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Transtornos psicológicos em crianças: mães falam de descoberta e tratamento

Parte dos transtornos psicológicos tem origem genética - iStock
Parte dos transtornos psicológicos tem origem genética Imagem: iStock

Beatriz Santos e Carolina Prado

Colaboração para Universa

21/10/2018 04h00

Na infância, a dificuldade de identificar e falar sobre os próprios sentimentos atrapalha o diagnóstico de problemas como a depressão e a ansiedade. Em geral, esses transtornos começam a ser tratados quando já afetaram a vida da criança, prejudicando a socialização e o desempenho escolar. Daí a importância de conhecer os sintomas.

“Minha filha tinha sete anos quando começou a ficar muito agressiva. Na hora de tomar banho, ela se batia tanto que eu não conseguia controlar. Até que decidi parar de dar banho nela”, conta Juliana Pires*, dentista, de 39 anos. Ela viu o quadro piorar dia a dia, até que as reações agressivas da filha começaram a se alternar com períodos de isolamento.

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A mãe buscou ajuda na escola da criança, onde uma psicóloga foi indicada. Após as primeiras consultas, a filha foi diagnosticada com depressão e transtorno de ansiedade.

Virginia Gonzales Garcia, de 44 anos, gestora da área de análises clínicas, não desconfiou que a filha de 12 anos pudesse estar sofrendo de um problema psicológico até um médico do pronto-socorro onde a criança era regularmente atendida sugerir o aconselhamento com um profissional de saúde mental. “No início, a minha filha ouvia sobre alguma doença e já começava a sentir todos os sintomas dela. Eu a levava ao hospital e não descobriam nada. Depois, ela começou a se cortar”, diz Virginia.

As consultas com o psiquiatra indicaram sintomas de síndrome de borderline, quando momentos de estabilidade emocional se alternam com surtos psicóticos, gerando comportamentos descontrolados.

Entre os diversos transtornos existentes, os sintomas variam muito. Mas há alguns sinais comuns, que indicam que o quadro precisa ser avaliado, já que não se trata apenas de uma criança “difícil”. “A perda de interesse por atividades que antes a criança gostava de praticar, o isolamento social e familiar, a tristeza recorrente, a dificuldade de concentrar-se, o excesso ou a perda de apetite, as alterações do sono, os problemas com autoestima, a culpa, o medo e a falta de energia recorrentes devem ser entendidos como um alerta”, afirma Jussara Cavalcanti, psicóloga especializada em atendimento infantil.

Normalmente, o diagnóstico é clínico, não depende tanto da realização de exames. Por isso, o médico precisa estar muito bem informado e deve conhecer o comportamento da criança em vários ambientes: na escola, em casa, com os amigos etc. “O que deve chamar a atenção é se o comportamento que a criança está apresentando traz algum tipo de prejuízo, social, biológico ou afetivo. Para caracterizar um distúrbio, o comportamento também tem que ser recorrente, estar se repetindo há meses”, explica a psicopedagoga Luciana Brites, especialista em Educação Especial na área de Deficiência Mental, em Psicopedagogia Clínica e em Psicomotricidade.

De onde vem o problema

Uma parte desses transtornos tem origem genética. Mas situações de abandono, estresse e traumas também podem desencadear as crises. “No caso da minha filha, descobrimos, ao longo do tratamento, que era a ausência do pai que a deixava tão insegura. Principalmente depois que ela foi pra escola, começou a se comparar com outras meninas que tinham uma família como ela gostaria de ter”, diz Juliana.

O filho de 10 anos da vendedora Hevilin Reche, de 40, começou a manifestar sinais de depressão após a separação dos pais. “Ele também reclama demais que, na escola, têm uns meninos que não gostam dele, que tiram sarro o tempo todo. Ele tem se isolado cada vez mais”, conta.

Diagnosticada com esquizofrenia aos oito anos, a filha da doméstica Roseli Alcântara, de 42, também relatou um episódio de briga na escola antes de apresentar os primeiros sintomas do problema. “Ela me contou que uma menina a chamou de gorda e ela partiu pra cima. Depois disso, minha filha entristeceu, parou de comer, de brincar, começou a apresentar várias manias estranhas, como andar de um lado para o outro e falar sozinha o tempo todo. Só queria andar descalça e, com o tempo, nem roupa queria vestir”, conta.

Segundo a psicóloga Jussara, a ausência dos pais por longos períodos, a pressão escolar e o bullying realmente podem contribuir para o aumento da incidência desses problemas em crianças. “A exposição ao grande volume de informações, em uma geração que já nasce conectada, também contribui para o distanciamento familiar. As crianças ficam penduradas no celular, imersas nas redes sociais, nos jogos, e o diálogo fica em segundo plano”, comenta Jussara. Na opinião da especialista, isso diminui as oportunidades de a criança aprender a expressar os sentimentos e, em última instância, a se relacionar. Dentro e fora de casa.

Tratamento é para a família toda

Uma vez diagnosticados, o tratamento desses transtornos costuma levar tempo e, muitas vezes, exige o apoio de uma equipe multidisciplinar. O envolvimento da família é uma condição importante para o sucesso da terapêutica. “Eu tentava me sentar e conversar com a minha filha sozinha. Mas ela só me olhava com aquele olhar vazio, com cara de quem não entendia o que eu falava. Eu ficava desesperada, porque não conseguia trazê-la de volta pra mim”, conta Virginia.

A mãe logo percebeu que, para ajudar a criança, também precisava se tratar. “Sem acompanhamento, eu me sentia perdida”, diz. Na terapia, Virginia descobriu que o mais importante era assegurar à filha que ela contaria com apoio incondicional nos momentos difíceis pelos quais estava passando. “Isso não significa que o adulto terá que ceder sempre. O que a criança mais precisa é sentir-se segura para encontrar estratégias e, assim, lidar com as suas próprias dificuldades”, explica Leonard Verea, psiquiatra formado pela Faculdade de Medicina de Milão.

Mas só o acompanhamento psicológico e psiquiátrico nem sempre é o suficiente. Dependendo da gravidade do quadro, é necessário contar com uma equipe envolvendo profissionais como neurologista, psicopedagogo, fonoaudiólogo, entre outros.

Deixar a escola a par dos acontecimentos e trabalhar em parceria com a coordenação e os professores também é imprescindível.

Em alguns casos, não dá para fugir dos remédios. “Minha filha de 12 anos toma oito medicamentos todos os dias, entre antidepressivos e calmantes, e até precisou ser internada em uma clínica para dar continuidade ao tratamento”, conta Kátia Ester Gomes*, comerciante de 42 anos.

Com a evolução do tratamento, a quantidade de drogas administradas tende a diminuir e é esperado que ocorra a alta assim que a criança demonstrar um comportamento mais estável e conseguir se reintegrar socialmente, em todos os ambientes que frequenta.

Mesmo assim, será preciso acompanhá-la sempre de perto. “Minha filha teve alta, depois de três anos de tratamento com a psicóloga. Mas fico sempre vigilante, porque é comum ocorrerem altos e baixos”, diz Juliana.