O que explica pessoas apoiarem os agressores que tatuaram jovem na testa?
Você, provavelmente, já viu a notícia sobre o jovem de 17 anos que teve a frase “Eu sou ladrão e vacilão” tatuada na testa, após supostamente tentar furtar uma bicicleta em São Bernardo do Campo (SP). Os responsáveis pelo ato filmaram a agressão e o vídeo circulou no Whatsapp. Apesar de ter sido classificada como barbárie por uns, a ação dos tatuadores também recebeu apoio. Seria o desejo de justiça a motivação desse último grupo?
Para Ariadne Natal, pesquisadora do NEV (Núcleo de Estudos da Violência) da USP (Universidade de São Paulo), não. Quem festeja uma atitude como essa está mais interessado em vingança.
“Foi uma atitude desproporcional ao delito que se suspeitava ter sido cometido. A motivação era humilhar. Não se trata de uma violência comum, até por isso a escolha foi fazer algo permanente: tatuar a pele do rapaz”, diz Ariadne, autora da dissertação de mestrado “30 Anos de Linchamentos em São Paulo”.
Luís Antônio Francisco de Souza, professor do Departamento de Sociologia e Antropologia da Unesp (Universidade Estadual Paulista), em Marília (SP), também vê o que ocorreu como desejo de vingança.
“Justiça só é possível mediante a ação do Estado, dentro das regras do direito. Os responsáveis devem responder por tortura e cárcere privado. Ninguém tem o direito de exercer nenhuma forma de vigilantismo”, afirma.
Miriam Barros, que é psicóloga, entende que o ato foi criminoso e até pior do que um linchamento. “Tatuar o adolescente foi algo que demandou um tempo, foi preciso segurá-lo, procurar o instrumento para escrever... Não foi uma resposta imediata, no calor da raiva, como acontece nos linchamentos.”
Não é só sobre o caso da tatuagem
Ao expressarem apoio aos tatuadores nas redes sociais, é provável que as pessoas não estejam se manifestando sobre o caso do adolescente, especificamente. O brasileiro convive com a sensação de impunidade: estamos falando desde o medo de circular nas ruas e ter o celular roubado até os casos de corrupção sem punição, que recheiam os noticiários.
“Quase todo mundo já foi alvo de uma situação de violência e se sentiu injustiçado. Provavelmente, o adolescente virou um bode expiatório de todos os bandidos do mundo.”
Para o professor Luís Antônio Francisco de Souza, os aplausos para a ação dos tatuadores têm a ver com a legitimação da violência como forma de punição. “O próprio Estado age com violência em várias situações. Por isso é preciso dar exemplos e punir os culpados [por tatuar o adolescente] exemplarmente.”
De acordo com a pesquisadora Ariadne, os homens que tatuaram o adolescente estavam tão seguros de que agiam de forma correta que nem sequer temeram registrar em vídeo e divulgar a gravação. “Eles sabiam que receberiam manifestações de apoio.”
Certas ou erradas, as pessoas têm direitos
Ariadne Natal fala que dois fatores podem explicar a violência cometida contra o adolescente: o primeiro seria o descrédito no estado de direito e suas ferramentas de punição.
“A gente sabe que a polícia está desaparelhada. Sem condições, muitas vezes, de investigar os crimes. O sistema penitenciário brasileiro é ruim, para dizer o mínimo, sem condições de recuperar ninguém que passa por ele.”
Ariadne, no entanto, diz que não é só isso que está por trás do ocorrido e da celebração do episódio. Há ainda a ideia de que, ao cometer um delito, a pessoa perde automaticamente qualquer tipo de direito.
“Essa cultura do desrespeito está muito presente na sociedade hoje, e há grupos mais vulneráveis a ela, caso do garoto que, além de ser menor, teria transtorno mental e seria usuário de drogas. Tão preocupante quanto termos pessoas capazes de tatuar alguém no rosto é haver indivíduos que apoiam esse tipo de ato”, declara a pesquisadora.
Muita gente também se manifestou contrário a atitude, até a classificando como tortura, por entenderem que não dá para fazer vingança com as próprias mãos. "E se todos os seus erros e pecados fossem tatuados na sua testa, que tipo de humilhação você enfrentaria pro resto da sua vida?", questiona o ilustrador Danilo Aires.
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