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Como Brunet, vítimas de violência doméstica viram mães serem agredidas

Luiza Brunet e a mãe, Alzira Botelho - Reprodução/Instagram
Luiza Brunet e a mãe, Alzira Botelho Imagem: Reprodução/Instagram

Daniela Carasco

do UOL, em São Paulo

16/12/2017 04h00

Alzira Botelho, 72, foi vítima de violência doméstica ao longo dos 17 anos de casamento. O primeiro tapa aconteceu na primeira semana de casada. Mais de 30 anos após o fim de sua relação, ela viu a filha passar pela mesma situação. Dona Alzira é mãe da ex-modelo Luiza Brunet, 55, que há pouco mais de um ano denunciou o ex-companheiro Lírio Parisotto pelas agressões sofridas durante cinco anos de namoro.

A manicure Adriana Bahia, 39, de Campo Grande, viu a mãe ser assassinada por um ex-companheiro e, durante os nove anos de casamento, também foi agredida pelo pai de seus filhos. Ela chegou a ser esfaqueada pelo ex.

Ambas histórias não são raras e, infelizmente, mostra uma realidade trágica ainda pouco debatida: a da "transmissão" da violência doméstica entre as gerações. “As agressões que acontecem hoje têm grandes chances de serem perpetuadas tanto pelas filhas, quanto pelos filhos das vítimas no futuro”, alerta José Raimundo Carvalho, professor da Universidade Federal do Ceará e coordenador mundial da Pesquisa Condições Socioeconômicas e Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher.

As estatísticas comprovam

O levantamento realizado só com mulheres nordestinas, com idades entre 15 e 49 anos, vítimas de violência doméstica, mostrou que 23% das 10 mil entrevistadas lembram de terem visto as mães serem agredidas. Deste total, 40% revelou ser violentada no relacionamento atual. Entre aquelas que nunca presenciaram a situação dentro de casa, mas acabaram se tornando vítimas de seus companheiros, a porcentagem cai para 22%. Uma realidade que se perpetua pelo país todo, apesar de mais evidente nos Estados do nordeste brasileiro.

O que acontece com as meninas?

“Basicamente, quem presencia a violência da mãe tem o dobro de chances de se tornar vítima no futuro”, explica Carvalho. Do ponto de vista feminino, o especialista diz que a raiz da perpetuação está no fato de a menina, ao presenciar a mãe apanhando, entender que o papel da mulher em um relacionamento seja de submissão e aceitação da violência em prol da manutenção do casamento. “Ela acha que deve suportar qualquer coisa pelo ‘bem’ da relação.”

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Meninos também são impactados

Quando a pesquisa se voltou aos homens, as taxas foram surpreendentemente parecidas. Cerca de 42% daqueles que viram as mães serem agredidas reproduziram a violência no lar. Dos que não presenciaram, 23% se tornou violento.

“Os meninos acabam aprendendo que os conflitos conjugais têm e devem ser resolvidos em última instância pelos homens, ainda que seja preciso se valer de atos violentos”, explica Carvalho. “Ou seja, nas duas situações se passa um ‘script’ para a vida adulta. Para a mulher no sentido de aceitar a violência, e ao homem no de resolver conflitos familiares através dela.”

Quando a vulnerabilidade é altíssima

A transmissão se torna ainda mais intensa, diz, quando esses dois perfis vulneráveis de menores formam um casal quando adultos. “Neste caso vai haver os dois efeitos agindo juntos. Esse é o tipo de casal para o qual as políticas públicas deveriam ser mais vigilantes.”

Toda essa realidade é mascarada quando debates sobre a violência doméstica têm apenas como foco a prevalência atual. Cerca de 55% das vítimas confessaram terem sido agredidas diante dos filhos. “Além de ser um terrível problema de direitos humanos, criminalidade e saúde pública, ela é prejudicial para o desenvolvimento de crianças e adolescentes. Combatê-la hoje é evitá-la no futuro.”