes, um visual que mostrará outra camada de sua personalidade.