Falso fotógrafo brasileiro: como saber quando a mentira é uma doença?
Eduardo Martins, fotógrafo das Organizações das Nações Unidas (ONU), trabalhava em áreas de conflito e tinha suas imagens distribuídas pelas maiores agências internacionais -- e publicadas para cerca de 127 mil seguidores no Instagram. Só que não. O personagem por trás desse falso perfil pode ser um mitômano, alguém que sofre de um transtorno de personalidade e tem propensão exagerada para mentir.
“O mitômano acredita na própria mentira e pode chegar a ter quadros delirantes. É um comportamento muito diferente daquele que mente para divertir as pessoas ou daquela mentira inocente que contamos para não fazer mal a alguém”, explica Roosevelt Cassorla, psiquiatra, psicanalista e professor da Unicamp. “São pessoas que contam uma fantasia como se fosse verdade, que têm uma propensão exagerada para mentir sobre um feito”, diz Denise Gimenez Ramos, professora do curso de psicologia da PUC de São Paulo.
Ser admirado é um estímulo
Quem tem esse tipo de transtorno sente uma espécie de excitação ao se ver cada vez mais admirado como personagem de histórias fantasiosas, como as criadas pelo falso Eduardo Martins. O possível prejuízo causado pelo falso fotógrafo -- que iludiu muita gente e ganhou dinheiro com fotos feitas por outras pessoas -- são uma espécie de efeito colateral, diz o professor da Unicamp. Não parece ter sido uma vantagem premeditada.
Denise cita uma ex-paciente que frequentava um clube e inventou que tinha um filho porque todos da sua roda de amigos eram pais. A história foi crescendo e chegou um momento, quando aconteceria uma festa com as crianças, que a farsa acabaria sendo revelada. Acuada, ela preferiu deixar de frequentar o clube e procurou ajuda profissional.
Em outro caso, um rapaz costumava inventar histórias sobre a origem de seus pais, que seriam da nobreza europeia. Na verdade, eram pobres agricultores que vieram para o Brasil. “Essas histórias costumam ganhar adereços com o passar do tempo, mas chega uma hora que não convencem mais ninguém. Por isso, muitos mitômanos costumam ser antissociais, pois quando são descobertos têm de se afastar do convívio”, relata a psicóloga.
Foi o que aconteceu com Eduardo Martins. Na mentira final de seu personagem, ele escreveu para um contato ao saber que sua história falsa havia sido descoberta.
"Fala irmão. Tô na Austrália, tomei a decisão de passar um ano em uma van rodando o mundo. Vou cortar tudo inclusive internet, tb (também) deletei o IG (Instagram). Quero ficar em paz. A gente se fala qd (quando) eu voltar. Abraços". Na mensagem seguinte, escreveu: "Valeu. Vou deletar aqui o zap. Fica com Deus".
Veja como identificar um mentiroso compulsivo
Como diferenciar o mentiroso eventual do mitômano?
O mitômano mente com frequência e de forma compulsiva para parecer bem na história, para ganhar projeção. Mas pode reagir mal se a sua mentira for contestada. Como o mitômano se confunde entre verdade e mentira, não admite que está mentindo. Como as mentiras são frequentes, quem convive com ele percebe com o tempo que os fatos não batem.
O que pode desencadear esse comportamento?
Traumas na infância são as causas mais comuns. Essas pessoas têm baixíssima autoestima e sentem necessidade de se exibir e chamar a atenção com histórias falsas.
Quando as mentiras compulsivas podem começar a acontecer?
No fim da adolescência, início da fase adulta.
As mentiras são criadas de forma planejada?
Não, as histórias surgem diante de uma situação em que ele se sinta inferior.
Um mitômano pode prejudicar alguém com suas histórias?
Sim, se tiver outros transtornos de personalidade. Por outro lado, há mentirosos que não necessariamente são mitômanos -- enganam para levar vantagem, podem mentir para envolver uma mulher de olho em seus bens ou para desviar dinheiro da empresa. Há, ainda, aqueles que se expõem com o objetivo de serem punidos, como criminosos que deixam pistas por se sentirem inconscientemente culpados.
Existe tratamento?
A psicoterapia costuma ter um bom resultado, mas normalmente o mitômano tem muita dificuldade em admitir o problema e procurar ajuda. Além disso, ele pode sentir dificuldade em abandonar a fantasia e, ao enxergar seus traumas e sentimentos de inferioridade, pode deixar o tratamento.
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