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Não é frescura! Incômodo extremo com som de mastigação é síndrome

Se você entra em pânico ao ouvir alguém mastigando, pode ser que sofra com misofonia - Getty Images
Se você entra em pânico ao ouvir alguém mastigando, pode ser que sofra com misofonia
Imagem: Getty Images

Helena Bertho

do UOL

20/12/2017 04h00

Se a mera ideia de alguém mastigando chiclete -- e pior, fazendo bolas -- é algo que deixa você à beira de um ataque de nervos, considerando violência ou a própria morte, saiba que isso não é frescura e sim uma síndrome: a misofonia, ou Síndrome da Sensibilidade Seletiva a Sons. 

"Ela consiste em uma intolerância a certos sons repetitivos, que se manifesta de maneira rápida, abrupta e desproporcional ao ruído", explica a médica otorrinolaringologista Tanit Sanchez, do Instituto Ganz Sanchez, especialista no tema. Mastigação, respiração, tosse, assoar de nariz, tamborilar dos dedos são alguns dos sons associados à misofonia.

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Não é só um incômodo

Não estamos falando aqui de um simples incômodo com os ruídos. As pessoas com misofonia ficam tão irritadas que chegam a se isolar ou ter problemas profissionais por causa disso. "Misofônicos se veem com frequência em um tsunami emocional, com graus variados de irritações e outras repostas, com frequência sem nenhum espaço de tempo para perceber de maneira consciente que estão ouvindo ou vendo algo que age como um gatilho. Eles podem até acordar de um sono pesado diante de um desses sons, cheios de ansiedade, raiva e até desespero", explica a audiologista norte-americana Marsha Johnson, responsável pelos principais estudos sobre o tema no mundo.

Esse tsunami emocional leva a atitudes extremas. Algumas pessoas entrevistadas por ela chegam a se isolar do convívio social, outras ao ponto de agredir colegas ou parentes. Alguns movimentos que remetem aos sons também podem provocar a irritação -- às vezes, basta ver alguém mascando chiclete, mesmo sem ouvir, para o desespero começar. 

Ninguém leva a sério

Aos 18 anos, tudo o que Tininha*, 54, queria era sair logo da casa dos pais. Não para ter independência ou liberdade -- ela queria ficar o mais longe possível dos assovios do pai. "Eu não conseguia conviver. E quanto mais eu pedia para ele parar, mais ele assoviava", conta. Mesmo depois de sair e ter uma vida independente, a questão continuou surgindo, seja com a mastigação do marido e dos filhos, ou com os sons da digitação de um colega de trabalho. É muito difícil para ela que as pessoas levem a sério suas queixas.

O que Tininha encara é, segundo as especialistas, uma das maiores dificuldades das pessoas com misofonia, pois aqueles convivem com elas tendem a considerar a irritação com sons frescura e, raramente, respeitam seus pedidos para parar com os ruídos.

Por isso, Tanit lançou no Brasil um serviço de SOS misofonia, que envia um e-mail anônimo para o colega ou parente do paciente, explicando sobre a condição e os sons que a disparam. " A pessoa recebe algo neutro, com informações sobre a síndrome, mostrando que não é frescura, que existem várias pessoas com isso que podem estar se incomodando com os sons que o indivíduo faz sem querer", explica. O serviço é gratuito e pode ser usado pelo site.

O problema está no cérebro

Os estudos sobre o tema ainda são poucos e muita coisa não está clara. "Mas em ressonâncias magnéticas podemos ver que em pessoas com misofonia o córtex pré-frontal é muito mais ativado", diz Tanit. Essa é a região do cérebro responsável pela atenção e nos misôfonicos reage de forma mais intensa a certos sons -- e essa reação é reflexiva e involuntária.

"É uma combinação de um mal funcionamento no sistema nervoso e uma mudança no comportamento psicológico como consequência", defende Marsha Johnson. Em seu estudo com mais de 5 mil pessoas, ela percebeu que a condição se manifesta da pior maneira na adolescência -- época em que é mais comum que os sintomas surjam. "Ainda não há maturidade para tomar boas decisões, mas a criança já é grande o suficiente para causar danos graves se decidir atingir a fonte do ruído que incomoda", explica.

Os médicos ainda não identificaram a origem da misofonia, mas Marsha acredita que seja genética, sendo que há uma chance de 40% de que haja outro membro da família com algum grau da desordem.

mulher fazendo bola de chiclete - Getty Images - Getty Images
Imagem: Getty Images

Se alguém acha que tem, provavelmente tem

O diagnóstico da misofonia é feito por meio de uma conversa com o especialista, que aplica um questionário sobre os sintomas. Além disso, são feitos exames de audiometria e sensibilidade sonora, para verificar a presença de outras disfunções de audição, como a hiperacusia (sensibilidade excessiva ao volume dos sons). Marsha também realiza análise para eliminar outras doenças, como depressão e transtorno de ansiedade.

Apesar disso tudo, Tanit Sanchez acredita que se uma pessoa conhece sobre a disfunção e se identifica com ela, provavelmente de fato sofre de misofonia, já que os sons gatilho são específicos e o nível de irritação, muito exagerado, difícil de ser confundido com incômodo.

Existe tratamento?

"Cura não existe, mas temos cerca de 50% de melhora com abordagens como medicação e terapia sonora", diz Tanit. Para ela, existem três principais linhas de tratamento: medicamentos para dor crônica, por um período de três a seis meses, que agem no processo de atenção do cérebro; terapia sonora, com geradores de sons neutros, monótonos e baixos, que fiquem tocando de maneira contínua durante a noite toda ou algumas horas, para dessensibilizar as vias auditivas; e o bio feedback, que consiste em uma espécie de treinamento do cérebro para acostumar a realizar tarefas mesmo quando exposto aos sons que disparam a misofonia.

Além dessas alternativas, Marsha Johnson também recomenda terapia cognitivo-comportamental como forma de aprender a lidar com os comportamentos que os sons disparam.

Tininha tentou por alguns meses se tratar com medicamentos e percebeu os efeitos. "A irritação diminuiu, passou aquele estado em que tenho vontade de matar ou morrer". Ela teve uma doença no fígado e precisou parar o tratamento, e agora está tentando homeopatia. Mas se não funcionar, ela vai buscar outras opções. "Vou tentar qualquer tratamento legalizado que existir".

Abafar os sons pode ser ruim

Sem acesso a tratamento, muitos misofônicos tendem a criar soluções para conseguir conviver com os ruídos incômodos. Ouvir música com fone em volume alto ou usar tampões nos ouvidos são as mais comuns. Mas Tanit alerta que esses métodos trazem riscos. "A música em volume alto pode levar a danos no sistema auditivo. Já os tampões podem fazer com que a pessoa se acostume com o silêncio extremo, gerando um incômodo ainda maior com os ruídos".