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Amor de quarentena: após 70 dias de namoro online, eles se viram ao vivo

Casal se aproximou após um comentário no Instagram - Acervo Pessoal
Casal se aproximou após um comentário no Instagram Imagem: Acervo Pessoal

Natália Eiras

Colaboração para Universa

27/07/2020 04h00

No dia 24 de abril, o pai do músico Gustavo Fagundes, 28, que tratava um linfoma, morreu em decorrência da covid-19. O artista fez, então, um post em seu Instagram falando do pai. Foi quando a roteirista e diretora Helô Oliveira, 33, mandou uma mensagem de pesar. Foi a primeira troca de mensagens do casal, que se conheceu e começou a namorar durante o isolamento social e que cuja história até virou música e videoclipe, também feito à distância, com casais em isolamento social.

"A gente começou a se seguir e não sabia bem o porquê", fala Gustavo para Universa. "Nunca tínhamos nos falado, mas naquele dia eu quis mandar uma mensagem", complementa Helô. Por conta do falecimento de seu pai, Gustavo havia recebido vários recados, que agradeceu no dia seguinte. "Não quis mandar apenas um 'obrigada' para ela. Mandei: 'por que tive a sorte de você falar comigo?', só que ela foi bem seca (risos), mas não desisti."

A mensagem de pesar acabou virando uma sequência de muitas trocas de directs no Instagram e, uma semana depois, um papo infinito no whatsApp. "Quando ele pediu o meu número, eu perguntei se ele tinha certeza disso porque sabia que era um caminho sem volta, a gente acabaria se falando mais, principalmente por vídeo e voz", fala Helô.

Amor 2.0

Para o casal, é difícil falar cronologicamente sobre o relacionamento. "Na quarentena, a gente perde total a noção do tempo", comenta a roteirista. Também nunca houve um pedido oficial de namoro. "Só brincava que queria falar 'eu te amo', mas achava f*** falar isso por whatsApp. Uma hora, no entanto, só deixei fluir", diz Gustavo. Porém, a história deles é um retrato do que é um relacionamento nos tempos atuais, com internet na mão e em isolamento social por conta da pandemia.

O primeiro "encontro" foi no dia 1 de maio, quando eles marcaram de "assistir um filme juntos". Virtualmente, é claro, porque ambos estavam de quarentena em suas respectivas cidades. Ela em São Paulo e ele no Rio de Janeiro. "Eu me arrumei todo para ficar em casa, minha família até perguntou se eu ia sair", conta Gustavo. "Mas aí liguei por vídeo e ela levou o maior susto". "Claro, eu achei que a gente só ia assistir o filme e comentar sobre por mensagens, não que você ia ligar a câmera. Eu estava de moletom, toda bagunçada", complementa Helô.

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No primeiro encontro virtual, o casal assistiu um filme 'junto", só que à distância: cada um deu play da sua casa.
Imagem: arquivo pessoal

Uma vez que as pessoas estão isoladas cada uma em sua casa, o envio de presente se tornou comum. Amigos mandam docinhos para os aniversariantes, filhos enviam flores para as mães. No caso de Gustavo e Helô, o músico pediu, no dia dos namorados, para um amigo que mora perto da casa de Helô comprar um melão (apelido carinhoso adotado como piada interna) no supermercado e escrever 'eu te amo'. "Ele não entendeu nada", ri Gustavo. A roteirista também custou a compreender o que estava acontecendo no dia: "Acordei com o interfone tocando e uma sacola com uma bola pesada na minha porta", ela conta. O presente ganhou uma sessão de fotos.

Olho nos olhos

Helô até tentava racionalizar tudo o que estava vivendo, mas desistiu. "Tem coisa que não dá para trazer para a razão, né?". Apesar de não se considerarem românticos, eles tentaram levar tudo com uma certa leveza — muito diferente de tudo o que estava acontecendo no mundo. Porém, sem perspectiva para que a crise melhorasse, a vontade de se ver começou a falar mais alto.

"A gente sabia que um dia teríamos que nos encontrar mas estava demorando demais para que toda a situação com a COVID melhorasse, então decidimos marcar uma data", narra Gustavo. O dia escolhido foi o 4 de julho, exatamente 70 dias depois que eles começaram a trocar mensagens pelo Instagram. "Eu não podia ficar fora de casa porque minha família precisava de mim aqui, por conta do falecimento do meu pai, então a chamei para vir para cá".

O músico pegou, então, o carro e dirigiu por cerca de seis horas até São Paulo para buscar Helô e vê-la pessoalmente pela primeira vez. "Foi muito louco, mas não fiquei pensando muito. Sabia que ia ser uma sensação engraçada, mas não fiquei nervoso porque sentia que já a conhecia há muitos anos."

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Depois de 70 dias namorando sem se conhecer pessoalmente, eles passaram 20 dias juntos
Imagem: arquivo pessoal

O primeiro encontro pessoalmente foi na frente da casa da roteirista. Ela colocou as malas no bagageiro e eles partiram de volta para o Rio de Janeiro. "Queremos deixar claro que fizemos tudo com muita responsabilidade e cuidado. Nós não saíamos de casa há muito tempo, porque não queríamos colocar ninguém em risco", diz Helô.

Os dois passaram 20 dias juntos. "Fui para ficar uma semana, mas meu voo foi cancelado e ficou sendo adiado", fala a roteirista. Ela retornou no último semana, depois de um dos seus gatos passar mal.

Amor, música e clipe de quarentena

Quando conheceu Helô, Gustavo estava compondo uma música, mas vinha tendo dificuldades em terminá-la. "Ainda mais com a morte do meu pai e tudo mais, então deixei isso um pouco de lado". Essa história de amor de quarentena acabou trazendo, no entanto, a inspiração de volta. "Consegui completar a canção e percebi que era exatamente sobre tudo o que estávamos vivendo". O músico lançou, no dia 17 de julho, a música "Escuta meu tom". A letra diz: "é difícil não chamar de amor." O mesmo dilema passado pelo artista no começo do relacionamento.



Helô foi a primeira a escutar a canção por videochamada e logo se envolveu no roteiro e na direção do videoclipe, também feito à distância com casais em isolamento social. "E mesmo que não estivéssemos em quarentena, faríamos o clipe assim porque gostaria de retratar como foi a nossa história também", afirma Gustavo.

Atualmente, depois dos 20 dias juntos, elas voltaram a ficar isolados, mas seguem perto por meio do whatsApp e das chamadas de vídeo. "A gente fica com saudade, porém criamos uma dinâmica que parece que estamos juntos. A internet ajuda muito com essa sensação", fala Helô.

Gustavo sabe que, uma hora ou outra, será sua vez de visitar a roteirista. "Uma hora eu vou para São Paulo, com certeza, porque já costumava ir por causa do trabalho", diz o músico. Ela percebe que, com seu trabalho em regime de home office, abriu possibilidades para a carreira dela e para o relacionamento dos dois. "Costumava falar com minhas amigas que queria morar no Rio e, quando estava lá, até vi uns apartamentos".

Ambos entendem, no entanto, que até a vacina sair, a situação deles vai ficar em suspenso. Mas não estão exatamente preocupados com isso. "É uma situação muito inusitada. Eu, que nunca usei nem o Tinder, não escolheria conhecer alguém de outra cidade, pelo Instagram, durante uma pandemia. Brinco que não fui eu que escolhi isso, mas meu pai, por tudo isso ter acontecido depois da partida dele. E ele sempre falava: 'quem disse que tudo tem que ser fácil?'", fala Gustavo.