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Em bar de Santos (SP), mulher trans relata cobrança de comanda masculina

Milena Augusta da Silva desabafou no Instagram sobre episódio de transfobia que sofreu em bar, em Santos, litoral paulista - Arquivo pessoal
Milena Augusta da Silva desabafou no Instagram sobre episódio de transfobia que sofreu em bar, em Santos, litoral paulista Imagem: Arquivo pessoal

Nathália Geraldo

De Universa

09/01/2022 11h32

Milena Augusta da Silva, que é uma mulher trans, voltou à sua cidade natal, Santos, no litoral paulista, no começo deste ano para fazer o processo de troca pelo nome social nos documentos de identidade — um direito garantido a pessoas trans— e se recuperar de uma cirurgia de redesignação sexual que fez há três meses. Ela mora em Palermo, na Itália, e veio ficar perto de amigos e familiares.

Na última quarta-feira (5), foi a um bar da cidade com mais dois amigos. Lá, conta, sofreu um episódio de transfobia por parte da funcionária do local. Ao receber o RG de Milena, em que ainda consta o nome designado quando ela nasceu, portanto, masculino, a atendente afirmou que a mulher deveria pagar o "valor para homem". O estabelecimento cobrava R$ 15 na comanda feminina e R$ 30, na masculina.

No Instagram, Milena fez um desabafo sobre o episódio. O "Six Sports Bar", onde aconteceu a situação, também usou a rede social para emitir uma carta aberta aos frequentadores (leia ao final desta matéria), afirmando que a questão foi resolvida na hora entre a funcionária e Milena.

Mulher trans relata transfobia em bar

milena - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Milena Augusta da Silva fez vídeo e publicou no Instagram depois do ocorrido; o bar também emitiu nota oficial na rede social
Imagem: Arquivo pessoal

"Falei para meu amigo que não estava acreditando que estava passando por aquilo. Tive a reação na hora, perguntei a ela: 'O que você está vendo aqui na sua frente?'. Ela respondeu: 'Uma mulher, mas no seu documento consta que você é um homem", relatou Milena para Universa. "Depois, ela disse que deveria seguir a ordem da casa e que cobraria como homem. Ou seja, me atacou de novo".

Ela conta que após a conversa, a funcionária pediu desculpas pelo constrangimento e informou que ela seria cobrada pelo valor estipulado a mulheres. Milena disse que resolveu ficar no bar, mesmo tendo chorado e enviado uma mensagem para a irmã relatando estar "arrasada", para não acabar com a noite dos amigos. Ela afirma não saber se houve a alteração do valor, porque não veio descrito em sua conta final da noite.

"Não tive nenhum problema com outros funcionários, foram simpáticos com a gente, mas fiquei a noite toda me perguntando se eu é que estava errada. Viajo com meu passaporte sem ter colocado o nome social ainda, mas nunca passei por isso, dentro e fora do Brasil. Me identifico como Milena e nunca aconteceu isso".

"Estou em uma fase feliz da minha vida, e isso aconteceu"

Milena diz que nos últimos dois anos tem feito seu processo de transição de gênero, que incluiu hormonização, acompanhada por médicos e profissionais da psicologia e da psiquiatria, feminização facial, cirurgia de implante de silicone nos seios. Mais recentemente, ela fez a cirurgia de redesignação sexual. "Sempre fui assumida, mas muito discreta. Estou há oito anos na Itália, sou casada lá, e comecei a transicionar há dois anos", conta.

"Estou na fase mais feliz da minha vida, realizada, me sentindo livre, ao mesmo tempo em que estou mais debilitada emocionalmente, porque a cirurgia é algo muito invasivo. E aí, isso acontece".

Para ela, os comentários transfóbicos e a "confusão" criada por algumas pessoas para reconhecer a identidade de gênero do outro partem de preconceito e, por vezes, falta de conhecimento sobre o tema. "As pessoas não sabem lidar com quem é trans. Depois, fiquei pensando se deveria fazer o vídeo no Instagram. Fiz, porque entendi que talvez muita gente precisasse aprender com ele".

Milena diz que permanece no Brasil até março, aguardando o processo de troca do nome social na identidade.

O que disse o bar

No Instagram, o Six Sports Bar emitiu uma nota pública sobre o episódio. Alguns seguidores ponderaram que o estabelecimento errou ao mencionar a palavra "ideologia" no lugar de "identidade". Identidade de gênero é o modo como cada indivíduo se identifica, e que pode ou não corresponder ao sexo atribuído no nascimento.

Parte dos seguidores também comentou sobre a cobrança diferente de couvert para homens e mulheres praticada pelo bar. Desde 2017, há uma orientação do Ministério da Justiça que veta a diferenciação, considerada uma prática abusiva e que desprestigia sobretudo as mulheres.

Universa entrou em contato por WhatsApp com o bar e, caso haja retorno, a matéria será atualizada. Leia o posicionamento completo do estabelecimento:

Carta aberta e de esclarecimento ao público:

O Six Sport Bar, empresa prestadora de serviços na cidade de Santos/SP, vem pela presente, manifestar-se de forma pública, principalmente, objetivando dar a devida transparência visando esclarecer o ocorrido em nosso estabelecimento, em especial, quanto a confusão que envolveu identidade de gênero, a fim de evitar ou, no mínimo, mitigar, possíveis interpretações de terceiros, que não coincidam com os fatos, quiçá! Com a nossa política de relacionamento e atendimento ao público, passando a expor o quanto segue;

Em evento realizado na data do dia 05/01/2022 do corrente, uma consumidora entregou aos funcionários desta casa sua documentação civil para cadastro e ingresso em nosso estabelecimento.

Ocorre que, nossos funcionários responsáveis pelo preenchimento dos dados cadastrais, efetuaram tal preenchimento com base na indigitada documentação civil que lhes foi apresentada, inclusive, sem que se fizesse nenhuma ressalva neste momento pela consumidora em questão.

Ainda nesta esteira, em que pese no documento de registro geral da nossa consumidora, ser atribuído a esta o gênero masculino, tal atribuição não corresponde com sua ideologia, fato que gerou toda a confusão.

Contudo, ao serem questionados pela consumidora, nossos sempre atentos e prestativos funcionários, imediatamente, desculparam-se pelo ocorrido e, ato contínuo, atribuíram o gênero correto ao cadastro da nossa cliente, resolvendo-se a questão na hora, sem maiores problemas, afinal, hodiernamente, sabemos que a vontade e o íntimo do ser humano é que devem se sobrepor a quaisquer documentações, sejam estas quais forem, mormente, no que tange a escolha de seu gênero e nome social.

Assim, a fim de esclarecer ao nosso público em geral e evitar maiores desdobramentos quanto ao ocorrido, vimos por esta declaração, afirmar que esta empresa nunca fez, não faz e nem nunca fará, qualquer diferença quanto a ideologias de gênero, cor, etnia ou alguma outra que seja, afinal, tratamos o ser humano pelo que ele é, por como se vê e se sente, respeitando a todos, de forma igual, como deve ser feito.