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Triângulo amoroso: por que há pessoas que só se envolvem entrando em um?

Getty Images
Imagem: Getty Images

Heloísa Noronha

Colaboração para Universa

24/09/2018 04h00

No universo da ficção, o triângulo amoroso é um tipo de conflito que sempre rende boas histórias. No plano real, porém, trata-se de um artifício capaz de provocar muita dor e confusão na vida dos envolvidos.

Muita gente, porém, sente a necessidade de participar de um para viver um relacionamento --ou, pelo menos, para sentir que vive um. Parece estranho? Pois esse mecanismo é mais comum do que parece e, não, não tem nada a ver com ménage à trois.

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A triangulação, aliás, nem sempre é colocada em prática. Ela diz respeito, por exemplo, a pessoas casadas ou que namoram, mas alimentam sentimentos platônicos por alguém. Ou, ainda, a quem seguidamente se apaixona por gente comprometida.

E também inclui aqueles que parecem eleger algum(a) conhecido(a) do par para sentir ciúmes, quase sempre injustificados. Em outras palavras, há a necessidade --inconsciente, na maior parte das vezes--, de trazer um terceiro elemento para a relação.

Por trás dessa necessidade, as motivações podem variar bastante. "Carência, poder e controle são questões que aparecem com frequência", afirma Triana Portal, psicóloga clínica e terapeuta de casal, de São Paulo (SP).

"Muitas vezes, o indivíduo não entende as próprias carências e seus padrões afetivos disfuncionais e vai agindo instintivamente. No entanto, há também quem conheça suas fraquezas e dificuldades, mas não consiga mudar o padrão ou fazer diferente. Sofre, mas acaba agindo por repetição", explica a especialista.

Uma explicação é o fato de que muitas pessoas se alimentam do drama e da dificuldade amorosa. Elas acham sem graça um relacionamento tranquilo, monogâmico e convencional --afinal, não tem adrenalina.

"Viver algo proibido, sentir fortes emoções e cultivar a fantasia de poder ter o que se quer a qualquer custo são desejos inconscientes muitas vezes irresistíveis", conta Lígia Baruch de Figueiredo, doutora em Psicologia Clínica pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e coautora do livro "Tinderellas - O Amor na Era Digital" (Ema Livros).

Não importa que, no meio do processo, pessoas saiam magoadas.

E não são poucos os homens e mulheres que tendem a idealizar um relacionamento --principalmente quando observam a relação de alguém de lado de fora. É como aquele velho ditado: "A grama do vizinho é sempre mais verde".

"São pessoas que acham que o namoro que têm é sem graça e que levam uma vida medíocre, mas que com um outro par tudo seria maravilhoso e incrível. Esquecem, entretanto, que nenhuma relação adulta vem pronta", destaca Gisela Castanho, terapeuta de casais e de família de São Paulo (SP).

Quem idealiza relações alheias pode criar fantasias românticas ou amores platônicos que ficam só na imaginação ou tentar conquistar a pessoa idealizada. No entanto, o fracasso de qualquer relacionamento estabelecido é inevitável.

Existe, ainda, a estratégia do autoboicote. Ao buscar parceiros "impossíveis", a pessoa estraga o relacionamento possível por temer que o vínculo se torne mais profundo.

"Estar de corpo e alma com alguém pode ser extremamente aflitivo para quem tem medo do abandono e de perder o outro. O inconsciente promove o estrago porque é melhor evitar qualquer tipo de sofrimento futuro", explica Triana. Isso acontece, em especial, nos casos de ciúme ou controle excessivo e sem fundamento.

Origem na infância

Para entender e superar o comportamento, é preciso considerar a história de vida, o relacionamento dos pais e com eles. Afinal, conforme descreve Lígia, o primeiro triângulo amoroso que experimentamos é justamente com os nossos cuidadores principais.

"Assim, as relações amorosas na vida adulta são tentativas inconscientes de reparar alguma situação vincular mal resolvida na infância", fala a psicóloga.

Na opinião de Gisela, algumas pessoas têm uma espécie de "fascinação" por triângulos amorosos. É como se dissessem: “Se há um casal bonito, quero estar no meio!”

"Geralmente, esse é um processo ligado à inveja e busca inconscientemente 'roubar' a relação bonita que se vê no casal", explica.

Amor dos pais

São pessoas que tiveram dificuldades emocionais na época em que vivenciaram o que o psiquiatra austríaco Sigmund Freud (1856-1939) chamou de "Complexo de Édipo", quando o bebê percebe que não é o centro das atenções da mãe.

Por ela também se interessar pelo "papai", a criança vive a angústia de se sentir preterida em alguns momentos.

"Dependendo do clima emocional na família, o bebê vai registrar que, para se sentir amado pela mamãe, tem que destruir o papai. Ele precisa usar suas artimanhas para receber a atenção materna, senão ele ficará esquecido. A forma de lidar com o sentimento de rejeição é algo aprendido bem cedo", pontua a terapeuta.

Algumas mães se dedicam somente ao filho, se afastam do parceiro e também o afastam do bebê. Desenvolvem, portanto, uma relação simbiótica com a criança, que cresce com dificuldade de aceitar outras pessoas na vida do par porque isso não foi ensinado com naturalidade.

É por isso que algumas pessoas buscam sempre uma relação com alguém já comprometido, se iludindo que o alvo do amor deixará o casamento que tem.

"Na verdade, elas podem estar buscando de forma distorcida o amor de um casal parental, ou seja, de um pai e de uma mãe para o bebê que sentem que são", argumenta Gisela.

O sabor da disputa é muito apreciado, porque é como se a pessoa superasse, finalmente, o pai no coração da mãe. Em muitos casos, depois de conquistado o troféu perde a graça e vai para a prateleira... O gozo real está na conquista. Mas como romper esse padrão?

"A maturidade costuma trazer uma melhora, além do desejo por relacionamentos mais estáveis e companheirismo. As 'cabeçadas' ensinam que essas combinações triangulares quase sempre acabam mal", responde Triana.

Já Gisela aconselha tentar tornar consciente --por conta própria ou com ajuda de terapia-- o mecanismo inconsciente que motiva o comportamento. "Vale a reflexão: ninguém está inteiro numa relação triangular", fala.