Fernanda Torres: 'Cresci numa época em que posar pelada era ser livre'

“Talvez, não haja progresso sem uma dose de radicalismo”, defende a atriz e escritora Fernanda Torres ao UOL. Ela, porém, logo pondera o próprio argumento. “O problema é que esse radicalismo pode se manifestar tanto no ideário progressista, quanto no conservador, como se viu recentemente no Masp (Museu de Arte de São Paulo) e na exposição Queer Museum, do Santander. Não vai ser fácil encontrar esse equilíbrio”.
Nos últimos tempos, a atriz interpretou a personagem Maria Teresa Bulhosa em “Filhos da Pátria”, minissérie exibida pela Globo, que reconta com detalhes menos oficiais da história de nosso país. Também é ela a conhecida por Vani, de “Os Normais”, e mais uma extensa carreira no teatro, onde já deu vida a textos adaptados do escritor João Ubaldo Ribeiro. Fernanda é filha de Fernanda Montenegro, autora da frase que dá nome a seu novo livro.
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O histórico de Fernanda neste mundo, porém, topou com experiências inéditas. Em 2017, o modelo tradicional do 'show business' foi abalado por denúncias de assédio sexual contra mulheres, e a atriz diz que as coisas mudaram e que nada será como antes.
“Os casos de condenação de assédio e abuso de poder, acredito, mudaram a conduta de quem lida com conteúdo”, diz. “Tudo o que envolve questões de classe, gênero e raça começaram a ter escuta nos departamentos de RH; comentários racistas, machistas, ou humilhações hierárquicas não são mais vistas como inofensivas, houve avanços. Estamos nos reeducando, aqui e no exterior”.
“Ver um todo-poderoso como Harvey Weinstein exposto, um homem que destruiu carreiras de atrizes que não serviram às suas taras, é algo extraordinário, e isso só aconteceu graças a movimentos, por vezes, considerados radicais”.
Atriz lança livro
Em meio a esse cenário agitado é que Torres lança o livro “A Glória e Seu Cortejo de Horrores” (Companhia das Letras), no qual narra a história de um ator que passa por cenários diversos (e também adversos) durante a carreira.
“O livro é a história do Brasil nos últimos quarenta anos, visto através de um ator. Mario atravessa o teatro estudantil engajado, o desbunde, o teatro potente da década de setenta. Mario estoura no cinema e na televisão”, diz. Logo depois, o personagem arranja emprego em uma rede de televisão evangélica, a única a sobreviver à crise causada pela dispersão do público para internet.
De certa forma, a história se inspira nos diferentes terreno que atores experientes, como Torres, têm observado ao passar dos anos. “Está muito mais difícil escrever, atuar, pintar, compor. Às vezes, com a melhor das intenções, você ofende, ou esbarra numa cegueira que não sabia possuir”. Fernanda diz ter analisado aspectos como racismo em telenovelas, e também acompanhado ao surgimento de canais evangélicos na TV, o que despertou uma influência peculiar sobre o público.
Posar nua libertava
“Eu cresci numa época em que posar pelada para uma revista como a Playboy era visto como sinônimo de libertação. O corpo nu, sexualizado, era o símbolo máximo da mulher livre e independente; as revistas lançavam a ninfeta do mês, as famílias se juntavam para ver a Garota do Fantástico e o comercial da Sardinha 88. Hoje, tudo isso é condenável. Para alguém que cresceu no século passado, como eu, é o mundo virando do avesso. Para o bem e para o mal”, diz.
“Há um ressentimento grande, em todas as camadas sociais, que acusam a arte de ser supérflua, elitista e custosa. Num país onde 1/3 da população não tem saneamento básico, a classe artística passou a ser vista como mais uma sanguessuga do erário. Numa realidade assim, que arte nos caberia? A engajada, a popular? Shakespeare e Beethoven não seriam populares?”, questiona e conclui.
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