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"No mercado financeiro, você olha em volta e só vê homem", diz CEO da Spiti

Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

Marcelle Souza

Colaboração para Universa

18/11/2020 04h00

Foi em um churrasco com amigos que a executiva e analista financeira Luciana Seabra, 35, começou a se questionar: por que só os homens se aproximavam dela para discutir onde investir? O que estava por trás desse aparente desinteresse das mulheres sobre o tema? Ela decidiu investigar.

"As pesquisas mostram que, mesmo antes de estudar, os homens acham que já sabem sobre investimentos; as mulheres, não. A gente quer aprender antes de se jogar. Mas a distribuição dos perfis, conservador ou arrojado, é muito parecida entre homens e mulheres", diz a CEO da Spiti e autora do livro "Conversas com Gestores de Ações Brasileiros", editado pela Companhia das Letras.

A diferença de perfil ao lidar com dinheiro pode ser explicada, ao menos em parte, pela cultura que apresenta as áreas de exatas como masculinas. Outro problema comum às que superam essa primeira barreira é encontrar referências femininas nessa área. "Eu nunca sonhei em abrir uma empresa, eu não me via muito nessa posição, e eu acho que tem tudo a ver com a falta de referências femininas. No mercado financeiro, você olha em volta e só vê homem", diz Luciana.

Assim foi nas equipes em que trabalhou, nas reuniões e nos eventos com gestores de fundos de investimentos. No mestrado em economia na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), era a única mulher em uma turma de dez pessoas.

"Um dia eu estava na biblioteca estudando econometria, que era a matéria mais difícil para mim, e um colega se aproximou e disse: 'não sei porque ficar estudando isso, as mulheres são para as artes". O comentário virou um estímulo para a analista: "É claro que machuca, mas eu recebi como um desafio: esse cara nunca mais vai repetir isso. Terminei o semestre como a melhor da turma".

Aliás, ela diz que o argumento mais comum para a ausência de mulheres no mercado financeiro é a falta de profissionais especializadas. "Para mim, esse não foi um problema, choveram currículos e consegui montar uma equipe mista e bem diversa", diz.

Hoje, dos quatro setores de análise de investimentos da Spiti, três são liderados por mulheres.

Como ela abriu uma empresa com a XP

Depois de 3 anos na consultoria Empiricus como sócia e especialista em fundos de investimento, Luciana Seabra conta que foi procurada no ano passado por várias corretoras e fundos interessados em lançar suas próprias casas de análise. Assim nasceu a Spiti, fundada por ela em parceria com a XP.

Luciana, no entanto, tinha duas exigências: "Eu gosto de democratizar os investimentos e só trabalho com independência, quero poder recomendar os melhores produtos para o investidor, seja onde esteja", afirma.

Conhecida no mercado pelo didatismo e a informalidade com que discute fundos para pessoas físicas, Luciana diz que demorou a entender que estava preparada para fundar a sua própria empresa.

"Comecei a me questionar e procurei um coaching, mas todas as análises mostraram que eu estava totalmente pronta, só eu que não sabia", lembra. "Hoje vejo que vesti esse papel de executiva de forma muito mais natural do que imaginava", diz ela, que lidera uma equipe de 40 funcionários.

"O grande desafio é lidar com as expectativas, as minhas e as de um número grande de pessoas, uma equipe que te vê como referência, ao mesmo tempo em que você está soterrada no meio de várias burocracias e demandas."

Em seu perfil no Instagram, seguido por mais de 125 mil pessoas, o assunto é trabalho: dicas de livros, frases de estímulo, vídeos de análise sobre investimento.

Falar de investimentos na incerteza da pandemia

A receita da empresa é resultado da venda de relatórios preparados pelos analistas. A XP, sócia do negócio, entrou para ampliar o alcance por meio de ações de marketing e o investimento em tecnologia.

Em março, eles tiveram que lidar com a incerteza do mercado por conta da pandemia do novo coronavírus e, ao mesmo tempo, houve um aumento da demanda, porque as pessoas passaram a consumir mais lives e a estudar online.

O negócio é 100% digital, o que reduziu os impactos para a equipe, que passou a trabalhar e a gravar os vídeos de análise de casa, e facilitou o acesso pelos usuários em isolamento social.

"Sentimos uma ansiedade maior dos clientes nesse período, porque alguns estavam perdendo dinheiro, e sentimos a necessidade maior de uma conexão digital mais humana", diz a executiva.

Enquanto equilibra as demandas da nova realidade da empresa em meio à pandemia, Luciana diz que não se não esqueceu da inquietação que sentia ao discutir finanças com amigos no churrasco de domingo. "Estou escrevendo um livro sobre investimentos voltado para as mulheres", conta.