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Como conversar com um machista: autora dá 6 dicas para agir no trabalho

Maytê Carvalho é comunicóloga e professora - Pedro Tomé/Casa do Saber
Maytê Carvalho é comunicóloga e professora Imagem: Pedro Tomé/Casa do Saber

Mariana Gonzalez

De Universa

16/03/2021 04h00

Você provavelmente já ouviu afirmações como "mulher não sabe dirigir" ou "mulher não se dá bem no financeiro". Sim, é 2021, mas essas afirmações ainda são comuns, especialmente no ambiente de trabalho.

Para a comunicóloga Maytê Carvalho, autora do livro "Persuasão: Como usar a retórica e a comunicação persuasiva na sua vida pessoal e profissional" (editora Buzz, 2020), é possível ajudar a eliminar essas falas do vocabulário de homens e mulheres usando uma única ferramenta: a comunicação. Ela também dará um curso na Casa do Saber em que discute persuasão e oratória.

"Essas falas nos acompanham desde a infância e, por isso, a gente cresce com esses conceitos enraizados. Mas é importante que a gente desconstrua isso — não só falas machistas, mas as que perpetuam estereótipos xenófobos, racistas e homofóbicos também", afirma.

"Não é porque o machismo é estrutural que não tem nada que a gente possa fazer. Pelo contrário: é possível desenvolver uma comunicação ativa, que ajude a combater o machismo"

A Universa, a comunicóloga explica que não é difícil identificar machismo ou abusos na fala de alguém, mesmo quando aparece de forma sutil, velada.

"Uma afirmação machista não coloca as mesmas premissas para homens e mulheres, ou seja, reforça a desigualdade entre os gêneros. Podem ser falas que diminuem aspectos tidos como femininos, como 'isso é coisa de mulherzinha' ou 'fala que nem homem', ou conceitos que generalizam as mulheres e são repetidos sem nenhum fundamento, como 'mulher não sabe dirigir', ou 'mulheres precisam escolher entre a carreira e o casamento'."

"Machismo me deixava desconfortável, mas não sabia nomear"

Para Maytê, crescer ouvindo frases de cunho machista gera uma série de consequências negativas para as mulheres na vida adulta, como falta de confiança e síndrome da impostora. "Isso faz com que a gente se torne menos vigilante em relação a dinâmicas abusivas. A violência se torna natural", afirma. "Faz com que, de alguma forma, a gente acredite que precisa da validação do outro para ter valor."

Hoje, Maytê é diretora de estratégias de uma agência de publicidade em Los Angeles, responsável por ações de marketing de marcas multinacionais, como Apple e Disney. Mas, conta, enfrentou episódios machistas durante toda a carreira, sobretudo no início.

"Eu comecei a trabalhar muito cedo. Me sentia desconfortável, mas não sabia nomear. Quando acontecia, pensava 'putz, acho que é por conta da minha idade'. Achava que quando fizesse 30 ia mudar, mas não mudou, ouvia determinados comentários por ser mulher mesmo."

"Quando [o machismo] acontecia, pensava ser por conta da minha idade, mas amadureci e nada mudou", lembra - Pedro Tomé/Casa do Saber - Pedro Tomé/Casa do Saber
Maytê é diretora em uma agência de publicidade nos EUA e trabalha com multinacionais como Apple e Disney
Imagem: Pedro Tomé/Casa do Saber

Ela diz que, nos Estados Unidos, onde mora hoje, um chefe ou recrutador de empresa não pode perguntar a idade de uma profissional e nem se ela tem ou pretende ter filhos — a prática ainda é recorrente no Brasil.

"Aqui, cansei de ouvir homens mais velhos perguntando minha idade para diminuir o meu trabalho ou a minha opinião. Quando era presidente de uma startup, possíveis investidores disseram claramente que eu deveria colocar um homem à frente do financeiro."

6 dicas para agir com eficiência contra falas machistas

Antes de ajudar Universa a elaborar um pequeno manual da comunicação antimachista, Maytê Carvalho faz uma ressalva: "Não são essas estratégias que vão mudar o mundo, salvar as mulheres da desigualdade de gênero. Para isso são necessárias mudanças mais estruturais, mas essas colocações machistas afetam nossa performance no trabalho. E é possível se posicionar contra isso".

1. Identifique o machismo nas falas

Muitas vezes o discurso é velado e o machismo aparece de forma sutil. Por isso, é preciso estar atenta para identificar as insinuações. Por exemplo, quando um chefe pede a sua opinião numa reunião de trabalho e fala coisas como "porque agora tem que ouvir as mulheres para tudo", ou "e aí, Fulana, você acha que as mulheres vão se interessar por isso?" Identificá-las é o primeiro passo para combater a violência.

2. Ajude o interlocutor a concluir que está sendo machista

Uma técnica de comunicação que ela indica muito é o espelhamento: diante de uma fala machista, você repete a afirmação em tom de pergunta, por duas ou três vezes, até o interlocutor perceber que a afirmação que ele fez não tem fundamento. Por exemplo, se a pessoa diz "nossa, você está estudando engenharia? Que diferente", você pergunta: "Diferente? Por quê?". E vai questionando algumas vezes até o interlocutor perceber o teor machista do que disse.

"Na terceira vez, ele vai estar assumindo a besteira que falou", conta Maytê. "Se logo na primeira fala você acusa o interlocutor de ser machista, você pode ser vista como louca, exagerada, e a crítica pode não surtir efeito."

3. Aprenda a se comunicar de forma não violenta

Comunicação não violenta: essa é a forma ideal de mostrar que você não está satisfeita com o modo com que um interlocutor se comunica. Basicamente, são dois fatores que merecem atenção: falar sobre seus sentimentos no lugar de acusar o interlocutor, dizendo, por exemplo "eu sinto que, falando assim, você não valoriza as mulheres da equipe" ao invés de dizer "sua fala é machista", ou "eu não me sinto confortável diante dessas afirmações"; e terminar com um pedido de mudança, como: "Você pode levar isso em consideração e mudar sua forma de expressar".

4. Denuncie e peça ajuda

No ambiente de trabalho, se nada for feito depois de colocar em prática as dicas 2 e 3, denuncie o caso ao RH da empresa. Nenhuma cultura organizacional deve tolerar um ambiente tóxico, que prejudique o desempenho das profissionais mulheres. Neste caso, é importante reunir provas, como e-mails e testemunhas, e usar a comunicação não violenta para comunicar ao RH o que está acontecendo.

"Utilize a razão, e tente não deixar a paixão transparecer", aconselha. "Eu sei que muitas vezes pode dar medo, ou porque a pessoa é muito querida na empresa ou porque tem um cargo de poder, mas o departamento de RH tem como missão proteger a saúde mental dos colaboradores", diz a especialista.

5. Observe suas próprias falas

Mulheres também podem fazer afirmações machistas. Entenda se as suas falas não estão reproduzindo estereótipos de gênero e fique atenta para eliminar essas expressões do vocabulário. Como? Da mesma forma com que você identifica o machismo na fala de um interlocutor: questionando se a declaração se aplica da mesma forma a homens e mulheres.

6. Não se cale

Por último, mas não menos importante: "Não deixe que insinuações machistas calem o que você tem a dizer", aconselha Maytê. "Continue falando, se expressando."

"Essas microviolências vão tirando a coragem da gente. Se te interromperem, retome a fala e siga falando. Combatendo o machismo pouco a pouco, principalmente no ambiente corporativo, a gente consegue ir mais longe"

Onde encontrar o livro da Maytê Carvalho:

"Persuasão: Como usar a retórica e a comunicação persuasiva na sua vida pessoal e profissional"

Preço: R$ 24,90

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