"Na palestra de Obama, só vi brancos na plateia e negros trabalhando"

Barack Obama esteve em São Paulo nesta quinta a convite do jornal Valor Econômico e do Banco Santander. A palestra, disputadíssima, fazia parte de um evento com convites que custavam entre R$ 5 mil e R$ 7,5 mil. Na plateia do ex-presidente norte-americano, cerca de mil pessoas, entre empresários, economistas e personalidades como o ex-jogador Ronaldo e o apresentador Luciano Huck. Tido para muitos como figura de grande força contra o racismo e a inferioridade racial no mundo, Obama tinha um público majoritariamente branco.
“Obama falou de uma nova política. Citou no evento que quer lideranças jovens. Mas, de cara, para entrar na fundação dele, é necessário ter inglês fluente. Isso já inviabiliza a entrada de quem é da periferia, não?”, questionou Dandara bastante emocionada ao fim da palestra. "Mesmo aqui no evento, é muito triste: só tem brancos na plateia e os negros estão todos trabalhando. Até quando teremos que nos contentar com os 10% de cota?". Veja seu depoimento completo no vídeo abaixo.
Desafio no Facebook
E como elas foram parar ali? Tudo começou com um post de Vítor Dell Rey, membro da Comissão da Verdade da Escravidão Negra no Brasil, há duas semanas. Ele dava o alerta (no Facebook e no LinkedIn): "Quando o maior exponencial negro do mundo vem ao Brasil, segundo maior país negro do mundo; e ele só fala para brancos!". Vitor se referia à palestra de Barack Obama. E questionou: "Qual a possibilidade da Sua companhia que é mega engajada com diversidade e que tem isto como valor, ofertar entre 3 a 5 ingressos, para ser distribuído à jovens negros periféricos ou dos grandes centros do Brasil!?". O desafio foi aceito pelo Santander.
O banco forneceu dois ingressos: um para Vitor e outro para AD Junior, que é blogueiro, YouTuber e especialista em marketing digital - e que também assinou o post no FB. Cada um gerenciou o ingresso à sua maneira. Tiveram como critério escolher uma mulher negra, periférica e militante. Por votos na internet, ganharam Dandara e Patrícia.
Fio dental na praia
Dandara, que se autodefine “preta, gorda, espalhando autoestima por ai”, ficou famosa nas redes quando postou uma foto de fio dental na praia e a imagem viralizou. “Sempre estive de bem com o meu corpo. Levei um susto quando vi mais de 23 mil curtidas e 6 mil compartilhamentos”, conta ao UOL.
“Ali no meu mundinho da zona oeste do Rio eu não tinha consciência da nossa estética e cultura. Eu usava apliques no cabelo mais para me esconder, fazia maquiagenzinha para afinar o nariz”, relembra Dandara Na página do Facebook Negra Ativa, no entanto, conheceu outras mulheres e passou a estudar a temática do racismo no Brasil. “Sempre senti na pele o racismo, mas passei a reparar que não era por acaso que mesmo eu sem estar uniformizada numa farmácia, por exemplo, era abordada como funcionária. É o racismo que faz parte da estrutura da sociedade e é validado pelas instituições.“
Hoje Dandara tem a cabeça raspada por posicionamento político e se alguém a aborda “por engano” para servir como garçonete ela devolve a pergunta: “Por que você acabou que eu era a empregada? A pessoa tem que parar pra pensar e refletir sobre essa naturalização de delimitar nossos espaços à servidão”.
"Negros sequer se enxergam nas empresas"
Patrícia está à frente da consultoria de RH EmpregueAfro, especializada em inserção de negros no mercado de trabalho. É filha de metalúrgico e empregada doméstica. “Minha mãe saiu da faxina depois de um curso técnico de contabilidade e isso ajudou a pagar minha faculdade de pedagogia.” Depois de trabalhar cinco anos em departamentos de RH, percebeu que não vinham negros nos processos seletivos. “Negros sequer se enxergam nas empresas. Comecei a ensiná-los a fazer currículos e dava treinamento para entrevistas de emprego.”
Patricia mantinha emprego fixo de dia e de noite atuava no próprio negócio. “As empresas se interessavam pelo acesso de negros por meio de programas de diversidade. Mas a minha consultoria ainda é a única no Brasil há 12 anos! E só há 4 consegui largar o emprego para me dedicar integralmente ao meu negócio. “
Patrícia leva consigo a frase de Obama: “A diversidade é uma fonte de força. Não é caridade. Não é a coisa certa a se fazer. É a coisa inteligente a se fazer.”
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