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Dilma chama elite brasileira de golpista em Paris: "Bolsonaro é tosco"

Dilma Rousseff em conferência na Sorbonne  - Reprodução
Dilma Rousseff em conferência na Sorbonne Imagem: Reprodução

Elisa Duarte*

Colaboração para Universa

18/09/2019 14h09

Há menos de uma semana em Paris, Dilma Rousseff participou de seu segundo evento público na capital francesa na terça (17), na Universidade de Sorbonne. O primeiro compromisso foi uma palestra durante o festival Fête de L'Humanité, no último sábado (14).

Dessa vez, vestida com um blazer vermelho, a cor adotada para suas aparições na cidade, a ex-presidente chegou à sala do anfiteatro Richelieu, na Sorbonne, no início da noite para a conferência "Le Brésil est-il encore le pays du futur?" (O Brasil ainda é o país do futuro?). Para essa pergunta, Dilma respondeu: "Não existe um país do futuro que não tenha presente".

Mais cedo, ela se encontrou com o politico francês Jean-Luc Mélenchon para propagar campanha de solidariedade internacional pela libertação do ex-presidente Lula.

Ovacionada, Dilma se posicionou no centro do palco em silêncio, escutou os aplausos, saudou o público, fez o sinal de Lula Livre e sentou-se na segunda fileira do auditório para assistir o filme "Encantado, Le Brèsil Dèsechantè", do cineasta brasileiro Filipe Galvon. Logo na primeira fila, estava a filósofa Marcia Tiburi, que participa, no próximo sábado, 21, da inauguração do Jardin Marielle Franco, ao lado da Gare de l'Est, uma das principais estações ferroviárias de Paris.

Após o filme que narra fatos políticos do Brasil entre 2013 e 2018, Dilma voltou a ser o centro das atenções: relembrou os governos do Partidos dos Trabalhadores e afirmou que o investimento nos programas sociais foi uma das causas para o impeachment. As outras seriam as quatro vitórias consecutivas do PT à presidência. "Nosso governo não desregulamentou o mercado de trabalho, não privatizou nossas empresas de petróleo, de energia elétrica e sobretudo nós não desregulamentamos nosso território. A Amazônia é o coração do Brasil. A nossa soberania está ligada à Amazônia, como também está ligada às nossas empresas estatais e à nossa educação", afirmou.

"Um país protege o petróleo com o seu povo, com a sua soberania. Das 20 maiores empresas petrolíferas, 13 são estatais e ninguém querendo privatizar as 13. Isso é só no Brasil. A Petrobrás não pode ser privatizada. Nós não precisamos de tecnologia de ninguém, de recursos de ninguém, o petróleo é uma das únicas coisas do mundo que tem 100% de certeza de rentabilidade", concluiu.

Sobre o atual governo brasileiro, ela não mediu palavras: "O problema é que Bolsonaro não tem chip de moderação". Ela também chamou a elite brasileira de "golpista". "O golpe de 2016, a prisão do Lula e a destruição dos partidos de centro e de direita. Tudo isso com o apoio da mídia, das Forças Armadas, do mercado e de setores políticos, que achavam que seria possível controlá-lo", disse.

Dilma em seguida classificou Bolsonaro de neofascista. "Ele é neo porque ele não é nacionalista, ele bate continência para os Estados Unidos", afirmou. "Quando o neofascismo se junta com o neoliberalismo, é fundamental que o aspecto democrático seja ressaltado, porque é ele que cria a contradição. Porque eles [ela se refere aos apoiadores de Bolsonaro] passam a ter incômodo com o fato de ele ser tosco, com o fato de ele ser misógino".

Francês na ponta da língua

Durante seu discurso, Dilma mostrou que está cada vez mais familiarizada com a língua francesa. Atenta à tradução simultânea, ela chegou a acrescentar trechos que achava relevante em francês Quando a tradutora procurava palavras, por exemplo, para traduzir "engavetador geral da república", a plateia, formada em sua maioria por brasileiros radicados em Paris, também dava seus pitacos.

O negro e a mulher

Dilma Rousseff afirmou que não é possível fazer política de distribuição de renda e inclusão social sem tratar da questão do negro e da mulher — nesse ponto foi muito aplaudida pelo público presente na Universidade. "O Brasil é segundo maior país negro do mundo, só estamos atrás da Nigéria. O povo brasileiro é sobretudo negro. A classe média e a classe da elite é branca. O povo brasileiro é negro. É importante a gente saber que o nosso povo é produto de 300 anos de escravidão. E que a elite brasileira é também produto da escravidão. A classe média também. O controle violento da população é um traço da escravidão", afirmou.

Sobre a distribuição de renda via bolsa família, Dilma destacou a importância da mulher: "Não há política social no Brasil sem foco na mulher. Não é por uma razão feminista, é porque a mulher tem uma posição central na família brasileira". "É também porque é uma questão feminista", disse após uma pequena pausa arrancando aplausos do público majoritariamente feminino. "Não é possível fazer política sem distribuição de renda. O bolsa família era atribuído à mulher "porque ela não vai ao bar da esquina beber o bolsa família", agora estou citando o Lula. Se você quer fazer política na escala que fizemos, é necessário saber para quem se garante o recurso. O recurso tem que ser via família, e via família é via mulher".

O debate foi aberto pelo historiador e decano da Sorbonne Alain Tallon, que disse: "Todos os brasileiros e brasileiras são bem-vindos na Sorbonne, devido aos laços estreitos entre a França e o Brasil. Mas eu estou particularmente emocionado de acolher a mais ilustre cidadã deste país", disse, referindo-se a Dilma.

*com agências internacionais