"Sou bruxa e tenho uma escola onde ensino a levitar"
Engenheira e bióloga de formação, perita ambiental por anos, Evani Neme Carrasco, 59, sempre se sentiu diferente. Por muito tempo, não soube o que isso significava. Até que começou a estudar e entendeu que é uma bruxa. Hoje, ela tem uma escola e forma uma média de 20 bruxas e bruxos por ano. Aqui ela conta sua trajetória.
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"Desde pequena fui esquisita. Precisava lidar com a vidência e tive episódios de materialização. Não sabe o que é? Imagina que surgia uma pessoa na sua frente e todo mundo via, mas às vezes era só uma mão. Era um grande problema, ninguém queria ficar perto de mim. Eu era meio que Carrie, a Estranha, sabe?
Era regime militar, meus pais não tinham religião nenhuma. Ninguém sabia como lidar comigo. Isso influenciava tudo na minha vida, me causava problemas na escola, relacionamentos e até emprego. Eu também ouvia pensamentos, mas nem sempre percebia e acabava respondendo. O pior é que eu ouvia melhor os pensamentos desagradáveis. Ou seja, foi literalmente um inferno até o começo da vida adulta.
Rodei o mundo para entender meus poderes
Apesar disso tudo, conheci meu marido e, aos 24, tive meus filhos. Aí foi quando precisei fazer alguma coisa. Meus meninos chegavam a levitar no berço. Sem falar nas materializações macabras que víamos, aranhas caindo do forro...
Decidi procurar ajuda, entender o que acontecia comigo. Meu marido, vendo tudo o que rolava em casa, embarcou comigo.
Nossa busca não foi fácil nem rápida. Por anos e anos, rodamos diferentes países, conversamos com arqueólogos, antropólogos, estudiosos e religiosos, para tentar entender o que acontecia comigo. Passamos pelo México, Peru, países na África e Europa... Tudo em busca de respostas.
Durante todo o tempo, seguíamos trabalhando e estudando. Sou formada em biologia e engenharia, com pós-graduação em avaliações e perícias, área na qual trabalhei por muito tempo. Depois, ainda fiz pós e doutorado em biologia. Então, as viagens, pesquisas e buscas acabavam tendo de se encaixar nas férias.
A Umbanda me ajudou a me encontrar
Uma parte desse meu processo passou pela Umbanda. Sou muito racional e tenho dificuldade com a fé, em simplesmente acreditar. Mas como a Umbanda é uma religião estruturada, que não é de cima para baixo, como a maioria das religiões, me encontrei ali.
Não é céu ou inferno, existe também a esquerda e a direita. A gente não acredita que tenha demônios ou salvador. Tudo é energia e estamos todos em uma grande teia. Um ser depende do outro, tudo que existe no mundo é criação da gente mesmo. Essa força dividida é o amor, esse amor que, para nós, é a divindade.
Nela, o trabalho é por incorporação. A entidade se aproxima da sua energia e passa conhecimento. Não é um Deus e, sim, uma pessoa que não tem corpo naquele momento. Entender isso me ajudou a começar a me entender.
Bruxaria não é religião, é filosofia de vida
Mas estudei muito mais. Outras religiões, o xamanismo, tradições de bruxarias. E a engenharia me deu um olhar racional para a bruxaria e menos de religião.
Sei que, quando falo que sou bruxa, todo mundo pensa em religião. Mas, para mim, é uma filosofia de vida. Eu estudei para caramba e só acredito em algo que tenha explicação. Por isso, estudei até conseguir explicar os fenômenos que aconteciam comigo.
Na bruxaria, o que trabalho é a transmissão de energia e fluidos. Você coloca uma hortelã ao lado de uma garrafa e consegue transportar para a água os gostos e propriedades dela, apenas com a energia.
Acredito que é natural ter um contato com esse plano, de enxergar as energias. Mas, conforme fomos passando para o patriarcado, fomos nos desconectando de nossos corpos e da natureza. O natural seria ver e ter uma relação com todas essas outras faixas vibratórias. Eu entendo isso como física, não algo religioso.
Fundei minha escola de bruxaria
O processo de aprendizado, de testar e começar a me tornar bruxa foi de quase 20 anos. Precisei entender como meus dons funcionavam, como eu poderia usar e para quem. Me controlar e me conhecer como pessoa. Enquanto isso, ia trabalhando como engenheira, em banco.
Comecei a fazer atendimentos e a trabalhar com outras pessoas. Algumas das que começaram comigo se perderam no caminho. Na medida que vai aprendendo, isso dá muito poder e, se você não sabe lidar com ele, vira uma pessoa detestável.
Para não acontecer isso de novo, acabei achando melhor montar uma escola. Em 1994, fundei a Nova Ordem do Sol. É uma ordem de bruxas, uma escola para formá-las e também um espaço para atendimento, para curar pessoas de maneira holística –como um todo.
Lá, as pessoas podem ir conhecendo e desenvolvendo seus poderes, mas também evoluindo. Cada dom é um dom e minha função como sacerdotisa é ajudar a pessoa a descobrir onde deve atuar. Tem milhares de ferramentas para isso.
Todo mundo pode ser bruxa
Na escola de formação de bruxa, temos aula uma vez por mês. O primeiro ano é onde aprende os princípios básicos, com aulas práticas e teóricas. Ao final, a pessoa se forma bruxa. Mas ainda pode continuar a formação, por mais quatro anos, para se tornar sacerdotisa e fazer parte do nosso coven [coven é um grupo de buxas].
Nas aulas, ensinamos a pessoa a usar sua natureza. Tem regras e tem evolução. Claro que não sai na primeira aula fazendo transmutação de princípios ativos de uma planta para a água. Começa pelo mais básico, a solidificar a água, a sacrilizar essa água com sentimentos de amor e fraternidade, a fazer comidas mágicas. Mas o resultado é real, ensinamos até criança a mudar a direção do vento!
O mais bacana da bruxaria é que qualquer um pode fazer. É uma filosofia de vida. Bastar usar o que é seu, da sua natureza. Temos uma fazenda, onde plantamos orgânico e comemos o que cultivamos.
Pequenas coisas básicas, que podem mudar o mundo, sabe? Tem muito que cada um pode fazer, basta se conhecer.
Na escola temos homem e mulher, o grupo é misto, mas quem dirige é sempre uma sacerdotisa. É que a bruxaria é feminina, porque a energia da mulher circula mais. Isso é hormonal, sabe?
Dá para usar para o bem ou o mal
Existe muito preconceito com a bruxaria, falta de informação até. Eu sofro preconceito todo dia. E quando vejo manifestações e gritos de "queimem as bruxas", acho errado. A gente precisa fazer algo urgente em relação à educação do nosso povo.
Mas sobre a bruxaria, é preciso entender que dá para usar para o bem e o mal. Usar para o mal é de uma falta de inteligência enorme. Se sua índole não é boa ou não tem controle de determinados sentimentos, pode sim escorregar no tomate. Por isso, na escola pegamos o aluno desde o começo, para fazer uma real descoberta de quem é aquela pessoa, trabalhar seu caráter.
A regra número um é não fazer para os outros o que não gostaria que fizessem para a gente.
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