Record perde ação por preconceito contra religiões afro-brasileiras

O Poder Judiciário reconheceu na quinta-feira, 5, o direito de salvaguardar o culto às religiões de matriz afro-brasileiras e, principalmente, condenou duas emissoras de TV, Rede Record e Rede Mulher, concessões do Estado, por reforçar, no ar, preconceitos de cunho religioso.
A segunda, extinta, foi incorporada à atual Record News, pertencente ao Grupo Record. É o maior julgamento envolvendo intolerância e racismo religioso do país, e seu histórico processual servirá de base para outras ações que envolvam a mesma matéria.
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Diante de um auditório composto por cerca de cem representantes da umbanda e do candomblé, a 6ª Turma do Supremo Tribunal Regional Federal julgou procedente a ação movida pelo Instituto Nacional da Tradição e Cultura Afro-Brasileira (INTECAB) e pelo Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), assim como qualificou como inconsistente a defesa do Grupo Record, confirmando, desta maneira, a sentença expedida pela 25º Vara Federal Civil de São Paulo.
A rede buscava se abster de sentença proferida em 2015, pela 25ª Vara Federal Civil de São Paulo, em que ela seria obrigada a produzir oito programas de televisão, nos próprios estúdios da Record, que seriam exibidos durante dezesseis dias seguidos, às 21h, com três chamadas diárias. Totalizaria-se, assim, 16 horas de direito de resposta coletiva.
O julgamento é parte de um processo aberto em 2003. Ele foi motivado pela exibição do programa "Mistérios", que exibia um quadro intitulado "Sessão Descarrego". Nele, associava-se doenças e/ou desvios de caráter à ação de espíritos associados aos cultos afro-brasileiros.
Nas razões recursais da defesa (fls. 2.193), destaca-se o seguinte trecho bíblico, que “justificaria” as ações durante a exibição dos programas: “Qualquer homem ou mulher que evocar os espíritos ou fizer adivinhações será morto. Serão apedrejados e levarão sua culpa (Levítico, capítulo 20, versículo 27.)”. Apresentadores utilizavam-se de imagens de oferendas e "supostos" testemunhos de conversão de ex-pais e mães de santo, tratados por ele como "ex-bruxas, feiticeiras e ‘mães de encosto’".
A sustentação oral contra a emissora foi realizada pelo advogado Hédio Silva Jr., acompanhado dos colegas Jader Freire e Antônio Basílio, representantes da ação. A sustentação oral do primeiro baseou-se na Constituição Federal e em toda legislação e jurisprudência vigentes, partindo da premissa de o Estado é laico. Os representantes da Record respaldaram-se na Bíblia.
"Antes de mais nada precisamos aguardar a publicação do acórdão. Publicado o acórdão, abre-se prazo de cinco dias para eventuais embargos de declaração e, superados esses, abre-se novo prazo para recursos para o STJ e STF", diz Hédio Silva. "Em regra, os recursos que a Record poderá interpor para os tribunais superiores não impedem o cumprimento da sentença, isto é, que a Record seja intimada a produzir e veicular os programas no prazo máximo de 30 dias, sob pena de multa de um milhão de reais por dia de atraso".
Para o advogado das entidades, "a prepotência e a certeza de impunidade da Record fizeram com que ela não apresentasse um único argumento jurídico substantivo, com exceção da sofrível e improvisada alegação de que o direito de liberdade de crença seria intocável, ilimitado, absoluto, contrariando jurisprudência do STJ e do STF". A probabilidade de êxito dos seus recursos, ainda segundo ele, é próxima de zero.
"Outro aspecto importante é que a Record não terá que desembolsar um único centavo extra para garantir a produção e veiculação dos programas, não havendo portanto qualquer sorte de perigo ou dano no cumprimento imediato do acórdão, independentemente da tramitação dos recursos, em Brasília".
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