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5 casais que trabalham juntos contam como não surtar na empresa e em casa

Marina Oliveira

Colaboração para Universa

06/06/2018 04h00

Misturar amor com trabalho não é para todos, mas estas mulheres e seus maridos têm tido sucesso na junção e entregam suas estratégias para fazer o casamento e o negócio darem certo.

Falar sobre trabalho em casa é proibido

Erika Magalhães e Marcel Magalhães, da UNS Idiomas - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

“Nos conhecemos há 19 anos, quando trabalhamos juntos no departamento comercial de uma escola de inglês. Nós vendíamos os cursos. Após três meses de conversas, paqueras e flores, começamos a namorar. Com oito meses de namoro, ficamos noivos. E após um ano e meio de relacionamento, nos casamos.

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Trabalhamos juntos nessa escola por quatro anos, até que tomei a decisão de sair e ir para outra escola de inglês, de uma rede de franquias. Nessa época, comecei a pesquisar para abrir uma unidade nossa, mas desanimei com o tamanho do investimento. Mudamos o foco, então, e resolvemos investir em uma escola nossa – que, com o tempo, virou uma rede de escolas.

Abrimos algo não por ambição, mas por insatisfação com os trabalhos da época. Em nenhum momento passou pela nossa cabeça a possibilidade de dar errado. Usamos a rescisão dele para investir nos quatro primeiros meses de aluguel do ponto comercial e abrimos a primeira escola,  há 15 anos. Ele cuidava da área comercial e pedagógica e eu da parte administrativa, recepção e limpeza. Trabalhávamos muito, incansavelmente, de domingo a domingo. Mas quase dois anos depois brigamos sério, por levar problemas da empresa para dentro de casa.

Tínhamos inúmeras brigas pessoais, todas motivadas por trabalho. Faltava limite na gente, um tentava convencer o outro da opinião a qual defendia. Foram brigas constantes e veio o desgaste. Quase nos separamos mesmo. E aprendemos a lição. Hoje, chega até a ser engraçado, nos falamos por telefone, e-mails e WhatsApp sobre trabalho, mas dentro de casa jamais. Os colaboradores que trabalham há muitos anos comigo já sabem: dentro de casa não converso sobre assuntos profissionais com meu marido.

Outro dia estava indo embora da empresa e uma colaboradora nova me falou: ‘Erika, por favor, avise o Marcel que aquele problema X foi solucionado.’ Eu respondi: ‘Fulana, passe um e-mail para o Marcel, avisando ele’. Na cabeça de muitas pessoas, deve ser surreal isso, mas foi a forma a qual encontramos de ter um relacionamento mais leve e duradouro. Hoje, eu cuido de duas escolas próprias da rede e ele atua na central que coordena os franqueados. Tem dado certo assim.”

(Erika Magalhães, 39, casada com Marcel Magalhães. Eles são sócios da UNS Idiomas)

Distância no dia a dia é aliada

Berenice Cristina Buerger e Roberto Vilela, da Mega Empresarial - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

“Nos conhecemos quando entrevistei o Roberto para uma vaga de trabalho, eu era recrutadora. Isso foi há vinte anos. Acabou que a vaga foi extinta e eu liguei para avisar. Depois, ele me ligou algumas vezes para conversarmos sobre trabalho. Acabamos indo a uma palestra sobre gestão de pessoas juntos e depois saímos para jantar. O relacionamento começou aí.

Dentro da minha área de atuação eu percebia que existia um hiato em relação a consultoria empresarial e treinamentos, e eu notava no Roberto um grande potencial para a área. Decidimos apostar, então, na atuação de ambos dentro do setor. Tivemos que alinhar muita coisa, especialmente no começo, porque temos perfis bem diferentes. Eu sempre fui mais reservada. Não costumo, por exemplo, ligar frequentemente para contatos comerciais ou atender meu telefone fora de horário. Já o Roberto está o tempo todo conectado, é mais expansivo. A nossa personalidade é, basicamente, oposta.

Por conta desse perfil eu fiquei com a área administrativa: sou mais contida, repenso cada investimento e cada passo e muitas vezes piso no freio enquanto o Roberto está sempre pronto para tomar uma decisão, se jogar de cabeça. É ele quem faz a consultoria empresarial, treinamentos e palestras. Foi um desafio achar um ponto de equilíbrio entre nós, especialmente nos primeiros anos de trabalho. Por fim, a distância foi nossa aliada. Por conta das viagens a trabalho, o Roberto geralmente está fora durante a semana e passamos poucos dias juntos no escritório.

Raramente atuamos os dois dentro da empresa. Ser um casal nos ajuda a conseguir trabalho. Atuamos com diversas empresas familiares e levamos o nosso exemplo de resolução de conflitos como experiência para dentro das empresas dos clientes. Eles nos veem, muitas vezes, como exemplo de negócio familiar, que soube driblar as diferenças de perfil e de personalidade para fazer o negócio dar certo. A desvantagem é que depois de trabalharmos juntos num mesmo negócio, temos poucas novidades para contar em casa. É um esforço constante para mantermos um diálogo interessante.”

(Berenice Cristina Buerger, 47, é casada com Roberto Vilela. Eles são sócios da Mega Empresarial)

O feedback entre casais é mais honesto e, por isso, exige cautela

Gabryella Correa e Reinaldo Lopes, do Lady Driver - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

“Ele é engenheiro civil e eu nutricionista. Trabalhamos em uma grande construtora no projeto da obra das Olimpíadas do Rio de Janeiro. A ideia de trabalharmos juntos acabou acontecendo. Eu tive a ideia de criar um aplicativo de transporte feminino, que conecta passageiras e motoristas mulheres, e fiquei um ano trabalhando sozinha. Até que aconteceu a crise na construção civil e ele ficou desempregado.

Como tinha experiência em trabalhar com sistemas, eu chamei para trabalhar comigo. No início ele resistiu, disse que trabalharia apenas três meses, mas acabou se envolvendo no projeto. Hoje eu sou a CEO e ele é o COO (diretor de operações), cuidando mais da parte da tecnologia. As decisões finais são minhas, então, às vezes ele já tem uma opinião formada e tem que me convencer.

Conforme a empresa foi crescendo, tivemos que aprender a nos relacionar de forma mais profissional dentro da companhia, evitando apelidos, por exemplo. Principalmente quando estamos próximos aos funcionários e em reuniões. Conseguimos, há quem nem imagine que somos casados. Mas alguns investidores já ficaram desconfiados do negócio, por sermos um casal. Temos que mostrar que a nossa parceria só potencializa o negócio.

Eu imagino que para uma mulher que não tem o marido junto, apoiando, não é fácil ser CEO. Por conta de ter um número grande de atividades, reuniões e eventos eu acabo trabalhando de madrugada e aos fins de semana. Mas há esse entendimento da parte dele. E da minha também, quando ele precisa viajar. O feedback profissional entre marido e mulher, contudo, exige mais cautela, porque é um processo mais honesto, já que nos conhecemos tanto.

É preciso haver o momento ideal para falar, porque às vezes um está irritado. Nos cobramos mais do que aos funcionários, por termos liberdade um com o outro. Mas é um processo que funciona para mim, me tornei uma profissional melhor tendo o feedback honesto dele.”

(Gabryella Correa, 35, é casada com Reinaldo Lopes. Ela é fundadora e CEO do aplicativo Lady Driver, enquanto ele é COO)

Discussões calorosas somente no banheiro de casa

Irene da Silva e Carlos Alberto D'Avila, da Ellevo - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

“Eu o conheci quando ele era sócio de uma malharia e me ofereceu um emprego de costureira, já que não tinha nada na área administrativa, que era o que eu buscava. Fiquei uma semana tentando aprender a costurar – eu sequer tinha visto uma máquina de costura na minha vida! O resultado foi um total desastre, dei o maior prejuízo por conta do número de botões que quebrei.

Encontrei uma vaga na minha área e me desliguei da empresa. Alguns dias depois ele fez aniversário e eu liguei, foi quando me convidou para sua festa. Ficamos juntos naquela noite e já são 27 anos de relacionamento. Por um tempo, cada um atuou numa área, eu era assistente social, funcionária pública com concurso há 10 anos. Ele teve vários negócios, mas amava mesmo o setor de tecnologia. Foi ele quem abriu a empresa em que hoje atuamos juntos hoje.

Eu cheguei seis meses depois da abertura, porque ele sentiu muita dificuldade com a parte administrativa e financeira. Sempre teve muito conhecimento técnico, especialmente na área de desenvolvimento de software, mas não tinha nenhuma ideia de organização da gestão. Eu tirei licença e fiquei alguns meses com ele no negócio, ‘organizando a casa’. Quando esse período acabou, decidi assumir a área administrativa da empresa e me tornei sócia dele.

A pior parte é que não dá para chegar no trabalho e falar mal do marido, e não dá para chegar em casa e falar mal  do sócio. Trabalhamos no mesmo prédio, mas em salas separadas e só vejo ele no almoço, cada um faz um horário diferente e vai com o próprio carro. Para não prejudicar nossa imagem como diretores, estabelecemos a regra de deixar as discussões mais quentes de negócios para fazermos em casa sozinhos, longe dos colaboradores (são cerca de 50 profissionais).

As maiores discussões e divergências são feitas em casa de manhã, no banheiro, enquanto nos arrumamos. Pode levar alguns minutos ou até uma hora - só saímos de lá com o assunto resolvido. É um momento reservado apenas para nós dois e evita que qualquer conflito saia dali. Quando chegamos na empresa estamos alinhados sobre o que fazer.”

(Irene da Silva, 45, é casada com Carlos Alberto D'Avila. Eles são sócios da empresa de software Ellevo)

Aceitar que vida pessoal e profissional se misturam

Mirtis Fernandes e Edmir da Rocha, da VST Soluções e Softwares - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

"Nos conhecemos trabalhando juntos, mas só fomos nos relacionar dez anos depois. Sempre nos demos muito bem profissionalmente: criamos vários produtos juntos, mas tínhamos funções diferentes, eu era cliente e ele prestador de serviço. O Edmir sugeria uma união profissional, mas eu sempre torci o nariz para a ideia, pois meu casamento estava perfeito e não queria correr o risco de comprometer o relacionamento em uma sociedade.

Quando estávamos há sete anos casados, porém, decidimos tentar ser sócios. O Edmir é responsável pela área técnica da empresa: desenvolvimento, manutenção e criação de novos softwares. Eu sou responsável pela área comercial, tendências de inovação e relacionamento com os usuários. Nosso dia a dia é muito dinâmico: eu visito muitos clientes e participo de eventos externos e mesmo quando estou na empresa, só dividimos o mesmo espaço físico em reuniões. Sermos homem e mulher ajuda a lidar com clientes, porque a questão de gênero ainda conta.

Já percebemos casos em que o cliente prefere falar com o homem e chama pelo Edmir. Em outros, fui requisitada, pois a mulher é reconhecida por ter mais habilidade de relacionar-se. Para alguns, o fato de sermos casados, faz com que a confiabilidade em nossa empresa fique afetada, eles se preocupam com o futuro da empresa, caso a gente se separe - resolvemos isso colocando uma cláusula contratual que protege o cliente em caso de dissolução da empresa.

Durante cinco anos cometemos o erro de tentar fingir que o estresse profissional tinha ficado na empresa e o estresse emocional em casa. Mas não temos botão de liga e desliga, entender isso facilitou o relacionamento. Aceitamos que somos as mesmas pessoas nos dois ambientes e paramos de nos estressar: se eu sei que ele está mais irritado com um assunto do trabalho, independente se eu sou o motivo ou não, não fico cobrando um comportamento ‘alegre’ em casa.

O inverso também acontece: se nos desentendemos em casa, evitamos tratar um assunto mais delicado na empresa, no mesmo dia. Aceitar que somos ‘sócios-casados’ nos trouxe mais equilíbrio e compreensão. Eventualmente, tratamos assuntos da empresa em casa, da mesma forma que resolvemos assuntos domésticos durante o horário de expediente. Por incrível que pareça, depois de assumirmos essa posição, sem culpa, a tensão diminuiu muito.”

(Mirtis Fernandes, 46, é casada com Edmir da Rocha. Eles são sócios da VST Soluções e Softwares)