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"Seria mais feliz bissexual": o que há de bifobia na fala de ex-BBB Ivy?

Ivy Moraes, ex-BBB, fala de fim de relacionamento e possibilidade de ser bi - Reprodução/Instagram@ivymoraes
Ivy Moraes, ex-BBB, fala de fim de relacionamento e possibilidade de ser bi Imagem: Reprodução/Instagram@ivymoraes

Nathália Geraldo

De Universa

28/04/2021 04h00

"Infelizmente, sou heterossexual". "Queria ser lésbica". "Se eu fosse bissexual e ficasse com mulheres, seria mais feliz". Se você já ouviu ou mesmo falou essas frases em resposta a mais uma decepção amorosa ao se relacionar com homens, duas mulheres que se identificam como bissexuais, entrevistadas para esta matéria, têm uma mensagem para você: apesar do tom de brincadeira, o conteúdo pode ser considerado bifóbico e machista — sim, dois pensamentos preconceituosos ao mesmo tempo.

Recentemente, a última declaração foi reproduzida pela ex-BBB Ivy Moraes. Ela terminou um casamento após descobrir traição e falou sobre o tema a um podcast, o "Papagaio Falante", apresentado por Sérgio Mallandro e Luiz França. "Talvez eu seria mais feliz se fosse bissexual. Homem dá muito trabalho. Sou muito hétero, meu erro é esse. Nunca fiquei com mulheres, tenho muita certeza do que eu gosto."

A seguir, a co-criadora do podcast Biscoito, que fala sobre o tema, Tatiany Leite e a administradora da página Universo Bissexual no Instagram Larissa Hellena Guimarães comentam sobre o estereótipo que o "B" da sigla LGBTQIA+ carrega e por que essas falas são problemáticas.

Ser bissexual: os estereótipos ligados à orientação sexual

Associadas a estereótipos de comportamento ligados à promiscuidade e à infidelidade, pessoas bissexuais, ou seja, que se relacionam com pessoas independentemente do gênero, são frequentemente invisibilizadas ou têm a sexualidade colocada em xeque. A bifobia, no entanto, não se reduz a isso. Quando mulheres heterossexuais falam que gostariam de ser bissexuais porque se frustraram com relações com homens, a opressão a pessoas bi também entra em jogo.

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Tatiany Leite, que é podcaster no "Biscoito", fala sobre ser bissexual e comentários bifóbicos
Imagem: Arquivo pessoal

"É um dos maiores estereótipos, ao lado do que diz que todo bi é safado. E isso tem a ver com a maneira com que lidamos com a sexualidade e com a mulher. As duas coisas são tabus, e piora quando estão juntas", avalia Tatiany, que também tem o projeto Vá Ler um Livro, que divulga literatura nas redes sociais.

"Aí há as falas como a da Ivy, que ajudam a propagar que a bissexualidade pode ajudar com a questão de não ser bem tratada pelo homem. Isso é uma falácia. Mesmo porque tem gente tosca de todos os gêneros", brinca. A podcaster ressalta que nem sempre a mulher que reproduz esse discurso tem a intenção de atingir bissexuais. "Nem sempre a pessoa fala maldosamente. Tenho certeza de que Ivy não falou. Mas, foi bifóbico."

Para ela, a segurança que mulheres projetam caso se relacionassem com mulheres acaba reforçando não só a bifobia, mas também o machismo. "Parte de uma ideia de que a mulher vai ser fofa, de que se envolver com mulheres não fará você sofrer. Só que se você se relaciona com alguém que não é bem resolvida, isso pode acontecer também."

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Larissa Hellena é administradora do perfil Universo Bissexual, ao lado do irmão, Jean Rodrigues
Imagem: Arquivo pessoal

Para Larissa Hellena, que divulga informações sobre bissexualidade no perfil Universo Bissexual no Instagram, tratar os relacionamentos entre mulheres como uma possibilidade em tom de brincadeira, "já que com homem não dá certo", escancara a falta de informação sobre a vivência da bissexualidade.

"É um desconhecimento. Ao mesmo tempo, é oprimir as pessoas que são bissexuais, ironizar uma coisa que é real, que é a sexualidade e a identidade de alguém". Ela destaca que ser bi, assim, é sentir atração por homens e mulheres, mas não relacionado ao fato de que uma pessoa de um gênero ou de outro de desapontou em alguma relação. "É poder amar os dois, mesmo que isso traga decepções."

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A estudante de Ciências Sociais Amanda Trovão critica o fato de acharem que bissexualidade é "transitória"
Imagem: Arquivo pessoal

A artista, estudante de Ciências Sociais e educadora popular Amanda Trovão acredita que a fala de Ivy tem origem no senso comum de que "a bissexualidade é algo transitório". "Pensam que você pode 'virar' bissexual depois de uma decepção. Mas, ignoram as opressões e a bifobia que sofremos", avalia.

"Sem contar que veem nossa sexualidade como se nossa vida fosse uma festa constante, pegando todo mundo... Mas, na real, a bissexualidade também é marcada por muitas violências e estereótipos negativos."

"Ideia reforça performance de feminilidade", diz podcaster

Tatiany destaca que a percepção de que mulheres heterossexuais seriam mais felizes ou teriam menos problemas se tivessem envolvimento com mulheres também é um dos fios que "reforça a ideia da performance de feminilidade". Mas, não para por aí. "É uma linha de raciocínio que está no mesmo balaio do 'Você precisa de um homem', que algumas ouvem", pontua.

A administradora do Universo Bissexual conclui que o pensamento reflete ainda a forma com que homens e mulheres se predispõem para seus parceiros na vida afetiva. "É muito comum pessoas bi falarem que preferem se relacionar com mulheres, porque temos a tendência de ser mais maduras, de ter mais responsabilidade com os sentimentos. E isso só não é comum aos homens porque vivemos em uma sociedade machista."