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Empresa obriga pais a tirar licença de 21 dias: "Tinham vergonha", diz CEO

Andrea Avila, segunda da esq. para a dir, participa de painel em evento da ONU - Fabiana Correa/Universa
Andrea Avila, segunda da esq. para a dir, participa de painel em evento da ONU Imagem: Fabiana Correa/Universa

Fabiana Correa

Colaboração para Universa

09/10/2019 04h00

Virar para o chefe e dizer que precisa ficar em casa para cuidar do filho doente nem sempre é confortável para uma mulher. Para os homens, no entanto, pode ser algo meio vergonhoso. É o que conta Andrea Avila, presidente da filial da Randstad na Argentina, empresa global de serviços de recursos humanos, presente em 38 países. "Para nós, mulheres, é normal faltar para levar o filho doente ao médico, mas os homens têm preconceito de desempenhar esse papel", diz.

Para promover a mudança de mentalidade na empresa, a Randstad passou a oferecer uma licença-paternidade maior do que a garantida pela lei argentina, de apenas dois dias. No primeiro ano em que a empresa adotou nova política, ofereceu sete dias, mas menos de 10% dos novos pais pediram o benefício.

Depois, subiu para 14 dias, mas só 20% saíam. Então, a empresa resolveu radicalizar. Subiu para 21 dias e tornou a licença obrigatória. Aqui, a executiva conta um pouco mais sobre os resultados dessa mudança no cotidiano da companhia.

Andrea participou ontem de série de debates sobre o empoderamento econômico das mulheres e o papel das empresas com a igualdade de gênero no Fórum WEPs 2019. O evento acontece no âmbito do programa "Ganha-Ganha: Igualdade de gênero significa bons negócios", da ONU Mulheres e OIT (Organização Internacional do Trabalho).

A Universa, Andrea explicou os efeitos da ampliação da licença-paternidade sobre a equidade de gênero -e porque mulheres também tendem a ganhar com essa mudança no ambiente de trabalho. Leia a seguir trechos da conversa:

UNIVERSA: O que mudou na empresa depois que a licença-paternidade passou de 2 para 21 dias?

ANDREA AVILA: Num primeiro momento, não percebemos interesse dos homens. Quando eram 2 dias, apenas 7% dos homens tiravam [o benefício]. Em 2016, mudamos para 14 dias, mas só 20% dos papais saíam. Aí mudamos para 21 dias obrigatórios. E esse foi o início da mudança.

Ao serem proibidos de vir ao escritório, os pais perceberam o valor desse momento para suas vidas e a de suas famílias. E isso é uma quebra de paradigmas culturais. Eles passaram a ver a própria realidade com outras lentes. E, com isso, as redes internas da companhia se encheram de depoimentos de papais novos, homens que tiveram ou adotaram filhos, e isso cria um efeito multiplicador.

Outros homens passam a ver essa licença como algo valioso. Um homem que gosta da sua licença-paternidade tem um compromisso muito mais alto com a empresa, porque foi incentivado a viver esse lindo momento com sua família.

Como essa quebra de paradigmas se refletiu em outras áreas da Randstad?

Temos, há mais de dez anos, dias flexíveis para homens e mulheres. São dias em que você pode trabalhar menos horas ou trabalhar de casa quando tiver que cuidar de um filho doente ou acompanhá-lo no primeiro dia na escola.

Acontece que nós, mulheres, não temos vergonha de dizer que precisamos ficar em casa para cuidar de um bebê com febre.

Mas nos últimos dois anos, os homens começaram a se manifestar e a tirar seus dias flexíveis para dividir essas tarefas. Me parece que eles não têm mais vergonha de dizer que não irão ao escritório por causa dos filhos.

O que foi feito na sua empresa para diminuir essa "vergonha" masculina?

É muito importante trabalhar essa questão com os chefes. Não adianta só criar a política se o seu chefe não usa seus dias flexíveis para levar o filho ao médico ou se não tira a licença-paternidade. Se isso não acontece, ninguém abaixo dele vai adotar o benefício, ninguém vai contrariá-lo.

O mundo corporativo tem uma responsabilidade enorme de incentivar as mudanças, inclusive nas políticas públicas, para que se produzam leis que favoreçam a inclusão da mulher no mercado de trabalho e se gere igualdade.