Topo

Ciúme retroativo: conheça o mal que pode levar a relações abusivas

Getty Images
Imagem: Getty Images

Heloísa Noronha

Colaboração com Universa

03/01/2019 04h00

A desconfiança, na maior parte dos casos, só traz prejuízo às relações. Em se tratando de ciúme retroativo ou póstumo, os danos podem ser ainda mais perigosos. Se incomodar com o passado amoroso do parceiro, de acordo com especialistas, é uma agonia sem fim.

"O ciumento imagina que o par foi mais feliz do que é atualmente, ao seu lado, e isso o atormenta por considerar em sua imaginação que não está correspondendo às expectativas, o que o leva a sofrer com a ameaça da perda da exclusividade", descreve Joselene L. Alvim, psicóloga clínica de Presidente Prudente (SP) e especialista em Neuropsicologia pelo setor de Neurologia do HCFMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo). 

Esse tipo de ciúme pode correr uma relação, por vários motivos. Um deles, segundo Joselene, é o fato de a pessoa passar mais tempo perguntando sobre o (a) ex do par do que investindo no relacionamento.

"O ciumento fala tanto do passado que a relação, que deveria ser a dois, passa a ser a três. Daí o romance acaba não por falta de amor, mas porque quem é alvo de tanto questionamento e controle acaba se sentindo sufocado", explica.

A obsessão pelos detalhes, na opinião do psiquiatra Eduardo Ferreira-Santos, autor do livro "Ciúme - O Lado Amargo do Amor" (Ed. Ágora), acontece de forma crescente para os excessivamente ciumentos.

"Eles querem saber como era a antiga relação, de que que a pessoa gostava, se sente saudades e até mesmo detalhes de como era o sexo. O pior é que, por conta da baixa autoestima presente nesse comportamento, não acreditam nas respostas e infernizam a vida de quem está ao lado", comenta.

A fantasia tem grande peso nesse mecanismo, em especial para os homens. "Como eles são mais competitivos, principalmente em se tratando de performance sexual, imaginam coisas que não aconteceram de fato, ampliando o sofrimento", diz. 

Na opinião de Luiza Colmán, psicóloga especialista em temáticas ligadas ao amor e que atua em Goiânia (GO), o ciúme retroativo destrói porque se caracteriza por um problema que não tem como ser solucionado, porque não está no presente.

"E não há maneira de 'apagar' o passado, então são discussões sem fim sobre algo que não pode ser modificado e que não trazem nenhum resultado positivo para a vida a dois", conta.

O perigo das redes sociais e o risco do abuso

A internet e as redes sociais causaram novos desafios para os relacionamentos amorosos. A maneira de encarar o ciúme é um deles, porque a facilidade em vasculhar o passado de alguém acaba alimentando ainda mais as fantasias paranoicas do ciumento, que passa a interpretar sinais e situações a partir do que vê na rede.

"A exposição de fotos e os comentários, principalmente do passado, potencializam a imaginação e, consequentemente, o ciúme, já que é possível dar um sentido ambíguo para tudo ali. Até mesmo elogios carinhosos, sem nenhuma conotação ou intenção sexual, pode gerar suspeitas", diz Joselene.

Para Luiza, o ciúme intenso, independentemente se detonado pelo passado ou pelo presente, pode ser um gatilho para abusos ou agressividade, principalmente quando a pessoa ciumenta não consegue perceber suas próprias fantasias e as toma como realidade. "Se ela não sabe lidar com a raiva que vem com o ciúme, isso pode ser um grande problema para a saúde da relação", fala a psicóloga.

Segundo Joselene, a pessoa ciumenta tem a mania de controle como uma de suas principais características.

"A agressividade pode ser revelada e não algo que surge de repente. Justamente pela falta de controle da situação, o ciumento apela para a agressividade psicológica, menosprezando, ridicularizando e inferiorizando o outro, ou física, que são sinais de uma relação abusiva. E vale lembrar que, culturalmente, ainda há uma forte mensagem de que a mulher é objeto do homem, o que leva o sujeito ciumento a justificar seu comportamento agressivo como algo pertinente", alerta.

Encarando o problema

A pessoa que é alvo de ciúme deve, desde o início, aprender a colocar limites. "Caso contrário, quanto mais ceder aos caprichos e inseguranças do outro, mais ficará na mira das exigências. Então, é importante mostrar que algumas coisas são responsabilidade do outro e que, portanto, é ele quem precisa aprender a lidar com elas", observa Luiza. 

Para se livrar de tanta dor, o ciumento precisa compreender que quando conheceu aquela pessoa ela já tinha uma história, um passado, como qualquer outro ser humano.

"São tais experiências de vida, com erros e acertos, que compõem nosso jeito de ser e nossa trajetória até o momento presente. E que, inclusive, motivaram o interesse pela pessoa em questão. É importante, também, que o ciumento entenda que o controle é ilusório e que passar o tempo pensando em formas de exercê-lo é desperdiçar energia que poderia ser investida em sua autoestima, na autoconfiança e em boas vivências a dois, e não em discussões", declara Joselene.

Em casos mais extremos, em que há dificuldade de distinguir a realidade interna da realidade externa e de confiar em si e no outro, uma psicoterapia pode ser bem-vinda. Porém, pela experiência do psiquiatra Eduardo Ferreira-Santos, dependendo da intensidade da desconfiança e do ciúme do outro, o par deve repensar seriamente se vale a pena prosseguir com a relação.

"Embora muitos ciumentos justifiquem seu comportamento como sinal de zelo ou amor, na prática não é nada disso e a tendência é o quadro piorar com o tempo. Caia fora, pois algumas circunstâncias costumam apontar para o início de uma relação abusiva e até violenta", diz.