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Como grupo terapêutico online me ajudou a lidar com a ansiedade na pandemia

Profissionais de saúde têm realizado grupos de conversa para que pessoas falem sobre medos e angústias causados pela pandemia - Getty Images
Profissionais de saúde têm realizado grupos de conversa para que pessoas falem sobre medos e angústias causados pela pandemia Imagem: Getty Images

Camila Brandalise

De Universa

18/06/2020 04h00

Não sei como as coisas estão para você, leitor, aí do outro lado da tela, nesses quase 90 dias de isolamento. Mas, para mim, a proximidade de bater essa marca —em São Paulo, a quarentena começou oficialmente em 24 de março— tem sido de uma angústia tremenda. Estava crente que, a exemplo da Europa, em três meses conseguiríamos sair de casa de novo. Mas, para o Brasil, especialistas vislumbram um cenário pior do que o europeu. Sem qualquer perspectiva, passei a ter sucessivas crises de ansiedade, cada vez mais intensas.

Segui a principal orientação dos profissionais de saúde mental e procurei ajuda. Vasculhando perfis no Instagram sobre psicologia e psicanálise, encontrei grupos terapêuticos online para falar sobre as agruras que temos enfrentado durante a pandemia. Participei de um desses grupos, em um encontro virtual na semana passada. Como a maioria dessas propostas, é conduzido por profissionais da área de saúde mental. Nesse caso, eram dois psicanalistas. Eles se apresentam como uma alternativa para lidar com um "momento angustiante". São gratuitos e oferecem encontros semanais. Não vou identificá-lo para manter o anonimato das pessoas, uma das exigências feitas a quem participa.

Meu nome é Camila e estou surtando

Os dois psicanalistas começam o encontro se apresentando e dizendo que os participantes podem falar o que quiserem durante uma hora e meia. Há outras duas pessoas buscando ajuda além de mim, um homem e uma mulher, entre 20 e 30 anos. Depois de um silêncio de dois minutos, pergunto se posso começar. "Sim, esse espaço é de vocês."

Em nenhum momento senti incômodo com a ideia de dividir detalhes tão pessoais com estranhos. Depois que uma amiga me perguntou se tive vergonha, comecei a pensar que, de fato, estava abrindo minha vida para pessoas que nunca vi antes. Mas minha vontade de ouvir gente que estava passando pelo mesmo que eu, para perceber que há um sofrimento coletivo e não está acontecendo só comigo, era tão grande que na hora não tive qualquer receio. Também me senti à vontade por ter dois profissionais presentes que passavam bastante confiança.

E aí a represa se abre: falo de como sou controladora, como gosto de tudo organizado e planejado, e como estava bem até agora, pensando que, depois de 90 dias, sairíamos de casa. Me enganei para conseguir lidar com o pânico: não há controle algum sobre o que está acontecendo. Agora, sem ter para onde correr, estou em desespero.

Entre os outros participantes, predominava também um sentimento de raiva pela flexibilização da quarentena e por ver tanta gente furando o isolamento. Não havia ninguém com pressa: depois que cada um falava, ficávamos alguns segundos em silêncio para, então, outra pessoa começar a falar. Fiquei tocada com o relato de um participante que dizia ter muito medo de se contaminar no mercado, voltar para a casa e passar o vírus para a mulher, em tratamento por causa de um câncer.

Falamos da dificuldade de não ter uma referência para se guiar: desde o começo, as orientações do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) contradiziam o próprio Ministério da Saúde. Cada um por si, nos apegamos à ideia de que, após um período de quarentena, a crise estaria resolvida. "Uma expectativa frustrada. E, como toda frustração, causa dor", diz a outra participante, ao mencionar o incômodo de ver pessoas furando o isolamento e colocando outras em risco, situação que vive na própria casa.

Dividimos uma sensação de revolta por termos feito nossa parte durante três meses, mas outras pessoas, não. Falo sobre uma certa inveja que sinto de quem consegue sair de casa para fazer qualquer coisa não essencial sem um mínimo de culpa. "Mas você gostaria de ser como ela? Eu prefiro bancar a angústia de estar isolada e continuar pensando no coletivo", diz uma integrante. E eu recupero um sentimento que, nos últimos dias, havia perdido.

Também aprendo com o grupo algumas técnicas que usam para conter crises de ansiedade: quando se percebem em meio a um emaranhado dos piores pensamentos possíveis, a dica é voltar para a realidade. Se for medo dos pais contraírem a doença, bom, eles estão na sala, vendo televisão, sem qualquer sintoma. Se o medo for em causa própria, a linha de pensamento é a mesma: não tenho sintoma, não há nenhuma evidência de que posso estar doente. Se for pela população que precisa de ajuda, volte seu pensamento a como ajudá-los. Se for pelo país, é, aí é preciso exercitar a falta de controle.

Não vamos, e nem devemos, esquecer

A conversa agora é sobre a aparente insensibilidade das pessoas em geral em relação ao número de mortes por covid-19. Já passaram das 40 mil, elevando o Brasil ao segundo lugar no ranking mundial de óbitos. "Parece que a gente não sente mais", digo. Ao mesmo tempo, comento que muitas pessoas falam desse medo da insensibilidade, o que significa que tem mais gente, além de nós, se preocupando com isso.

Concluímos que ainda vamos lidar com as consequências desse momento por muito tempo. O que é bom. "O melhor que a gente pode fazer por quem morreu é não esquecê-los", diz um dos integrantes. E concordamos que o desejo por mobilizações sociais deve surgir mais forte no mundo pós-pandemia.

Os psicanalistas faziam mais as vezes de mediadores, resumindo falas, pontuando temas e identificando sentimentos. De vez em quando, faziam observações sobre nossas falas — no meu caso, a palavra "controle" foi o que chamou a atenção.

Ansiedade dá um tempo

Três dias depois do encontro, sinto que falar e escutar completos estranhos com as mesmas angústias que eu foi como um bálsamo para a minha ansiedade. Um alívio. Ver alguns deles com problemas piores do que os meus e conseguindo encontrar certo equilíbrio mental me deu força e exemplo para continuar, de pouquinho em pouquinho. Quando sentia uma crise vindo, tentava me lembrar das estratégias que eles usavam. Funcionou.

No começo da quarentena, como disse no início, tinha a ideia de que em três meses o pior dos problemas, a disseminação descontrolada da doença, estaria resolvido. Por isso, aguentei bem e não senti necessidade de falar sobre as angústias do isolamento. Agora é diferente, e vou ter que lidar com medo, angústia e raiva, que estão fervilhando. Sabe-se lá por quanto tempo. Pelo menos, gente para me ouvir não falta.

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